O jardim secreto (1911)

By ClassicosLP

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Obra da inglesa Frances Hodgson Burnett. More

1. Não resta ninguém
2. Dona Mary, toda ao contrário
3. Pelo pântano
4. Martha
5. O choro no corredor
6. "Havia alguém chorando! Havia!"
8. O pintarroxo que mostrou o caminho
9. A mais estranha casa onde qualquer um jamais morou
10. Dickon
11. O ninho do sabiá
12. "Posso ter um pedaço de terra?"
13. "Eu sou Colin"
14. Um jovem Rajá
15. A construção do ninho
16. "Não vou!" Disse Mary
17. Um acesso de raiva
18. "Ocê não deve perdê tempo"
19. "Chegou!"
20. "Eu vou viver para sempre, sempre e sempre!"
21. "Ben Weatherstaff"
22. Quando o sol se pôs
23. Mágica
24. "Deixe-os rir"
25. "A cortina"
26. "É mamãe!"
27. No jardim

7. A chave para o jardim

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By ClassicosLP

Dois dias depois, quando Mary abriu os olhos, imediatamente sentou-se aprumada na cama e deu um grito para Martha.

─ Olhe o pântano! Olhe o pântano!

A tempestade tinha terminado, e a névoa e as nuvens cinzas desapareceram pela ação do vento, durante noite. O vento também tinha cessado, e um céu brilhante e de um intenso azul arqueou ao alto, sobre o pântano. Nunca, jamais, Mary havia sonhado com um céu tão azul. Na Índia, as nuvens eram quentes e resplandecentes; o céu era de um azul profundamente sereno, que quase parecia cintilar como a água de algum lago encantador e impenetrável e, ali, ao alto, na arqueada imensidão azul, flutuavam pequenas nuvens como uma neve branca. O vasto território do pântano parecia suavemente azul, em vez de um sombrio negro-púrpura ou um terrível cinza melancólico.

─ Oh! ─ disse Martha, com um sorriso alegre. ─ A tempestade cessô um pouco. Fica assim nessa época do ano. Vai-se embora em uma noite, como se estivesse fingindo que nunca estivera aqui e não pretendesse voltar novamente.

─ Eu achava que sempre chovia ou o tempo parecia escuro na Inglaterra. ─ disse Mary.

─ Eh! Não! ─ disse Martha, sentando de pernas cruzadas entre suas escovas de cerdas pretas.

─ O que isso quer dizer? ─ perguntou Mary, muito séria. Na Índia, os nativos falavam dialetos diferentes, que apenas poucas pessoas entendiam; assim, não ficava surpresa quando Martha usava palavras que não conhecia.

Martha riu, como tinha feito na primeira manhã.

─ Era o que faltava! ─ disse Martha. ─ Falei com o sotaque de Yorkshire novamente, como a Sra. Medlock disse para eu não fazê. 'Na' tipo' qué dizer 'nada do tipo'. ─ disse vagarosa e cuidadosamente. ─ Mas é muito mais fácil abreviar. Quando está ensolarada, Yorkshire é o lugá mais ensolarado da terra. Eu lhe disse que acabaria gostando do pântano em pouco tempo. Espere até as florações de carqueja douradas, a giesta e a urze, todas as campânulas púrpuras e centenas de borboletas batendo asas, abelhas zunindo e as cotovias pairando nos ares e cantando. Você vai querê sair no pântano, como o nascer do sol, e vivê fora de casa todos os dias, como Dickon faz.

─ Eu já poderia ir para lá? ─ Mary perguntou ansiosa, olhando através de sua janela para o longínquo azul. Era uma cor tão recente, imensa, maravilhosa e celestial.

─ Não sei. ─ respondeu Martha. ─ Parece até que ocê nunca usô suas pernas desde que nasceu. Ocê não conseguiria caminhá nem oito quilômetros, que é a distância até o nosso chalé.

─ Gostaria de ver seu chalé.

Martha olhou-a por um momento, assustada e curiosa, antes de apanhar a escova de polimento e começar a esfregar a grelha de novo. Estava pensando que o rostinho simples não parecia, naquele momento, tão amargo quanto na primeira manhã que o viu. Parecia um pouquinho com o rosto da pequena Susan Ann, quando queria muito alguma coisa.

─ Vou perguntá para minha mãe sobre isso. ─ disse ela. ─

Mamãe é uma dessas pessoas que quase sempre enxergam uma maneira de resolvê as coisas. Hoje é meu dia de folga e estou indo para casa. Eh! Estou feliz. A Sra. Medlock tem muita consideração pela mamãe. Talvez pudesse conversá com ela.

─ Gosto de sua mãe. ─ disse Mary.

─ Sabia que ocê gostava. ─ concordou Martha, parando de polir.

─ Nunca a vi. ─ disse Mary.

─ Não, ocê não a viu. ─ respondeu Martha.

Martha soergueu-se sobre seus pés novamente e esfregou a ponta do nariz com as costas da mão, como se estivesse perplexa por um momento. Então, concluiu muito positivamente: ─ Bem, ela é aquela mulher sensata, limpa, de bom humor e que se dedica ao trabalho pesado. Ninguém poderia não gostá dela, tendo-a visto ou não. Quando estou indo para casa, para vê-la no meu dia de folga, simplesmente pulo de alegria enquanto atravesso o pântano.

─ Gosto de Dickon. ─ acrescentou Mary. ─ E nunca o vi.

─ Bem... ─ disse Martha resolutamente. ─ Eu lhe disse que até mesmo os pássaros, os coelhos, as ovelhas selvagens, os pôneis, e as próprias raposas gostam dele. Eu me pergunto... ─

disse, olhando para Mary de forma assustada e reflexiva. ─ ...o que Dickon pensaria de você?

─ Ele não gostaria de mim. ─ disse Mary em seu jeito acanhado, frio e severo. ─ Ninguém gosta.

Martha olhou pensativa novamente.

Ocê se gosta? ─ perguntou, como se estivesse realmente muito curiosa para saber.

Mary hesitou por um momento e refletiu sobre a pergunta.

─ Não muito. ─ respondeu ela. ─ Mas nunca pensei nisso antes.

Martha sorriu um pouco, como se estivesse lembrando de algo.

─ Mamãe me falou isso uma vez. ─ disse Marta. ─ Ela estava se banhando em sua tina, e eu de mau humor, falando mal das pessoas, até que ela voltou-se para mim e disse: ' Ocê, jovem megera, ocê! Ai está ocê, falando que não gosta dessa e de outra pessoa. Como pode gostar de ocê mesma? Isso me fez rir e cair em mim imediatamente.

E ela foi embora em um excelente humor, logo após servir o café da manhã à Mary. Pretendia caminhar oito quilômetros, cruzando o pântano até o chalé, ajudar sua mãe com a lavagem de roupas, preparar a fornada da semana e divertir-se completamente.

Mary sentiu-se mais solitária do que nunca quando soube que a criada não mais estava na casa. Saiu para o jardim, o mais rápido que pôde, e a primeira coisa que fez foi correr em volta de uma fonte, pelo menos umas dez vezes. Contou cada uma das vezes cuidadosamente e, quando terminou, sentiu-se mais animada. O brilho do sol fez todo o lugar parecer diferente.

O céu azul, vívido e elevado, arqueou-se sobre Misselthwaite, tanto quanto sobre o pântano, e ela continuou levantando o rosto e olhando para o céu, tentando imaginar como seria repousar sobre as pequenas nuvens, brancas como a neve, e flutuar por toda parte. Entrou na primeira horta e lá encontrou Ben Weatherstaff, trabalhando com dois outros jardineiros. A mudança no tempo parecia ter-lhe feito bem. Falou com ela, por seu próprio consentimento: ─ A primavera chegando. ─ disse ele. – Consegue sentí seu cheiro?

Mary farejou o ar e achou que sentia.

─ Sinto o cheiro de algo bom, fresco e úmido. ─ disse ela.

─ É o cheiro da boa terra fértil. ─ respondeu ele, cavando sem cessar. ─ Ela de bom humor e pronta para fazê as plantações crescerem. Fica feliz quando chega a hora do plantio. Por outro lado, fica aborrecida no inverno, quando não há nada para se fazê.

Lá fora, nos jardins, as sementes em germinação estarão se revolvendo na terra escura. O sol as está aquecendo. Você verá alguns brotos verdes surgindo da terra escura depois de poucos dias.

─ Quais flores nascerão? ─ perguntou Mary.

─ Açafrões, anêmonas e narcisos. Ocê nunca as viu?

─ Não. Tudo é quente, úmido e verde depois das chuvas, na Índia. ─ disse Mary. ─ E acho que as coisas crescem em apenas uma noite.

─ Essas não crescerão em uma noite. ─ disse Weatherstaff.

Ocê terá que esperá por elas. Vão empurrar a terra aqui, soltar um broto mais adiante, e uma folha hoje, e outra amanhã. Você vai vê-las.

─ Vou sim. ─ respondeu Mary.

Depois de segundos, ouviu outra vez o suave farfalhar de asas e soube, naquele mesmo instante, que o pintarroxo aparecera novamente. Estava muito esperto e entusiasmado, saltitando por toda parte, tão perto dos pés da menininha, jogando sua cabeça para um lado e olhando-a de um jeito tão dissimulado, que ela teve que fazer uma pergunta a Ben Weatherstaff.

─ Você acha que ele se lembra de mim? ─ ela disse.

─ Claro que lembra! ─ disse Weatherstaff com indignação.

─ Se ele conhece cada toco de repolho nas hortas, quem dirá as pessoas. Nunca tinha visto uma menininha por aqui antes, por isso tem se desdobrado para descobrir tudo sobre você. Não precisa tentar esconder nada dele.

─ As sementes em germinação estão se revolvendo na terra escura naquele jardim onde ele mora? ─ perguntou Mary.

─ Que jardim? ─ resmungou Weatherstaff, tornando-se carrancudo novamente.

─ O jardim onde estão as roseiras antigas. ─ ela não podia deixar de perguntar, porque queria muito saber. ─ Todas as flores estão mortas ou algumas delas reaparecem no verão? Por acaso há flores em alguma época?

─ Pergunte para ele. ─ disse Weatherstaff, curvando os ombros em direção ao pintarroxo. ─ É o único que sabe. Ninguém esteve lá dentro por dez anos.

Dez anos era um longo tempo, pensou Mary. Ela tinha nascido há dez anos.

Afastou-se, pensando vagarosamente. Começara a gostar do jardim, assim como do pintarroxo, de Dickon e da mãe de Martha. Estava começando a gostar de Martha também. Já era um bom número de pessoas a se gostar, quando você não está acostumado a gostar de ninguém. Pensou no pintarroxo como uma daquelas pessoas. Ela foi caminhar do lado de fora do muro extenso e coberto de heras, sobre o qual podia ver as copas das árvores.

E, caminhando para cima e para baixo uma segunda vez, aconteceu-lhe a coisa mais interessante e excitante, e tudo aconteceu por intermédio do pintarroxo de Ben Weatherstaff.

Ouviu um trinado e um chilro, e, quando olhou para o canteiro de flores vazio à sua esquerda, lá estava ele, saltitando por toda parte e fingindo arrancar coisas da terra com o bico para fazê-la acreditar que não a tinha seguido. Mas ela sabia que fizera aquilo, e a surpresa a encheu de deleite, o que a quase fez tremer.

─ Você se lembra de mim! ─ gritou. ─ Você se lembra mesmo! Você é mais encantador do que qualquer outra coisa no mundo.

Ela trinou, conversou, adulou, e ele saltitou, sacudiu o rabo e chilreou. Era como se estivessem conversando. Seu colete vermelho era como cetim e intumescia o minúsculo peito, fazendo-o parecer tão belo, tão imponente e tão encantador, que realmente era como se estivesse mostrando à menininha quão importante e humano um pintarroxo poderia ser. Dona Mary esqueceu que já tinha sido rabugenta em sua vida, quando ele lhe permitiu que ela se aproximasse cada vez dele, que curvasse seu corpo e conversasse, fazendo um som parecido com o dos pintarroxos.

Oh! Pensar que o pássaro realmente a deixava se aproximar dele daquela maneira! Ele sabe que nada no mundo a faria estender a mão em sua direção ou surpreendê-lo de forma alguma. Ele sabia daquilo porque era uma pessoa real, apenas melhor do que qualquer outra pessoa no mundo. Ela estava tão feliz que mal se atrevia a respirar.

O canteiro não se encontrava completamente vazio. Estava vazio de flores, porque as plantas mais antigas foram cortadas para seu descanso de inverno, mas havia arbustos altos e outros baixos, que cresceram juntos atrás do canteiro, e como o pintarroxo saltitava por toda a parte, sob os arbustos, ela o viu pular sobre um pequeno monte de terra, recentemente formado. Ele parou sobre o montículo para procurar uma minhoca. O montículo tinha se formado ali, porque um cão vinha tentando desenterrar uma toupeira, acabando por cavar à unha um buraco muito profundo.

Mary olhou para o montículo, sem saber por que aquele buraco estava ali. E enquanto observava, enxergou algo quase enterrado na terra recém-revolvida. Percebeu que parecia uma argola de metal enferrujado e, assim que o pintarroxo voou para uma árvore próxima, ela estendeu a mão e a pegou. Era mais do que uma argola, entretanto; era uma chave antiga, que parecia ter sido enterrada há muito tempo.

Dona Mary ficou de pé e olhou-a com o rosto quase assustado, enquanto a chave pendia em seu dedo.

─ Talvez tenha ficado enterrada por dez anos. ─ disse em um sussurro. ─ Talvez seja a chave para o jardim!

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