O jardim secreto (1911)

By ClassicosLP

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Obra da inglesa Frances Hodgson Burnett. More

1. Não resta ninguém
2. Dona Mary, toda ao contrário
3. Pelo pântano
4. Martha
5. O choro no corredor
6. "Havia alguém chorando! Havia!"
7. A chave para o jardim
8. O pintarroxo que mostrou o caminho
9. A mais estranha casa onde qualquer um jamais morou
10. Dickon
11. O ninho do sabiá
12. "Posso ter um pedaço de terra?"
13. "Eu sou Colin"
14. Um jovem Rajá
15. A construção do ninho
16. "Não vou!" Disse Mary
17. Um acesso de raiva
18. "Ocê não deve perdê tempo"
19. "Chegou!"
20. "Eu vou viver para sempre, sempre e sempre!"
21. "Ben Weatherstaff"
22. Quando o sol se pôs
24. "Deixe-os rir"
25. "A cortina"
26. "É mamãe!"
27. No jardim

23. Mágica

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By ClassicosLP

Dr. Craven ficou esperando por algum tempo na casa até que eles retornassem. Ele já até começava a pensar se não seria uma boa ideia mandar alguém inspecionar os caminhos do jardim.

Quando Colin foi trazido de volta ao seu quarto, o pobre homem olhou para ele muito sério.

− Você não deveria ter ficado até tão tarde. – ele disse. – Você não deve se cansar.

− Eu não estou nem um pouco cansado. – disse Colin. – O passeio me fez me sentir bem. Amanhã eu sairei pela manhã e também de tarde.

− Não tenho certeza se posso permitir isso. – respondeu Dr. Craven. – Receio que não seria muito inteligente.

− Não seria muito inteligente tentar me impedir. – Colin disse bastante sério. – Eu irei.

Naquele momento, Mary descobriu que uma das particularidades de Colin como patrão era que ele não sabia nem ao menos o quão bruto e rude podia ser com sua forma de mandar nas pessoas. Ele vivera em uma espécie de ilha deserta durante toda a vida e fora o rei dela. Ele criou suas próprias maneiras e não podia comparar-se com ninguém. Mary também era um pouco como ele, mas desde que chegara a Misselthwaite começara a descobrir gradualmente que seus próprios modos de agir não eram do tipo usuais ou populares.

Tendo feito esta descoberta, ela naturalmente pensou que deveria avisar Colin. Então, ela se sentou e olhou para ele com curiosidade por alguns minutos, depois que o Dr. Craven partiu. Ela queria fazê-lo perguntar por que ela estava fazendo aquilo e, claro, conseguiu.

− Por que está olhando para mim desse jeito? – ele perguntou.

− Estou com pena do Dr. Craven.

− Eu também. – Colin disse com calma, mas não sem um ar de satisfação. – Ele não irá herdar nenhuma parte de Misselthwaite, agora que não vou mais morrer.

− Também estou com pena dele por isso, claro. – disse Mary.

– Mas eu estava pensando que deve ser muito horrível receber ordens de um garoto que sempre lhe foi rude, por dez anos. Eu nunca teria feito isso.

− Eu sou rude? – Colin indagou tranquilamente.

− Se você fosse filho dele, e ele fosse do tipo que bate... – Mary disse. − ... ele teria batido em você.

− Mas ele não ousaria. – disse Colin.

− Não, ele não ousaria. – respondeu a senhorita Mary, pensando em como falar sem causar nenhum dano. – Ninguém nunca ousou dizer qualquer coisa que você não gostasse, porque você estava para morrer, e por outras coisas assim. Você era um coitadinho.

− Mas... – Colin anunciou com teimosia. – ...eu não serei mais um coitadinho. Não vou deixar que as pessoas pensem que sou um. Eu fiquei em pé nesta tarde.

− Ter suas próprias maneiras foi o que o tornou tão esquisito.

– Mary prosseguiu, pensando alto.

Colin girou a cabeça, franzindo a testa.

− Eu sou esquisito? – ele exigiu.

− Sim. – Mary respondeu. – Muito. Mas não precisa ser rude. – ela adicionou imparcialmente. – Porque eu também sou esquisita, assim como Ben Weatherstaff. Mas não sou tão esquisita quanto era antes de começar a gostar das pessoas e antes de encontrar o jardim.

− Eu não quero ser um esquisito. – disse Colin. – Eu não serei. – e ele franziu a testa novamente com determinação.

Ele era um garoto muito orgulhoso. Portanto, deitou-se pensando por um tempo, e então Mary viu seu belo sorriso aparecer e gradualmente transformar seu rosto inteiro.

− Eu vou parar de ser esquisito, – ele disse –, se for todos os dias ao jardim. Há mágica lá, você sabe disso, Mary. Eu tenho certeza que há.

− Eu também tenho. – disse Mary.

− Mesmo que não seja uma Mágica real... – Colin disse. −...podemos fingir que é. Há algo lá. Algo!

− É mágica. – disse Mary. – Mas não negra. É branca como a neve.

Eles passaram a chamar aquilo de mágica, e, de fato, começou a parecer mais e mais nos meses seguintes, aqueles meses maravilhosos, meses radiantes, os mais incríveis.

Oh! As coisas que aconteceram naquele jardim! Se você nunca teve um jardim, não poderá compreender, e se já teve um jardim, sabe que levaria um livro inteiro para descrever tudo que se passa em um. A princípio, parecia que coisas verdes não iriam parar de abrir seu caminho pela terra, na grama, nos leitos, até mesmo pelas fendas das paredes. Então as coisinhas verdes começaram a mostrar botões, e os botões começaram a desfraldar e mostrar cores, em todos os tons de azul, púrpura, em cada matiz e tonalidade de vermelho.

Em dias felizes, flores eram arrumadas em cada centímetro, buraco e canto. Ben Weatherstaff percebeu tudo aquilo e raspou a argamassa entre os tijolos, colocando bolsões de terra para que as coisas bonitas agarradas ali pudessem crescer. Iris e Lírios brancos saíam da grama em feixes, e as alcovas verdes encheram-se com surpreendentes exércitos de lanças de flores azuis e brancas, altos Delfínios, Colombinas ou Campânulas.

− Ela gostava principalmente deles. Gostava mesmo. – disse Ben Weatherstaff. – Ela gostava deles como se fossem encantos apontando para o céu azul. Era o que ela costumava dizê. Não que ela não fosse um encanto também enquanto olhava para a terra, ela era. Ela apenas os amava e dizia que os encantos do azul do céu pareciam mais alegres.

As sementes que Dickon e Mary haviam plantado cresciam como se fadas as tocassem. Papoulas acetinadas, de todas as cores, dançavam com a brisa; flores alegres e desafiadoras, que já viviam no jardim por anos − e isso deve ser confessado – pareciam se perguntar como tantas pessoas novas haviam aparecido ali. E as rosas! As rosas! Elevando-se para fora da relva, emaranhadas em volta do relógio de sol, coroando os troncos de árvores e suspendendo seus ramos, escalando as paredes e espalhando-se por elas com longas guirlandas caindo em cascatas. Elas tornavam-se vivas dia após dia, hora após hora. Belas folhas frescas, e botões e mais botões, minúsculos a princípio, mas começando a inchar e a prover Magia até estourarem e se desenrolarem em taças cheirosas que delicadamente derramavam-se por suas abas, misturando-se ao ar do jardim.

Colin testemunhou tudo isso, observando cada mudança que tomava seu lugar. Cada manhã ele era levado para fora, e cada hora de cada dia, quando não chovia, era passada no jardim. Mesmo os dias cinzentos o agradavam. Ele deitava na grama "observando coisas crescerem" , ele dizia. Se você observasse por tempo suficiente, ele declarou, era possível ver botões desembainhando-se.

Você também podia fazer o reconhecimento de insetos estranhos correndo, ocupados com várias incumbências desconhecidas, mas evidentemente importantes, às vezes carregando mínimos pedaços de palha, pena ou alimentos, ou subindo nas folhas da grama como se fossem árvores das quais se pode explorar o país ao subir em seu topo. Uma toupeira se erguia de um monte no final de sua toca e fazia seu caminho para fora desta com as patas de unhas longas, que mais pareciam mãos de elfos. Tudo aquilo absorvera Colin durante toda a manhã. Caminhos de formigas, caminhos de besouros, caminhos de abelhas, caminhos de sapos, caminhos de pássaros e caminhos de plantas lhe deram um novo mundo para explorar, e foi Dickon que os revelou, ainda adicionando caminhos de raposas, caminhos de lontras, caminhos de furões, caminhos de esquilos, trutas e caminhos de ratos e texugos. Não havia limite para as coisas a se conversar e pensar.

E isso não era nem a metade da mágica. O fato de que ele realmente tinha ficado de pé uma vez, ajustou o pensamento de Colin tremendamente, e quando Mary lhe falou sobre o feitiço que ela tinha feito, ele ficou excitado e o aprovou totalmente. Passou a falar sobre isso constantemente.

− É claro que deve haver muita mágica no mundo. – ele disse sabiamente um dia. – Mas as pessoas não sabem como ela é ou como fazê-la. Talvez seja um começo, dizer que coisas boas irão acontecer até que você realmente consiga que elas aconteçam.

Eu vou tentar e experimentar.

Na manhã seguinte, quando eles foram até o jardim secreto, ele chamou por Ben Weatherstaff. Ben foi para lá o mais rápido que pôde e encontrou o rajá de pé sob uma árvore, parecendo muito grandioso, sorrindo lindamente.

− Bom dia, Ben Weatherstaff. – ele disse. – Eu quero que você, Dickon e Mary fiquem em linha e me ouçam, porque eu tenho algo muito importante a dizer.

− Sim, sim, senhor! – respondeu Ben Weatherstaff, tocando a própria testa. (Um dos encantos secretos de Ben Weatherstaff era que em sua infância ele havia fugido para o mar e feito viagens.

Assim, ele poderia responder como um marinheiro).

− Eu vou tentar um experimento científico. – explicou o rajá. – Quando eu crescer, vou fazer muitas descobertas científicas, e pretendo começar agora com esse experimento.

− Sim, sim, senhor! – disse Ben Weatherstaff prontamente, embora aquela tenha sido a primeira vez que ele ouvia sobre descobertas científicas.

Era a primeira vez que Mary ouvia sobre elas também, mas mesmo naquele estágio, ela começou a entender que, estranho como ele era, Colin já tinha lido sobre muitas coisas grandiosas e singulares, e era um tipo de garoto muito convincente. Quando ele levantava a cabeça e fixava seus olhos estranhos em algo, era como se fosse mais fácil acreditar nele do que em você mesmo, embora ele tivesse apenas dez anos, quase onze. Naquele momento, ele estava especialmente convincente, porque, subitamente, sentiu o desejo de fazer um discurso como gente grande.

− As grandes descobertas científicas que eu farei... – ele começou. − ...serão sobre mágica. Mágica é uma grande coisa, e quase ninguém sabe quase nada sobre isso, exceto poucas pessoas em livros velhos. E Mary sabe um pouco, porque nasceu na Índia, onde existem faquires. Eu acredito que Dickon também saiba um pouco de Mágica, mas talvez não tenha noção do quanto sabe. Ele encanta animais e pessoas. Eu nunca o deixaria ter ido me ver se não fosse um encantador de animais e um encantador de meninos também, porque um menino é também um animal. Eu estou certo de que há mágica em tudo, nós apenas não temos sentidos suficientes para ter conhecimento dela e usá-la para fazer coisas para nós mesmos, como eletricidade, cavalos e vapor.

Aquilo soou tão imponente que Ben Weatherstaff ficou bastante excitado e não conseguia ficar parado.

− Sim, sim, senhor. – ele disse, começando a se levantar e se colocar ereto.

− Quando Mary encontrou esse jardim ele parecia morto. – o orador prosseguiu. – Então, algo começou a puxar as coisas para fora do solo e a fazer coisas brotarem do nada. Em um dia não havia nada lá e no dia seguinte havia. Eu nunca tinha observado coisas antes, e isso me fez me sentir muito curioso. Pessoas científicas são sempre curiosas e eu serei um científico. Eu fico dizendo para mim mesmo: "O que é isso? O que é aquilo?" Deve ser alguma coisa. Não pode ser nada. E como não sei o nome, vou chamar de mágica.

Eu nunca vi o sol nascer, mas Mary e Dickon, já, e pelo que eles me contam, estou certo que é mágica também. Algo o impulsiona e o chama. Às vezes, desde que comecei a vir ao jardim, eu olho para as árvores lá no alto do céu e tenho um estranho sentimento de estar feliz, como se algo estivesse impulsionando e me chamando dentro de meu peito, me fazendo respirar mais rápido. A mágica está sempre impulsionando, chamando e criando coisas do nada. Tudo é feito através de mágica, folhas, árvores, flores, pássaros, texugos, raposas, esquilos e pessoas. Então ela deve estar ao nosso redor. Neste jardim, em todos os lugares. A mágica neste jardim me fez ficar de pé, e eu sei que vou viver para me tornar um homem.

Eu farei experimentos científicos para ter alguma mágica, colocá-la em mim e fazê-la impulsionar e me chamar, me tornando mais forte. Eu não sei como farei, mas acho que se você se mantiver pensando nela e a chamando, ela talvez apareça. Talvez esse seja o primeiro e menor caminho até ela. Quando eu estava tentando ficar de pé pela primeira vez, Mary ficou repetindo para ela mesma, o mais rápido que pôde, "Você consegue! Você consegue!" E eu consegui. Eu tive que me esforçar também, é claro, mas a mágica dela me ajudou, e Dickon também. Toda manhã e toda noite, e tantas vezes durante o dia, sempre que eu me lembrar, vou dizer, "A mágica está em mim! A mágica está fazendo com que eu me sinta melhor!". Eu serei tão forte quanto Dickon, tão forte quanto Dickon! E vocês também devem fazer isso. Esse é meu experimento. Você vai me ajudar, Ben Weatherstaff?

− Sim, sim, senhor! – disse Ben Weatherstaff. – Sim, sim!

− Se vocês permanecerem fazendo isso todos os dias, tão regularmente quanto soldados fazem seus exercícios, nós veremos o que irá acontecer e descobrir se o experimento funcionou. Você aprende coisas ao repeti-las várias e várias vezes e ao pensar nelas até que fiquem presas em sua mente para sempre. Portanto, acontecerá o mesmo com a mágica. Se vocês continuarem a chamá-la até que ela chegue a vocês e os ajude, ela se tornará uma parte de vocês, ficará e fará coisas.

− Uma vez eu ouvi um oficial na Índia falar com a minha mãe que alguns faquires repetiam as mesmas palavras milhares de vezes. – disse Mary.

− Eu ouvi a esposa de Jem Fettleworth dizê a mesma coisa mais de mil vezes, chamando o Jem de bêbado bruto. – Ben Weatherstaff disse secamente. – Algo resultô disso. Ele lhe deu uma boa surra, foi para o "Leão Azul" e ficô bêbado como um lorde.

Colin levantou as sobrancelhas e pensou por alguns minutos.

Então se animou.

− Bem... – ele disse. − ...vocês podem ver que algo resultou disso. Ela usou a Mágica errada, que fez com que ele batesse nela.

Se ela tivesse usado a Mágica certa e tivesse dito algo bom, talvez ele não tivesse ficado bêbado como um lorde e talvez... talvez ele tivesse lhe presenteado com um castelo.

Ben Weatherstaff riu e havia certa admiração perspicaz em seus pequenos olhos idosos.

− Você é um rapaz tão inteligente quanto suas pernas são fortes, Mestre Colin. – ele disse. – Na próxima vez que eu vir Bess Fettleworth, vou lhe uma dica do que a mágica pode fazê por ela. Ela vai ficá muito feliz se o experimento científico funcioná, assim como Jem também ficará.

Dickon ouviu toda a lição, com os olhos brilhando de curioso prazer. Noz e Casca estavam em seus ombros, e ele segurava um coelho de orelhas grandes em seus braços, acariciando-o sem parar, com delicadeza, enquanto ele deitava suas orelhas em suas costas e se deliciava.

− Você acha que o experimento vai funcionar? – Colin perguntou a ele, imaginando o que ele estava pensando. Muitas vezes ele se pegava refletindo sobre o que Dickon estaria pensando quando o via olhando para ele ou para uma de suas "criaturas" com um largo e feliz sorriso.

Ele sorria naquele momento, e seu sorriso parecia maior que de costume.

− Sim. – ele respondeu. – Eu acho que vai. Vai funcioná da mesma maneira que as sementes funcionam quando o sol brilha sobre elas. Vai funcioná com certeza. Devemos começá agora?

Colin estava encantado, e Mary também. Acometido por lembranças de faquires e aficionados em ilustrações, Colin sugeriu que eles deveriam todos se sentar de pernas cruzadas sob uma árvore que formava um dossel.

− Será como se sentar em uma espécie de templo. – disse Colin. – Eu estou muito cansado e quero me sentar.

− Ei! Ocê não deve começá dizendo que cansado! Isso vai estragá a mágica.

Colin se virou e olhou para ele, bem dentro de seus olhos grandes e inocentes.

− É verdade. – ele disse devagar. – Eu devo pensar apenas na mágica. – tudo pareceu mais majestoso e misterioso quando eles se sentaram formando um círculo. Ben Weatherstaff sentia-se como se tivesse, de alguma forma, sido guiado até um encontro religioso. Normalmente ele era muito obcecado em ser o que ele chamava de "contra reuniões religiosas", mas sendo uma vontade do rajá, ele não se ressentiu, e estava, de fato, agradecido por ter sido chamado para ajudar. Senhorita Mary sentia-se solenemente extasiada.

Dickon segurou seu coelho nos braços, e talvez ele tenha usado de alguma de suas habilidades de encantador de animais, que ninguém conseguiu escutar, pois quando ele se sentou, de pernas cruzadas como todos os outros, o corvo, a raposa, os esquilos e o cordeiro lentamente se aproximaram e fizeram parte do círculo, cada um escolhendo seu lugar de descanso, como se fosse do desejo deles mesmos.

− As criaturas chegaram. – disse Colin gravemente. – Elas querem nos ajudar.

Colin realmente estava muito bonito, pensou Mary. Ele elevou sua cabeça ao alto, como se fosse uma espécie de sacerdote, e seus olhos estranhos tinham um olhar maravilhoso cravado neles. A luz brilhava sobre ele, através do dossel da árvore.

− Agora vamos começar. – ele disse. – Devemos nos balançar para trás e para frente como se fôssemos dervixes?

− Eu não posso me balançá para frente e para trás. – disse Ben Weatherstaff. – Eu tenho reumatismo.

− A mágica irá acabar com ele. – disse Colin, no mesmo tom que um Alto Sacerdote usaria. – Mas não vamos nos balançar até que ela tenha funcionado. Vamos apenas cantar.

− Eu não posso cantá. – disse Ben Weatherstaff um pouco irritado. – Eles me expulsaram do coro da igreja na única vez em que tentei.

Ninguém sorriu. Todos estavam muito sérios. O rosto de Colin não tinha sequer sido atravessado por uma sombra. Ele só pensava na mágica.

− Então eu vou cantar. – e ele começou, como um estranho espírito de menino. – O sol está brilhando, o sol está brilhando. Isso é mágica. As flores estão crescendo, as raízes estão se mexendo. Isso é mágica.

Estar vivo é mágica. Estar forte é mágica. A mágica está em mim. A mágica está em mim. Ela está em mim. Ela está em mim. Em cada um de nós.

Está nas costas de Ben Weatherstaff. Mágica! Mágica! Venha e nos ajude.

Ele disse aquilo várias vezes, não mil, mas um bom número.

Mary ouviu em transe. Ela sentia como se aquilo fosse estranho e belo ao mesmo tempo, e queria que ele continuasse e continuasse. Ben Weatherstaff começou a se sentir mais calmo como se estivesse em uma espécie de sonho, que era bastante agradável. O murmúrio das abelhas nas flores se misturava com a voz que cantava, que, sonolentamente, se tornavam uma dúzia. Dickon estava sentado com as pernas cruzadas, com seu coelho adormecido em seu braço, e uma de suas mãos repousava nas costas do cordeiro. Fuligem havia empurrado um esquilo e se amontoado ao lado deste em seu ombro, enquanto uma película cinza caía sobre seus olhos.

Até que, enfim, Colin parou.

− Agora vou caminhar pelo jardim. – ele anunciou.

A cabeça de Ben Weatherstaff caiu para frente, e ele a levantou com um empurrão.

− Você estava dormindo. – disse Colin.

− Nada disso. – murmurou Ben. – O sermão foi muito bom, mas eu tenho que saí antes da coleta do dízimo.

Ele ainda não estava completamente desperto.

− Você não está na igreja. – disse Colin.

− Não, eu não. – disse Ben ajeitando-se. – Quem disse que eu tava? Eu ouvi tudo que ocê falou. Ocê disse que a mágica nas minhas costas. O médico chama isso de reumatismo.

O rajá acenou com a mão.

− Esta é a mágica errada. – ele disse. – Você vai melhorar.

Você tem minha permissão para voltar ao trabalho. Mas volte amanhã.

− Eu gostaria de caminhá pelo jardim. – grunhiu Ben.

Não foi um grunhido hostil, mas, ainda assim um grunhido.

Na verdade, por ser um velho teimoso e por não ter fé em mágica, ele se convenceu de que se fosse mandado embora, ele subiria a escada e olharia por cima do muro para que estivesse pronto para mancar de volta se houvesse qualquer tropeço.

O rajá não se opôs que ele ficasse, e, assim, a procissão foi formada. E realmente parecia uma procissão. Colin a liderava, com Dickon a seu lado e Mary do outro. Ben Weatherstaff ia atrás deles, e as "criaturas" trilhavam em seguida. O cordeiro e o filhote raposa se mantinham perto de Dickon, o coelho branco pulava e parava de roer, e Fuligem seguia, com a solenidade de uma pessoa que se sentia no comando.

Era uma procissão que se movia devagar, mas com dignidade.

De poucos em poucos metros, eles paravam para descansar. Colin apoiava-se no braço de Dickon, e Ben Weathestaff manteve uma vigilância acentuada. Mas, naquele momento, então, Colin tirou sua mão de seu apoio e caminhou alguns passos sozinho. Sua cabeça manteve-se levantada durante todo tempo, e ele parecia grandioso.

− A mágica está em mim! – ele se manteve falando. – A mágica está me fortalecendo! Eu posso senti-la. Posso senti-la.

Ele parecia muito certo de que alguma coisa o estava protegendo e elevando. Ele se sentou nas cadeiras das alcovas, uma vez ou duas sentou-se na grama e muitas vezes parou no caminho, apoiando-se em Dickon, mas ele não desistiria até que tivesse dado uma volta inteira no jardim. Quando ele retornou ao dossel da árvore, suas bochechas estavam coradas, e ele parecia triunfante.

− Eu consegui! A mágica funcionou! – ele choramingou. – Esta é minha primeira descoberta científica!

− O que o Dr. Craven irá dizer? – Mary interrompeu.

− Ele não dirá nada. – Colin respondeu. – Porque ele não irá saber. Este deve ser o maior segredo de todos. Ninguém deve saber nada sobre isso até que eu tenha me fortalecido tanto que possa andar e correr como qualquer outro garoto. Eu virei aqui todos os dias em minha cadeira e serei levado de volta nela. Não quero que as pessoas fiquem cochichando e fazendo perguntas, e não quero que meu pai ouça nada sobre isso até que o experimento seja um completo sucesso. Então, quando ele voltar para Misselthwaite, eu entrarei em seu escritório e direi: "Aqui estou eu; sou como qualquer outro garoto. Sinto-me muito bem e vou viver para me tornar um homem. Isso se deu através de um experimento científico".

− Ele pensará que está sonhando. – Mary emocionou-se. – Ele não vai acreditar em seus próprios olhos.

Colin corou triunfantemente. Ele se fez acreditar que iria ficar bem, o que significou mais da metade da batalha, se ele tivesse conhecimento da mesma. E o pensamento que o estimulou mais do que qualquer outro foi imaginar como seu pai reagiria quando visse que tinha um filho que era capaz de ficar de pé e que era tão forte quanto o filho de outros pais. Um de seus mais sombrios sofrimentos, nos mórbidos dias de sua doença, era seu ódio por ser o filho doente e fraco cujo pai tinha medo de olhar.

− Ele terá que acreditar. – ele disse. – Uma das coisas que farei, depois que a mágica operar e antes de começar a fazer experimentos científicos, é me tornar um atleta.

− Teremos que levá-lo para treiná Boxe em uma semana ou duas. – disse Ben Weatherstaff. – Vai acabá ganhando o Cinturão e se tornará o campeão pugilista da Inglaterra.

Colin fixou seus olhos nele com severidade.

− Weatherstaff... – ele disse. − ...isso é desrespeitoso. Não pode ter liberdades comigo só porque faz parte do segredo. Além do mais, mesmo que a Mágica funcione, eu não serei um pugilista.

Eu serei um Descobridor Científico.

− Sim, perdão, perdão, senhor. – respondeu Ben, batendo continência em saudação. – Eu deveria tê imaginando que não era um momento para piadas. – mas seus olhos brilharam e, subitamente, ele estava bastante contente. Ele realmente não se importava em ser desprezado, porque ser desprezado significava que o rapaz estava ganhando força e espírito.

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