O jardim secreto (1911)

By ClassicosLP

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Obra da inglesa Frances Hodgson Burnett. More

1. Não resta ninguém
2. Dona Mary, toda ao contrário
3. Pelo pântano
4. Martha
5. O choro no corredor
6. "Havia alguém chorando! Havia!"
7. A chave para o jardim
9. A mais estranha casa onde qualquer um jamais morou
10. Dickon
11. O ninho do sabiá
12. "Posso ter um pedaço de terra?"
13. "Eu sou Colin"
14. Um jovem Rajá
15. A construção do ninho
16. "Não vou!" Disse Mary
17. Um acesso de raiva
18. "Ocê não deve perdê tempo"
19. "Chegou!"
20. "Eu vou viver para sempre, sempre e sempre!"
21. "Ben Weatherstaff"
22. Quando o sol se pôs
23. Mágica
24. "Deixe-os rir"
25. "A cortina"
26. "É mamãe!"
27. No jardim

8. O pintarroxo que mostrou o caminho

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By ClassicosLP

Ela ficou olhando para a chave por um bom tempo. Girava-a repetidamente, pensando sobre ela. Como disse antes, não era uma criança treinada para pedir permissão ou consultar os mais velhos sobre as coisas. Tudo o que pensava sobre a chave era que, se fosse a certa para o jardim trancado e se pudesse descobrir onde ficava a porta, talvez pudesse abri-lo, ver o que estava dentro dos muros e o que tinha acontecido às roseiras antigas.

Ela queria vê-lo, exatamente porque estivera fechado por tanto tempo. Ela sentia como se ele tivesse a obrigação de ser diferente dos outros lugares, e que alguma coisa estranha devia ter-lhe acontecido durante aqueles dez anos. Além disso, se gostasse do jardim, poderia entrar lá todos os dias, fechar a porta atrás de si, inventar algum jogo e jogá-lo sozinha, porque ninguém jamais saberia onde estava, mas pensaria que a porta ainda estava trancada e a chave enterrada em algum ponto do terreno. Pensar sobre aquilo a agradou.

Morando praticamente sozinha em uma casa, com uma centena de quartos misteriosamente fechados, e não tendo nada para diverti-la, colocara o cérebro inativo para trabalhar e estava realmente despertando sua imaginação. Não havia dúvida de que o ar puro, fresco e forte do pântano tinha muito a ver com aquilo. Também lhe deu apetite, e sua briga com o vento agitou seu sangue; dessa forma, as mesmas coisas agitaram sua mente.

Na Índia, sempre estivera muito quente, lânguida e fraca para se importar com qualquer coisa, mas naquele lugar estava começando a se importar e a querer fazer coisas novas. Já se sentia menos rabugenta, embora não soubesse por quê.

Pôs a chave em seu bolso e andou para cima e para baixo, seguindo seu caminho. Ninguém, exceto ela própria, parecia já ter ido lá; então, podia caminhar vagarosamente e olhar o muro, ou melhor, a hera que estava crescendo sobre ele e o obstruía. Por mais que olhasse cuidadosamente, não podia ver nada, exceto as lustrosas folhas verde-escuras que cresciam. Estava muito desapontada.

Sentiu sua rabugice retonar, enquanto andava compassadamente pelo caminho e olhava além dele, no interior das copas das árvores.

Parecia absurdo, dizia para si mesma, estar próxima do jardim e não ser capaz de entrar. Pensando nisso, ela pegou a chave, quando voltou para casa, e decidiu que deveria sempre levá-la consigo quando saísse, de modo que, se alguma vez encontrasse a porta escondida, já estaria pronta.

A Sra. Medlock permitiu que Martha dormisse a noite inteira no chalé, mas a criada estava de volta ao seu trabalho pela manhã, com as bochechas mais vermelhas do que nunca, e na melhor animação.

─ Levantei-me às quatro horas. ─ disse ela. ─ Eh! O pântano estava lindo, com os pássaros levantando voo, os coelhos fugindo precipitadamente por todos os lados e o sol nascendo. Não andei por todo o caminho. Um homem me deu uma carona em sua carroça. Eu realmente me diverti.

Estava cheia de histórias sobre os prazeres de seu dia de folga. Sua mãe ficara feliz em vê-la. Elas cozinharam e lavaram roupas, fazendo desaparecer todas as manchas. Ainda fizera, para cada uma das crianças, uma massa de bolo com açúcar mascavo.

─ Todos os bolos que preparei estavam chiando de quente quando as crianças entraram, após brincarem no pântano. E todo o chalé exalava o cheiro de uma bela e asseada fornada. Havia também uma boa fogueira, e as crianças simplesmente gritaram de alegria. Nosso Dickon disse que nosso chalé parecia suficientemente bom para um rei.

À noite, todos se sentaram ao redor do fogo, e Martha e sua mãe costuraram remendos em roupas rasgadas e consertaram meias. Martha lhes contou sobre a menininha que veio da Índia e que fora servida, durante toda sua vida, por aqueles que Martha chamava de "negros", ao ponto de não saber como calçar suas próprias meias.

─ Eh! Gostaram de ouvir sobre ocê. ─ disse Martha. ─ Queriam sabê tudo sobre os negros e sobre o navio em que você veio. Não pude lhes contá o suficiente.

Mary refletiu um pouco.

─ Vou contar-lhe muito mais, antes de seu próximo dia de folga. ─ disse Mary. ─ Assim, terá muito mais para conversar.

Eu me atrevo a dizer que gostariam de ouvir sobre montar em elefantes e camelos, e sobre como os oficiais caçam tigres.

─ Palavra de honra! ─ Martha gritou com deleite. ─ Isso esclareceria suas dúvidas. Realmente fazia isso, senhorita? Devia ser o mesmo que uma exposição de animais selvagens, como ouvimos que fizeram em York, certa vez.

─ A Índia é muito diferente de Yorkshire. ─ disse Mary vagarosamente, como se refletisse sobre o assunto. ─ Nunca pensei sobre isso. Dickon e sua mãe gostaram de ouvi-la falar sobre mim?

─ Os olhos de nosso Dickon quase saltaram de seu rosto e, por isso, giraram nas órbitas. ─ respondeu Martha. ─ Mas mamãe ficou preocupada por ocê querê que tudo seja como deseja. Ela disse: "O Sr. Craven não conseguiu nenhuma governanta para ela, nem nenhuma enfermeira?", e eu disse: "Não, não conseguiu, embora a Sra. Medlock diga que ele conseguirá quando se lembrar de pensá sobre isso, mas ela diz que ele pode não pensá sobre isso por dois ou três anos."

─ Não quero uma governanta. ─ disse Mary com rispidez.

─ Mas mamãe diz que ocê deveria está estudando a essa altura, e que deveria ter uma criada para cuidá de suas coisas. Disse também: "Agora, Martha, simplesmente pense como se sentiria em um lugar enorme como aquele, perambulando por toda parte, completamente sozinha, e sem mãe. Dê o melhor se si para animá-la", ela disse, e eu disse que daria.

Mary lançou-lhe um olhar longo e firme.

─ Você me anima, ─ disse ela. ─ Gosto de ouvir você falar.

Logo Martha saiu do quarto e voltou segurando alguma coisa nas mãos, sob seu avental.

─ O que ocê acha? ─ disse ela, com um alegre sorriso. ─ Trouxe um presente para ocê.

─ Um presente! ─ exclamou Dona Mary. Como poderia um chalé, com suas quatorze pessoas famintas, dar um presente para qualquer pessoa?

─ Um mascate, dirigindo pelo pântano, tentava fazer suas vendas. ─ explicou Martha. ─ E parô sua carroça em nossa porta.

Ele tinha potes, panelas e miudezas, mas mamãe não tinha dinheiro para comprá nada. No exato momento em que estava indo embora, nossa Elizabeth Ellen gritô: "Mamãe, ele tem cordas de pular com cabos vermelhos e azuis.", e mamãe gritô de repente: "Ei! Aqui, pare, senhor! Quanto custam?" E ele disse: "Dois centavos de libra" Mamãe começô a remexê em seu bolso e me disse: "Martha, você me trouxe seu salário, como uma boa moça, e tenho muitas necessidades para empregar cada centavo, mas simplesmente vou pegar dois centavos para comprar uma corda de pular para essa criança." E comprou uma, que aqui está.

Tirou-a de debaixo do avental e a exibiu com orgulho. Era uma corda forte e pequena, com um cabo listrado de vermelho e azul em cada ponta, mas Mary Lennox nunca tinha visto uma corda de pular antes. Olhou atentamente para o objeto, com uma expressão confusa.

─ Para quê serve isso? ─ perguntou curiosa.

─ Para quê?! ─ gritou Martha. ─ Ocê qué dizê que eles não tinham cordas de pular na Índia, apesar de terem elefantes, tigres, e camelos? Não me surpreende que a maioria deles seja negra. Serve para isso; apenas me observe.

Ela correu na direção do centro do quarto e, pegando um cabo em cada mão, começou a pular repetidas vezes, enquanto Mary retornava para cadeira, para olhar fixamente para ela. E os rostos estranhos nos retratos antigos pareciam fazer o mesmo também, surpreendendo-se com o que uma pequena e simples moradora de chalé tinha o despudor de fazer, bem ali debaixo de seu nariz. Martha, porém, sequer os viu. O interesse e a curiosidade no rosto de Dona Mary encantaram-na, então ela continuou pulando, e contava enquanto pulava, até que alcançou uma centena.

─ Poderia pular mais do que isso. ─ disse, quando parou.

─ Pulava mais ou menos umas quinhentas vezes quando tinha doze anos, mas não era, tão gorda quanto sou agora, e estava em boa forma.

Mary levantou-se de sua cadeira, começando a se sentir excitada.

─ Parece legal. ─ disse ela. ─ Sua mãe é uma mulher amável.

Você acha que eu conseguiria, alguma vez, pular assim?

─ Apenas experimente. ─ insistiu Martha, entregando-lhe a corda de pular. ─ Ocê não vai conseguí pulá cem vezes no início, mas se praticá, aumentará o número de vezes. Mamãe disse: "Nada vai lhe fazer melhó do que pulá corda. É o brinquedo mais sensato que uma criança pode ter, pois lhe permite brincá do lado de fora, sob o ar fresco, e esticará suas pernas e braços, dando-lhes alguma força."

Era óbvio que não havia muita força nos braços nem nas pernas de dona Mary quando começou a pular pela primeira vez.

Não era muito talentosa para isso, mas gostou tanto que não queria mais parar.

─ Vista-se e vá correr, pule corda lá fora. ─ disse Martha.

─ Mamãe disse que devo lhe dizê para se mantê fora de casa, tanto quanto possa, mesmo que esteja chovendo um pouco, desde que ocê se agasalhe bem.

Mary pôs seu casaco e chapéu, e levou sua corda de pular sobre o braço. Abriu a porta para sair e, então, repentinamente, pensou em algo que a fez voltar bem devagar.

─ Martha... ─ chamou ela. ─ ...era seu salário. Eram seus dois centavos de libra. Obrigada. ─ disse aquilo de maneira ríspida, porque não estava acostumada a agradecer às pessoas ou perceber que faziam coisas para ela. ─ Obrigada. ─ disse ela, e estendeu a mão, porque não sabia mais o que fazer.

Martha deu-lhe um pequeno e desajeitado aperto de mão, como se não estivesse acostumada a aquele tipo de coisa também.

Então, soltou um riso.

─ Eh! Ocê é como uma mulhé estranha e preocupada com coisas insignificantes. ─ disse ela. ─ Se tivesse visto nossa Elizabeth Ellen, teria me dado um beijo.

Mary lançou um olhar mais ríspido do que nunca.

─ Quer que eu lhe beije?

Martha riu novamente.

─ Não, eu não. ─ respondeu ela. ─ Se ocê fosse diferente, talvez quisesse ser beijada. Mas ocê não é. Vá logo para fora e brinque com sua corda.

Dona Mary sentiu-se um pouco desajeitada quando saiu do quarto. As pessoas de Yorkshire pareciam estranhas, e Martha sempre foi mais do que um enigma para ela. A princípio, antipa-tizou-se muito com ela, mas não mais. A corda de pular era uma coisa maravilhosa. Contou e pulou, pulou e contou, até que suas bochechas ficassem muito vermelhas. Estava mais interessada do que jamais estivera por qualquer coisa, desde que nasceu. O sol estava brilhando, e um vento fraco estava soprando – não um vento agitado, mas um que veio em agradáveis rajadas fracas e trouxe um aroma fresco de terra recentemente revolvida por ele.

Pulou em volta do jardim da fonte, subiu um caminho e desceu outro. Pulou, finalmente, na horta e viu Ben Weatherstaff, cavando e conversando com seu pintarroxo, que estava saltitando perto dele. Pulou caminho abaixo, na direção dele, que levantou a cabeça e olhou para ela com uma estranha expressão. A menininha se perguntava se ele a perceberia. Queria que ele a visse pular.

─ Bem... – exclamou ele. ─ ...palavra de honra! Talvez ocê seja uma menininha, apesar de tudo, e talvez ocê tenha sangue de criança em suas veias, em vez de leite azedo. Ocê pulou ao ponto de ficá com as bochechas vermelhas, e isso é tão certo quanto meu nome é Ben Weatherstaff. Não teria acreditado que ocê poderia fazê isso.

─ Nunca pulei antes. ─ disse Mary. ─ Estou só começando.

Só consigo pular até vinte.

─ Continue. ─ disse Ben. ─ Ocê está indo muito bem nisso, considerando que é uma senhorinha que mora com gentios. Veja como ele a está observando. ─ Ben moveu sua cabeça em direção ao pintarroxo. ─ Ele a seguiu ontem. E o fará novamente hoje.

Vai se empenhá em descobrir o que é a corda de pular. Ele nunca viu uma. Eh! ─ disse, sacudindo a cabeça para o lugar onde o pássaro estava. ─ Sua curiosidade será sua morte algum dia, se não ficá esperto.

Mary pulou corda em volta de todos os jardins e do pomar, descansando de poucos em poucos minutos. Finalmente, fez a sua própria caminhada especial e decidiu tentar se conseguiria pular em toda a extensão do caminho. Seria uma boa e extensa pulada, e começou vagarosamente, mas antes que tivesse descido metade do caminho, estava com tanto calor e tão ofegante, que foi obrigada a parar. Não se importou muito, porque já tinha contado até trinta.

Parou, com uma risadinha de prazer, e eis que estava lá o pintarroxo, balançando em um galho comprido da hera. O passarinho seguiu-a e saudou-a com um trinado. Enquanto Mary pulava em sua direção, sentiu algo pesado em seu bolso, batendo contra ela a cada pulo e, quando viu o pintarroxo, sorriu novamente.

─ Ontem você me mostrou onde estava a chave. ─ disse ela. ─ Hoje, quero que me mostre a porta; mas não creio que saiba onde ela está!

O pintarroxo voou de seu galho de hera, que balançava, para o topo do muro, e abriu seu bico, começando a cantar um ruidoso e encantador trinado, simplesmente para se exibir. Nada no mundo é tão adoravelmente encantador quanto um pintarroxo quando se exibe ─ e estão quase sempre fazendo isso.

Mary Lennox ouviu muito sobre Mágica, nas histórias que sua ama contava, e achou que o que aconteceu naquele momento foi exatamente isso.

Uma das agradáveis rajadas suaves de vento soprou impetuosamente caminho abaixo e era mais forte do que as outras.

Foi forte o suficiente para balançar os galhos das árvores, e mais do que isso, chegou a balançar os galhos rastejantes da hera não aparada que se pendurava do muro. Mary aproximou-se do pintarroxo e, de repente, a rajada de vento se movimentou ao lado de algumas trilhas formadas por heras soltas. Mais repentinamente ainda, a menininha pulou na direção dele e o pegou na mão. Fez isso, porque viu algo sob o pássaro – uma maçaneta redonda, que tinha sido coberta pelas folhas que se penduravam sobre ela. Era a maçaneta de uma porta.

Ela pôs as mãos sob as folhas e começou a puxar e empurrá-las para o lado. Espesso como a hera pendurada, quase tudo era como uma cortina solta que balançava, embora alguns ramos se arrastassem sobre a madeira e o ferro. O coração de Mary começou a bater com força, e suas mãos começaram a tremer um pouco em seu deleite e excitação. O pintarroxo continuou cantando, chilreando e inclinando a cabeça para o lado, como se estivesse tão excitado quanto ela. O que era aquilo sob as mãos, quadrado e feito de ferro, e onde seus dedos encontraram um buraco?

Era a fechadura da porta que estivera fechada por dez anos.

Ela pôs, então, a mão no bolso, retirou a chave e descobriu que se ajustava ao buraco. Pôs a chave e girou-a. Precisou das duas mãos para fazer isso, mas a chave girou.

Então, respirou profundamente e olhou para trás e para cima do extenso caminho, para ver se alguém estava vindo. Ninguém estava. Ninguém nunca vinha, ao que parecia, e respirou bem fundo mais uma vez, porque não podia evitar, conteve a cortina de hera que balançava e recuou a porta, que abriu vagarosamente.

Esgueirou-se, então, pela porta, fechou-a atrás de si, encostando-se nela, olhando ao redor e respirando muito rápido, com excitação, espanto e deleite.

E ficou ali, dentro do jardim secreto.

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