Over The Dusk

By control5h

111K 9.5K 45.1K

Décadas. Maldições. Linhagens. Amores proibidos. Luxúria. O ano inicial para elas foi 1986. Camila Cabello e... More

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22

Capítulo 2

5.2K 524 1.2K
By control5h

Olá, pessoal. Não, não se trata de uma miragem. Over The Dusk está mais uma vez de volta e agora para ficar! Não vou me delongar com justificativas pelo meu sumiço, porque não vem ao caso. O que importa é que a história vai continuar e agora com uma parceria! OTD não é apenas minha, e sim, um trabalho conjunto com AngelBooks77. Ela me inspirou a voltar! Para isso, usaremos uns codinomes: eu, a autora de Into The Dead, serei a titia Wolf e a Angel a titia Vamp. Só para facilitar a comunicação mesmo.

[Wolf] Alguns pequenos avisos: assim como Into The Dead, o enredo de Over The Dusk vai ser recheado. Gostaria de pedir, encarecidamente, que NÃO associem as personagens dessa fanfic às suas pessoas na vida real. Isso aqui se trata de uma história de ficção, se trata de um universo alternativo, se trata de uma coisa NÃO REAL. Não há favoritismo, não há qualquer masculinização proposital ou ligação má intencionada com a vida real e com as trajetórias pessoais dos indivíduos que integram esse enredo. Todos os personagens vão passar por crescimentos e por evoluções, portanto, algumas atitudes serão mudadas ao longo do tempo (assim como acontece na nossa vida, não é mesmo?!).

Releiam os capítulos postados séculos atrás. Peguem um bom fone de ouvido, uma comidinha e aproveitem essa trajetória que vai ser insana.

[Vamp] E as atualizações vão acontecer aos domingos: semanalmente ou, no máximo, quinzenalmente. Favoritem os capítulos, deixem comentários (amamos ver as interações de vocês) e compartilhem nas redes sociais. Aliás, nos sigam nos twitters: AngelBooks77 e control5h.

Musicas do capítulo: "So Far Away" do Dire Straits; "A Little Respect" do Erasure; "Making Love Out Of Nothing At All" do Air Supply.

######################

Reminiscência [s.f]: Recordação do passado: o que se mantém na memória. Recordação de uma verdade observada pela alma no momento da desencarnação e, quando retomada pela consciência, pode ser a eminência da base de toda sabedoria ou do conhecimento humano.

Miami (1986) – 21 horas e 43 minutos

*Music On* (So Far Away – Dire Straits)

Sentada com a cabeça escorada no banco de estofado negro, Lauren mantinha os olhos compenetrados na cidade movimentada do lado de fora, através do vidro do Fusca amarelo modelo Volkswagen 1984 de Veronica. Suas íris verdes cansadas, morteiras, analisavam os brilhos vermelho e laranja dos letreiros dos cinemas, dos bares e discotecas anunciando novos filmes, bebidas e shows de banda de rock; as pessoas com dinheiro caminhavam nas calçadas com suas jaquetas jeans ou de couro, calças, saias e blusas bem passadas, botas e saltos luzentes para virarem mais uma noite nas badaladas festas que aconteciam em qualquer parte de Miami. Nas esquinas, as garotas de programa com seus cabelos volumosos por spray e roupas minúsculas assobiavam sem a menor vergonha para os homens que passavam por perto; os pedintes em maltrapilhos, sentados em papelão e escorados às paredes, balançavam copos de alumínio em busca de míseros trocados.

Ah... os extremos de uma cidade grande. Sempre presentes.

E o melhor de tudo era que, a cada dois dias, ônibus dos condados e estados vizinhos paravam nas esquinas e deixavam mais e mais turistas e iludidos pelo Sonho Americano para viver naquela região.

Aquilo seria um ciclo sem fim.

Com as mãos no volante fino, Veronica alternava os olhos escuros entre a rua e a melhor amiga sentada ao seu lado. Os carros, que se resumiam em fuscas e Chevrolets por estarem em uma área de classe média da cidade, buzinavam à sua frente porque um babaca vacilara quando o semáforo finalmente havia ficado verde. E naquele meio tempo esperando que a fila de automóveis desenvolvessem em sentido Norte, a mulher de cabelos longos e com a lateral esquerda raspada, no famoso sidecut, teve alguns segundos para estudar Lauren, que encarava o vidro do carona e a impossibilitava a visão do rosto por completo.

– Como está o seu pescoço? – Veronica perguntou ao mesmo tempo em que engatava a primeira marcha, fazendo o Fusca dar um arranco e ir para frente.

Lauren deixou que o barulho alto do motor diminuísse na medida que embalavam e deu de ombros.

Logo a ardência vai passar...

Vero, como gostava de ser chamada pelos mais íntimos, conhecia a jovem de íris verdes bem o suficiente para ter noção de que estava em um de seus momentos defensivos, onde erguia um muro enorme e não deixava ninguém o transpassar...

Talvez uma determinada latina de olhos castanhos quentes... talvez.

E, por isso, sabia que o melhor que poderia ofertá-la naquela noite era o espaço, um banho quente e uma cama para dormir.

Enquanto adentrava cada vez mais nas ruas de seu bairro, na zona leste, com as luzes do seu carro causando penumbra nas casas padronizadas, Veronica manteve-se em silêncio deixando que o toque de Dire Straits inundasse o ambiente.

Ela e Lauren eram amigas desde o Pré-med, onde juntas de Camila e Dinah cursaram Biologia. Felizmente conseguiram adentrar na Universidade de Miami, no mesmo programa, e isso fez com que a amizade se desenvolvesse ainda mais. Mesmo que Veronica mantivesse um laço visivelmente mais forte com Lauren, e não gostasse de se enturmar com seus amigos riquinhos, isso não a fazia menos companheira do resto do grupo inseparável de amigas (mais o Troy).

Lauren, quando foi designada para um trabalho em dupla com a morena com sidecut no pré-Med, sentiu quase imediatamente a conexão entre as personalidades excêntricas. Sabia que Veronica vinha de uma família pobre e por isso precisou se mudar sozinha para Miami, para cursar Medicina e tentar melhorar as condições de seus familiares (os quais a dona das íris verdes ainda não tivera a oportunidade de conhecer por morarem no Oklahoma). Ela vivia de bicos, trabalhava em boates e discotecas nos espaços livres em que não estava estudando.

Às vezes, para evitar ficar sozinha com Christopher em casa, Lauren a fazia companhia nos expedientes e assim conversavam e revisavam as matérias com afinco. E os momentos de pausa eram ainda melhores, onde as mulheres disputavam dardos ou apostam de quem conseguia sobreviver mais fases do Pac-Man, quase destruindo a máquina velha do bar na rua 15 em que Veronica e Troy trabalhavam: o famoso Johnny's. À noite, elas observavam a pista de dança lotada, com cabeças balançando para lá e para cá com os shows de rock que aconteciam no pequeno palco negro, e principalmente riam das tentativas falhas da própria Verônica em flertar com as mulheres.

A dona do sidecut era abertamente lésbica e confirmava a teoria de Lauren de que LGBT's possuíam a tendência de se agregarem. E que a única perdida no grupo de amigas era a Allyson.

Assim, Lauren e Veronica eram o contato de emergência uma da outra, as irmãs que nunca tiveram, as parceiras para quaisquer crimes que fossem cometer.

Ainda em silêncio e apreciando o som do stereo do carro, elas permaneceram virando esquinas do bairro movimentado até que finalmente Veronica deu seta para direita e estacionou seu Fusca atrás de um Ford Landau. O motor e a música foram desligados, e ambas saíram do veículo fechando as portas devidamente porque tinham plena noção de que um momento de descuido era motivo de roubo de absolutamente qualquer coisa.

Lauren olhou-se de cima a baixo, checando sua regata branca e shorts jeans velhos, e se arrependeu de não ter pego nada melhor antes de sair às pressas de sua casa. Não que estivesse preocupada, porque sabia que Veronica não se importaria em emprestar-lhe roupas, mas estava pensativa sobre sua mochila para ir à faculdade segunda de manhã.

– Podemos passar na sua casa antes de irmos para a UM na segunda, ou podemos ir amanhã à noite e você pega sua moto... se for isso que está te preocupando. – Veronica disse como quem não quer nada, enquanto enfiava a chave na porta de seu pequeno apartamento após terem adentrado no prédio de quatro andares onde mais 30 pessoas moravam. – Posso aproveitar e colocar veneno de rato no café do seu "maninho".

– Isso me soou tentador. – Lauren se deixou dar uma risadinha pelo carinho sarcástico da amiga. – Tem certeza de que não iria te incomodar dar essa volta toda na cidade?!

Após girar a chave e um empurrão forte para desemperrar a madeira antiga, Veronica abriu a porta e deixou que a amiga adentrasse antes de fechá-la outra vez.

– Claro que não, sua idiota. Sabe que te ajudo sempre, e sem querer nada em troca...

– Hm... – Lauren duvidou, com uma careta pensativa. – Eu te pago uma cerveja.

Um sorriso negociante se abriu nos lábios da mulher com sidecut.

– Bem... se insiste... sabe que não nego álcool. – Vero deu de ombros, como se fosse uma pobre garota sendo influenciada.

Elas compartilharam uma risada breve e então se viraram para a bagunça expressiva do pequeno apartamento constituído por uma sala com uma tv Philco Ford Safari de 1976; um sofá vermelho totalmente desconexo com as paredes azul bebê desbotado; uma cozinha minúscula com uma geladeira e um fogão; um banheiro; e um quarto de casal, mas que na verdade continha um beliche para ofertar espaço para um guarda-roupa e um barulhento teclado Casio MT-68 que Veronica amava praticar – e gerar ódio em todos os outros 29 moradores do local.

Mas em forma de bônus, latinhas e papéis de salgadinhos estavam por todos os lados, além de uma montanha de panelas sujas na pia da cozinha.

– Hãm ... eu não estava esperando visita... – Veronica coçou o alto da cabeça, meio sem graça.

– Acho que entendi o porquê do seu sexo casual não durar mais que duas noites... nenhuma mulher em sã consciência consegue dormir em um beliche e em uma casa cheirando a Cheetos. – Lauren zombou, mas usou tom amigável para não gerar ofensa.

– Vai se ferrar... – a mulher com sidecut bufou, revirando os olhos. – Sempre faço faxina nas segundas, você que veio no pior dia da semana.

– Você é a única pessoa que conheço que começa a semana fazendo faxina...

Ignorando as implicâncias da amiga – e levemente feliz por estar mais comunicativa –, Vero ordenou que Lauren fosse tomar banho enquanto buscaria as toalhas e uma roupa leve para dormir. E assim fizeram.

Debaixo do chuveiro, com a água gelada percorrendo sua pele, Lauren analisou a vermelhidão instaurada em suas mãos – mais precisamente onde seus punhos entraram em contato com os ossos faciais de seu consanguíneo. Breves caretas foram feitas na medida em que limpava o local com sabão, tanto quanto a região sensível de seu pescoço. Ao terminar o banho, ela abriu a porta e pegou as toalhas deixadas no chão, enrolando seus cabelos e seu corpo com o tecido seco.

As roupas estão no beliche de cima, e ele é todo seu essa noite.

A voz de Veronica ressurgiu da cozinha enquanto fazia uma panela generosa de macarrão com massa de tomate.

Sorrindo e agradecendo silenciosamente pela amizade, Lauren caminhou até o quarto e se vestiu com o short e camiseta da UM (Universidade de Miami), leves e bons para a noite quente de Verão. Penteou os cabelos úmidos e colocou as toalhas para secar.

– Pode atacar a comida... – Veronica anunciou assim que avistou Lauren adentrando na cozinha. – Pegue os pratos na prateleira de cima, à esquerda.

A jovem de olhos verdes, por já conhecer a casa, foi imediatamente no local indicado e pegou os talheres e os pratos de vidro, os posicionando em seguida na pequena mesa de jantar e se sentando de frente para a amiga.

Elas comeram em silêncio por alguns minutos, saboreando a massa industrializada e o tempero forte do molho.

– Então... – Vero murmurou, usando seu tom de voz curioso enquanto limpava a boca suja de tomate. – Você sabe que eu tenho espírito de fofoqueira e que...

Lauren sorriu em meio a garfada de macarrão que colocava na boca.

– Pergunte logo, anda.

– Você e o estúpido do seu irmão brigaram pela Camila de novo? Ele descobriu sobre vocês duas?

– Ele começou a me provocar outra vez..., mas apenas porque sabe que me irrito fácil com esse assunto... – Lauren respondeu e sua expressão se fechou, demonstrando seu cansaço sobre aquilo. Ela colocou mais um pouco de macarrão na boca, mastigando. – Ele sempre fez isso, antes mesmo de sequer eu me assumir bi.

– Eu nunca peguei a estória inteira... – Vero disse, tomando um gole de Coca-Cola. – Quando conheci vocês duas... hãm... vocês não estavam em uma nice*.

– É... é meio óbvio que não estávamos bem... ela tinha namorado meu irmão por quatro meses... não foi bem o que eu esperava para meu aniversário de 19 anos.

– Como assim seu aniversário?! Porque, tipo... eu apenas sei que eles namoraram antes de vocês duas se declararem amantes eternas... – Vero incitou dramaticamente enquanto imitava sons de beijos. – E desde então vivem um amor proibido digno de Hollywood.

– Idiota... – a outra revirou os olhos, limpando a boca com a mão. – Acredite... a história é bem mais longa que isso.

– Adoro um bafafá*, pode começar. – a mulher de sidecut até se acomodou diferente na cadeira, para ouvir melhor.

Lauren lhe lançou um olhar de soslaio, mas ao ver que a melhor amiga não desistiria, apenas suspirou pesadamente e deixou o garfo no canto do prato vazio.

***

* Flashback On *

Não era novidade para ninguém que Lauren e Camila eram melhores amigas desde que seus pais se tornaram sócios na mesma empresa. A amizade entre as meninas era invejável, essencialmente pelo fato de terem basicamente crescido juntas e permanecido dessa forma até os 18 anos de idade. Por dividirem grande parte dos lazeres, dos brinquedos e dos momentos da infância e adolescência, pareceu inevitável o surgimento de um sentimento além do convencional entre as jovens. Porém, mergulhadas em uma sociedade heteronormativa e extremamente LGBTfóbica, elas não sabiam interpretar os sinais inconscientes que sentiam.

Como por exemplo, quando tinham 14 anos e Lauren dera o seu primeiro beijo em um garoto chamado Jasper, um júnior do Ensino Médio de cabelos louros e olhos escuros. Camila chorou por dias em seu quarto, discretamente, sem que ninguém descobrisse, até porque não conseguiria explicar o porquê de ter ficado tão incomodada com aquilo.

Ou quando a situação se inverteu, e com 16 anos Camila beijou Petric, um garoto negro que ficou poucos meses na escola antes de ser transferido para a cidade vizinha mediante ao trabalho dos pais. Lauren faltou três dias na escola porque se recusava a aceitar que Camila havia ido a uma festa, sozinha, enquanto ela viajava com seus pais, e, ainda por cima, ter beijado alguém.

E fora bem aí que Lauren percebeu que havia algo de diferente entre as duas.

Por causa do acontecimento com Petric e o silêncio repentino, Camila ficou os três dias ligando para o telefone (de disco) da casa dos Jauregui. A adolescente com espinhas cobertas por pó compacto e óculos de grau estava desesperada, simplesmente por cogitar a ideia de Lauren nunca mais conversar com ela. O peito doía, o coração latejava, chegava até a dar falta de ar o mísero pensamento de nunca mais ver aquelas íris verdes, ouvir aquela risada doce ou simplesmente apreciá-la estudando Química tão compenetrada.

Logo fez o que lhe pareceu mais certo: surgiu na porta da casa de quem tanto ligava.

Ao bater à madeira branca e esperar alguns segundos, educadamente, Camila finalmente pôde ver uma Lauren assustada ao abrir a porta por vê-la ali.

As duas adolescentes de 16 anos se encararam por longos segundos: uma com a mão na maçaneta e a outra parada de frente a ela. O silêncio das bocas e a conversa entre as íris verdes e castanhas gritavam que aquilo não constituía as diretrizes de uma amizade normal. O quê ardia nos corações não era apenas um carinho amigável.

E ao enxergar puro medo nos olhos de Camila, medo por aquela situação inusitada e medo por perdê-la, Lauren jogou todo seu orgulho e próprias inseguranças para o alto e abriu os braços, puxando a latina para um abraço tão apertado e caloroso que elas nunca se esqueceriam da sensação efervescente que dominou seus corações.

No entanto, por mais que desconfiassem de seus próprios sentimentos em relação a outra, não tiveram coragem de dizê-los. E isso perdurou por mais dois anos. Nesse meio tempo, com 18 anos cada, elas beijaram outros caras em festas de escola e aprenderam a não deixar os ciúmes tão evidentes.

Eles existiam. Cada vez mais fortes, porém, mais escondidos.

A forma como se trataram nunca havia mudado, mesmo com cada qual escondendo seus sentimentos, na verdade, isso havia as tornando ainda mais próximas.

E tudo mudou em uma noite fria de Janeiro, do ano de 1981. Era mais um fim de semana normal em que, durante o dia, se divertiram no shopping central de Miami e à noite dormiriam na casa de Lauren (pois os Sábados eram alternados e no anterior já haviam assistido filmes a madrugada toda na casa dos Cabello's). Elas chegaram na casa, cumprimentaram Patricia na cozinha e pediram que a mesma ligasse para qualquer pizzaria porque estavam famintas. Rapidamente tomaram banho, vestiram seus respectivos pijamas e ligaram o Videocassete Deck Philco para assistir às VHS alugadas na videolocadora.

No entanto, elas não conseguiram assistir mais de um filme porque antes mesmo da meia-noite um temporal caiu sobre a cidade, e elas foram obrigadas a desligar a TV por medo dos raios ensurdecedores lá fora. Logo dormiram, exaustas.

No meio da noite, por causa de galhos batendo contra o vidro da janela molhada pela chuva, Camila acordou meio perdida de onde estava. Ela se sentou na cama, inspirou profundamente para dissipar os restos de pesadelo que tinha e olhou para o lado, assistindo a dona das íris verdes dormir plenamente com as madeixas negras esparramadas pelo travesseiro branco e corpo coberto. Os anos haviam modificado para melhor ambas as jovens, mas a transformação de Lauren de adolescente para mulher era algo inexplicável.

E o pobre coração de Camila quase não suportava tudo aquilo.

* Music On * (A Little Respect – Erasure)

Com o sono interrompido, a latina foi até a cozinha e tomou um pouco de água para saciar a sede causada pela pizza que jantaram. Controlando-se para não tropeçar e acordar Michael e Christopher, ela se guiou lentamente de volta ao quarto em que estava, planejando dormir de qualquer forma porque precisaria passar o Domingo estudando por ordens de sua mãe.

Entretanto, o brilho de um espiral metálico debaixo de uma poltrona lhe chamou a atenção momentos antes de fechar a porta. A latina caminhou até a poltrona, checando se a outra jovem permanecia dormindo, e se agachou para pegar o pequeno caderno de capa dura da cor azul.

Era o diário de Lauren.

O local onde escrevia os pensamentos que não dizia, os sentimentos que não manifestava.

Camila sabia que era errado e que nunca, nas incontáveis vezes que dormira ali, sentira vontade de lê-lo. Mas algo dentro de si estava diferente dessa vez, uma vontade inédita, um ímã a tentava a fazer aquilo. Era quase uma força a obrigando.

Suspirando derrotada, a latina abriu o caderno de capa azul e sentiu o coração acelerar ao reconhecer a letra cursiva de Lauren. A dona das íris verdes sempre tivera o hábito de escrever tudo, desde as primeiras psicólogas que Michael a fizera frequentar com apenas 12 anos.

Os minutos se passavam e os olhos de Camila permaneciam arregalados, com o coração bobo errando as batidas a cada linha que lia compulsivamente.

Estava tudo ali.

Lauren a amava. Corrigindo, Lauren sempre a amou.

Em relatórios semanais, a jovem descrevia em grandes textos como se sentia quando analisava o seu sorriso com a língua entre os dentes, ouvia sua risada, detectava o seu inconfundível perfume doce. Eram adjetivos intensos, sentenças bem formuladas, parágrafos longos que traduziam nada mais que os profundos amores por cada detalhe seu.

Elas eram amigas..., mas eram muito além desse marco também.

E Camila estranhamente se sentia aliviada com aquelas descobertas. Óbvio que estava surpresa e amedrontada, mas aquilo provava que não era platônico. Que as mesmas coisas que faziam o seu tolo coração se acelerar, também geravam as mesmas reações no de Lauren.

Era tipo o sonho de qualquer garota que já se apaixonou pela melhor amiga.

Cuidadosamente, a latina colocou o diário onde estava e fingiu que absolutamente nada aconteceu. Apenas fingiu, porque seu estômago lotado por borboletas descontroladas era a prova viva de que por dentro acontecia um ciclone de emoções. Enquanto se arrastava pelo colchão, deitando-se da forma como estava anteriormente, a Camila de 18 anos não deixava de analisar o perfil de Lauren dormindo com um grande sorriso vitorioso nos lábios.

E ela estava de bem com o fato de não conseguir mais dormir o resto da noite, desde que tivesse aquele rosto lindo para apreciar. O rosto da mulher que amava e que a amava de volta.

Quando acordou, Lauren sequer notara algo de diferente na manhã de domingo. Como de costume Camila já havia ido embora, com sua imutável mania de acordar super cedo para ir à Igreja com os pais. Sem muitas maneiras de se comunicar, elas passaram o dia distantes e apenas foram se ver na segunda-feira, na escola.

Imediatamente Lauren já percebera algo inusitado nos olhos de Camila, quando ela se aproximou toda saltitante às portas da Universidade de Miami onde cursavam o pré-Med de Biologia. Nunca, nunca mesmo, havia a visto tão animada com supostas aulas como estava naquele dia.

Lauren usava uma jaqueta e calça de couro e a blusa azul da instituição enquanto que Camila uma saia xadrez, azul e branca, e uniforme. Elas adentraram no estabelecimento e foram para a mesma sala. Sentada ao lado da latina, a jovem de íris verdes não parava de analisá-la toda sorridente e tagarela com Dinah Jane, uma mulher alta e de cabelos loiros volumosos com quem havia criado uma intensa amizade desde o primeiro dia de aula. A namorada da loira, Normani, às vezes participava das conversas, mas se mantinha mais reservada e isso fazia Lauren se sentir levemente representada em determinados momentos.

O mais estranho naquele dia, e que também perdurou por toda semana, foram os atos de Camila durante os intervalos das aulas integrais. Ela, que sempre fora tímida e evitava contatos excessivos, não largava a sua mão e mantinha os dedos entrelaçados fortemente. Não que Lauren estivesse reclamando, longe disso, mas se ver abraçada, cheia de beijinhos demorados na bochecha e mãos unidas com a latina faziam as duas completamente semelhantes às interações que o casal Dinah e Normani possuíam.

E o cérebro de Lauren era rápido para diversas coisas, menos para questões emocionais. Logo, ela não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo.

A resposta veio na data seguinte, no Sábado, quando as duas deram continuidade no hábito de compartilharem o dia. Elas decidiram ir ao Bayfront Park, na região de Brickell. O tempo parecia ter congelado enquanto andavam de mãos dadas por entre os coqueiros com sombras frescas, por entre as pessoas que se exercitavam ou meditavam nas gramas verdes; por entre os jovens na areia, que se divertiam com uma bola perto do mar.

Lauren e Camila trocavam rápidos olhares e sorrisos bobos por cima dos ombros, tímidas, sentindo as bochechas queimarem pelo contato inquebrável das mãos. Elas brincavam com os próprios corações acelerados e quentinhos, apostando silenciosamente o quanto aguentariam daquela situação sem de fato a denominarem.

À noite outra vez pediram pizza e arrumaram o Videocassete Deck Philco para assistir às VHS alugadas. Trava-se um filme de romance dos anos 70 chamado Love Story, cujo casal vivia um amor proibido onde o rapaz era um estudante de direito de Havard e a moça uma estudante de música Radcliffe, precisavam ir contra a negação do pai e a presença de uma doença.

Durante o filme era visível o desconforto entre as adolescentes, principalmente quando ocorriam as cenas românticas, de toques carinhosos e de beijos intensos. Pelo menos três vezes durante a estória, Lauren alegou precisar ir à cozinha buscar refrigerante, mesmo sabendo que era notável a desculpa para não compartilhar as cenas.

Logo o filme terminou e elas se deitaram com o intuito de dormir. Mas naquela noite nenhuma das duas conseguia de fato se entregar às profundezas de seus inconscientes e apagar.

De olhos fechados há quase dez minutos, Lauren gritava consigo mesma que estava sendo covarde e que Camila durante aqueles dias demonstrara vários sinais de que também sentia algo. Então, por longos minutos, ela reuniu coragem em seus músculos, acalmou as borboletas no estômago e inspirou fundo, pronta para soltar qualquer frase louca pelos lábios.

Mas a boca não conseguiu se mover, porque assim que abriu os olhos ela se surpreendeu com as íris castanhos chocolate lhe encarando fixamente, com uma mistura de luxúria e curiosidade na medida em que a respiração quente batia contra sua pele. Camila se encontrava a menos de quinze centímetros de seu rosto e continha o lábio inferior por entre os dentes, como se o mordesse para controlar desejos internos.

Aquele era o momento mais intenso que havia vivido até o momento. Seus corpos esperavam. Seus corações erravam a batida. As respirações falhavam. As pálpebras sequer piscavam, hipnotizadas.

Então a latina finalmente se moveu, deslocando o rosto lentamente adiante. Ela engoliu seco, ignorou suas inseguranças e se entregou ao desejo ardente.

E os lábios de Lauren e Camila se tocaram pela primeira vez...

* Flashback Off *

***

– Uau... preciso admitir... – Veronica arqueou uma sobrancelha, surpresa. – Até eu senti o impacto dessa cena! Ela te beijou?! Tipo... sem falar nada?!

– Sim... – Lauren respondeu, com um sorrisinho nostálgico. – Nunca imaginei que logo ela teria essa coragem, mas sim... foi ela.

Ambas, com os pratos vazios e copos de Coca-Cola pela metade, continuavam sentadas à mesa da pequena cozinha, com os cotovelos apoiados e expressões compenetradas na estória contada.

– E como você descobriu que ela roubara seu diário? No mínimo teria ficado com a maior cara de bode*.

– Ela me contou depois... quando sentamos para conversar sobre nossos sentimentos. – Lauren murmurou, pegando o garfo e começando a brincar com um solitário pedaço de macarrão presente em seu prato.

– E como foi isso?! – Veronica levou o copo de refrigerante à boca, tomando um gole. – Então quer dizer que vocês chegaram a se declarar antes da babaquice do seu pai?!

– Bem... – A jovem de íris verdes deu de ombros. – Não foram altas conversas e declarações porque estávamos muito... tímidas?! Não sei a palavra. Possuímos mais de 10 anos de amizade, havíamos passado por todos os estágios da vida juntas... nos chamávamos de "amiga" nos finais das frases até quase os 16 de idade... Era... era meio delicado o momento para jogarmos palavras intensas uma para a outra, porque temíamos nossa amizade acima de tudo...

– Eu sinceramente não entendi... Vocês eram... digamos... amigas que se gostavam. Estava tudo lindo entre vocês!

– Nós nunca dizemos as palavras... Vero. – Lauren suspirou, pesadora. – Nunca dissemos que estávamos apaixonadas, ou que nos amávamos, ou nada do tipo. Nos restringimos a algo mais carnal e emocionalmente silencioso. Na verdade, o problema foi que sequer tivemos tempo para chegar nessa parte e conversarmos.

Veronica franziu o cenho e fez uma expressão abstrata de interrogação, sem entender. Lauren engoliu seco antes de continuar.

– Digamos que... fui eu quem disse, indiretamente, para ela dar uma chance ao meu irmão.

– Lauren, eu juro que vou enfiar esse litro de Coca na sua bunda! – a mulher com sidecut urrou, inconformada. – Que porcaria você tinha na cabeça para fazer isso, sua débil?!

– Olha... a mãe de Camila, na medida em que eu crescia, foi ficando cada vez menos minha fã. Principalmente depois que fizemos 16 e... as coisas começaram a mudar lentamente... foi como se ela percebesse isso. Sempre que podia evitava que eu e Camila nos encontrássemos sozinhas... ou... sei lá, fizéssemos qualquer coisa suspeita. A Camila sempre tivera uma submissão inexplicável perante a mãe, então nunca percebera essas atitudes até que fosse tarde demais. Sinuhe nunca aceitaria que ficássemos juntas, porque é extremamente religiosa e homofóbica...

– Ser religiosa não significa ser homofóbica. – Vero ergueu uma sobrancelha repreensiva.

– Eu sei, eu sei. Isso depende da percepção de cada um. Pessoas que não usam o cérebro são desse jeito. Você, Allyson e a mãe dela, as famílias de Dinah e Normani... sempre apoiaram quem eu sou. Desde que me assumi, vocês foram as pessoas que mais me deram força para enfrentar os comentários maldosos. Mas a mãe da Camila não é assim. Desde que ela percebeu os olhares entre nós duas, algo nela mudou em relação a mim...

***

* Flashback On *

Não eram necessárias palavras para expressar o que os olhos das adolescentes de 18 anos gritavam. Por mais inseguras que estivessem, elas preferiram deixar as palavras de lado e simplesmente aproveitar de forma intensa o que continham naquele momento.

O problema era que ambas não imaginavam como isso as amaldiçoariam futuramente.

O tempo passa rápido quando se está apaixonada. Elas mal o viam correndo, pois estavam mais interessadas nos momentos em que o mesmo congelava. E isso ocorria quando estavam juntas. O que era, praticamente, a todo tempo.

Lauren e Camila se encontravam às escondidas na faculdade de Biologia, se beijavam em corredores vazios, marcavam encontros nos shoppings para tomar sorvete e se lambuzarem apenas para criar a desculpa de irem ao banheiro e novamente darem mais amassos. As bocas se encaixavam perfeitamente, os lábios eram mordidos no calor do desejo, as línguas se tocavam, as mãos seguiam as curvas dos corpos e apertavam a pele buscando mais contato.

Era praticamente impossível as manter separadas.

Mas isso obviamente aconteceu.

Era o último Domingo do mês de Abril de 1981 e era de comum costume as famílias Jauregui e Cabello, sócias, se encontrarem para jantar juntas e discutir todo o progresso mensal à mesa. As duas adolescentes de 18 anos que estavam acanhadas, cortando seus respectivos alimentos, se beijavam às escondidas a quase três meses e viviam os melhores dias de suas vidas até aquele momento.

A noite amistosa de Primavera proporcionava um tempo fresco para as famílias que comiam no interior de um restaurante classe média alta à beira mar, com a decoração mergulhada em tons azuis esverdeados para lembrar a praia à frente. Lauren e Camila, cada qual de um lado da mesa de jantar, observavam seus pais conversando sobre negócios. De um lado estava, respectivamente, Michael, Lauren e Christopher, e de outro estava Alejandro, Sinuhe e Camila.

Aquela ocasião costumava ser boa e normal para o casal de adolescentes, mas não naquela noite. Desde que chegaram ao estabelecimento, Lauren percebera que Camila estava estranha... cabisbaixa, dizendo poucas palavras e remexendo a comida no prato sem real interesse de comê-la. Ela também percebia os olhares duros que a mãe dela a lançava, como se a repreendesse silenciosamente por ter aquele comportamento.

Por não terem tido chance de conversarem naquele dia, a jovem de íris verdes decidiu que iria, após ao jantar, arrumar qualquer oportunidade de questioná-la o que havia acontecido.

Mas não teve a chance.

As conversas iam e vinham, alternando entre a economia do ano, planos futuros, a barganha em terem filhas e filho em cursos de Medicina e Direito. Enquanto discutiam o último tópico, Lauren pôde sentir em seu estômago um apertar que misteriosamente a sinalizava de que aquele assunto não terminaria bem.

E de fato, Sinuhe fez questão disso.

Mas já que estamos falando dos nossos queridos filhos... – a mulher de franja e cabelos longos atrás incitou maleficamente, ao mesmo tempo em que cortava um pedaço de frango ao molho. – Eu estava pensando cá com meus botões... a Camila e o Christopher fariam um belo casal, não acham? Seria incrível ver nossas famílias se unindo ainda mais através desses dois lindos!

Sinu colocou o pedaço de frango na boca, com seus olhos acusadores e frios encarando Camila praticamente paralisada pelo susto. Lauren imediatamente também direcionou as íris verdes arregaladas para a latina, sentindo o coração dar um solavanco ruim tão forte e intenso que jurou quase perdê-lo pela garganta. Christopher franziu o cenho, meio descrente e confuso por estar em uma outra órbita e apenas prestar a atenção naquele segundo. Michael e Alejandro se entreolharam, dando de ombros por meio de um descaso explícito, e de fato até se agradando da ideia ofertada.

O restante da mesa se virou para Lauren esperando sua opinião, uma vez que era a melhor amiga e a irmã.

Naquele meio tempo suas íris verdes se dirigiram para Sinu, transpassando a raiva misturada com medo que enraizava suas entranhas. Ela via o cinismo puro, as segundas intenções, o teste de reações aplicado àquele momento. Basicamente a mulher de cabelos curtos queria ver se teriam coragem de assumir algo ali, na frente de todos.

Novamente olhou para Camila e a viu agora encarando ervilhas que sobraram em seu prato. A latina sequer tinha valentia de erguer a cabeça, mantinha-se quieta aguardando que outras pessoas tomassem quaisquer decisões por ela.

E isso praticamente quebrou o coração de Lauren, porque não tinha naquele momento a constância de fazer Camila ir contra a própria mãe. Não queria gerar uma briga na família dela e causar sofrimento propositalmente.

Ela não estava nem um pouco pronta para que tomassem aquele passo... juntas.

Ah, não sei... tanto faz. – Lauren finalmente respondeu, fingindo descaso, enquanto que por outro lado seu peito se despedaçava por dentro. – Ambos são grandinhos, não?! Já sabem o que devem ou não fazer.

Mesmo afastando as desconfianças de Sinu, a jovem de íris verdes ainda jogou um sinal omitido no final da frase.

O problema foi que Camila não o entendera. Na verdade, o seu interior era massacrado por dezenas de elefantes raivosos, os quais geravam uma onda de choro que foi parada com muito esforço, obrigando-a a engolir a bola que se formara em sua garganta. Não teve coragem de olhar para Lauren e ver a mesma indiferença da fala presente nas íris verdes que tanto amava. Sabia que havia feito o certo em disseminar as desconfianças de sua mãe, mas, mesmo assim, poderia ter negado, inventado qualquer desculpa, mas nunca ter praticamente concordado com aquilo.

E ao ver a discórdia instaurada entre as duas, Sinu deu um sorriso vitorioso continuando a cortar a carne.

* Flashback Off *

***

Com um copo vazio na mão esquerda, Veronica estava levemente boquiaberta e deixava explícita a sua surpresa na expressão facial congelada.

– Por dez segundos eu cheguei a cogitar pegar o litro de Coca para enfiar no seu local prometido... – ela semicerrou os olhos. – Mas agora vejo que o orifício certo é o da Sinu.

Lauren deu uma gargalhada alta com as palhaçadas da melhor amiga.

– Não foram meses fáceis... – ela falou, dando de ombros novamente.

– Mas olha... você deveria ter dito NÃO!

– Vero... – Lauren arfou, ladeando a cabeça. – Eu nunca havia beijado garotas antes, estava praticamente me descobrindo... nem eu estava pronta na época! Nós duas dependíamos economicamente de nossos pais e ainda dependemos! Eu consegui me desvencilhar das garras do meu, mas ela... ela não! E... se eu tivesse feito algo suspeito na época... eu tinha a impressão de que a mãe dela faria algo ruim! E eu sempre apoiava meu irmão em todos os namoros dele. Ou melhor, nem dava a mínima. Por qual razão eu não apoiaria esse?! Ficaria na cara!

– E depois que você se assumiu para o seu pai e irmão?! – Veronica abriu os braços, indignada. – Por quê você... sei lá... não se declarou para ela?!

– Você escutou o que eu acabei de dizer?! – Lauren bufou, quase irritada. – Isso aqui não é um filme, Veronica! Não é um romance de livro! Não é simplesmente fácil assim! A vida é uma merda! E outra... a Camila já estava namorando o Christopher quando eu me assumi! Nunca que nossas famílias aceitariam a troca de um casal perfeito por um... por um... por um casal também perfeito, mas diferente aos olhos deles!

A dor presente na fala da amiga, e o ato de abaixar a cabeça para que não visse o acúmulo repentino de lágrimas nos olhos, fez o peito de Veronica doer. Ela suspirou, sentindo-se culpada por questioná-la daquela forma e pousou a mão sobre a dela, na mesa.

– Me desculpe... não tenho direito de julgar. Não vivi o que vocês viveram, não senti o que sentiram.

– Está tudo bem... – Lauren fez-se de forte, passando as mãos pelos olhos para secar qualquer lágrima idiota formada e voltou a erguer o rosto. – Mas o mais estranho... e que ainda não entendi... é o porquê de Camila ter se afastado de mim quando terminou com o Christopher.

– O quê?! – Vero franziu o cenho. – Eu sei que eles terminaram porque o imbecil a traiu com a Keana, colega de sala dele. Mas... não entendi o porquê de ela ter se afastado de você também...

– Pois é...

– Mas vocês obviamente conversaram e se acertaram, certo?!

– Muito tempo depois, ficamos quase três anos em uma onda esquisita..., mas conversamos... especificamente depois de um esbarrão no banheiro da faculdade.

***

* Flashback On *

Lauren dava as últimas mordidas em uma maçã verde enquanto mantinha os olhos focados em um livro de Imunologia Médica. Era horário de almoço e naquele dia a jovem de agora 21 anos revisava conteúdos básicos para passar o tempo, esperando sua aula que recomeçaria às 13:30. Sentada em um banco de madeira, no bloco de Biologia da Universidade de Miami, ela sentia o vento bater contra o rosto e suspirava pesadamente, cansada após mais uma madrugada com insônia. Parecia que a cada ano sua tendência a dormir durante a noite diminuía.

Ela permaneceria ali sozinha até que Allyson surgiria, a filha da governanta Patricia e agora colega de Universidade, que conhecera um uma festa do time de futebol americano da Universidade há três meses e se tornara uma boa amiga. Veronica provavelmente estava correndo atrás de mais uma das inúmeras mulheres que tinha paixonites. Dinah e Normani às vezes paravam perto do banco e conversavam, mas sentiam-se culpadas mediante a situação constrangedora envolvendo Camila.

* Music On * (Making Love Out Of Nothing At All – Air Supply)

E Lauren não as culpava por terem escolhido o lado da latina, na separação da "amizade".

A jovem de íris verdes mantinha-se na leitura da seção de Doenças Autoimunes quando percebeu, por cima do ombro direito, um vulto conhecido passar correndo pelo caminho lateral que levava ao banheiro do bloco. Ela girou o rosto a tempo de ver exatamente Camila empurrando a porta branca com força e entrar chorando no local, mal conseguindo manter a respiração.

Sem pensar duas vezes, Lauren colocou-se de pé e a seguiu, também adentrando no banheiro. A latina se encontrava em frente ao espelho secando o rosto com toalhas de papel retiradas do suporte na parede, e a forma desesperada com que as passava acabava manchando e embaçando o seu óculos de grau.

Camila, o que houve?! – Lauren perguntou, quase em um tom angustiado.

Nada, Lauren! – a latina respondeu, abrupta, continuando a limpar o rosto sem olhá-la.

Mas a outra, movida pelo mau humor da noite sem dormir e pela exaustão daquela situação estranha entre elas, bufou sem paciência.

Caramba, Camila! Pare de me bloquear! – falou, abrindo os braços através do reflexo do espelho. – Nós juramos um laço eterno quando crianças, é óbvio que eu irei sempre me preocupar contigo! Mas só consigo fazer isso se você me ajudar! Me conte o que aconteceu!

A latina com o rosto seco, mas ainda com os olhos inchados, virou-se para a outra mulher e semicerrou os olhos em uma explícita ação de autodefesa.

Porque você ainda se importa com a nossa amizade... mesmo depois de ela estar uma merda há três anos?!

Porquê... porquê...

Lauren hesitou com as palavras presas em sua garganta. Não era uma amizade, já estavam bem longe disso. Era um sentimento muito maior, mais forte, mais intenso.

Não esperava dizer tudo o que sentia pela latina logo no banheiro da faculdade, com ela em uma crise de choro por sabe-se lá a razão, depois de terem ficado anos sem conversas que iam além de diálogos triviais e educados socialmente.

Mas foi isso que aconteceu, porque estava cansada.

Então Lauren disse tudo. Ela jorrou palavras profundamente sinceras pelos lábios bonitos, explicou seus sentimentos da mesma forma em que estavam escritos em seu diário. Disse que a amava, mesmo sem saber exatamente quando isso ocorreu ou quando começou. Falou que nunca sentira por ninguém o que sentia por ela, nem por sua ex-namorada Alexa a qual ficara por 10 meses depois que se assumiu. Gritou com todos os pulmões que não importava o que fizesse, Camila Cabello era uma espécie de tatuagem em seu coração, logo poderiam passar vários anos e várias pessoas que o sentimento que cresceu com o passar do tempo nunca diminuiria. E, por fim, jurou que mesmo se ficassem juntas apenas daqui 10 anos... ela esperaria mais uma década se lhe fosse ofertada uma esperança.

Durante todo o discurso e também ao seu final, Camila permanecera estática com a boca entreaberta pela surpresa. Sempre soube que a mulher era amante de poesias e livros, mas nunca imaginara que palavras tão bonitas poderiam ser ditas tão espontaneamente. O seu coração sacolejava, o peito subia e descia, os olhos piscavam rapidamente pela incredulidade.

Era uma mistura de felicidade e êxtase tão grande que as palavras viraram um bolo na sua boca.

Eu... eu... – Camila gaguejou sem jeito, arrumando os óculos de grau no rosto. – Eu... eu odeio você!

Lauren franziu o cenho, confusa.

Okay... isso não é o esperado depois de uma declaração. – falou, coçando o alto da cabeça.

Camila revirou os olhos pela lerdeza da mulher e deu dois passos rápidos à frente, ficando poucos centímetros do corpo, agora tencionado, de Lauren. Elas se olharam fixamente, com o verde se comunicando com o castanho.

Eu odeio você por ter demorado tanto a dizer essas coisas! – a latina disse, quase em um suspiro. – Por quê, Lauren? Porque demorou tantos anos?! Por que deixou tudo isso acontecer entre nós?

Porque éramos crianças assustadas... – a outra respondeu e em um ato de coragem levou as mãos ao rosto de Camila. – Mas isso nunca diminuiu o que sinto por você.

Você... você...

Eu sei que não me opus ao "namoro" de você e Christopher... – Lauren disse, franzindo o cenho. – Sei que tive uma parcela de erro. Mas você também teve, porque poderia ter dito 'não' e evitado ser seduzida por ele...

Eu sei... – Camila balançou a cabeça positivamente, sem retirar as mãos brancas de seu rosto. – Eu tenho noção de que escolhi o caminho mais fácil, mais seguro, e me permiti deixá-lo me seduzir.

Mas... mesmo depois que terminaram aquela idiotice... você não me procurou. Não quis saber mais de mim. Por quê?

Aquela pergunta repentina pegou a latina desprevenida como um soco de direita em seu queixo.

Foram... foram bobagens minhas, Lauren. – Camila mentiu tão bem sem deixar os olhos vacilar que a outra imediatamente acreditou. – Não queria ficar perto de Christopher, ou de qualquer coisa que me remetesse a ele. – completou, verdadeiramente.

Mesmo me incluindo nessa categoria?

Eu sinto muito.

Camila abaixou a cabeça, ressentida. Lauren, ainda com as mãos nas bochechas quentes, fez um carinho na pele bonita com o polegar em um ato de coragem mediante a não mais inexistente intimidade entre elas.

Por que estava chorando? – perguntou, quando o silêncio se fez incômodo.

E como se um estalo ocorresse dentro da cabeça de Camila, ela ergueu o rosto e gentilmente retirou as mãos da outra mulher, tentando ofertá-la um sorriso meio tristonho como recompensa.

Ah... minha mãe, como sempre. Ela mexeu em uma gaveta do meu quarto e achou alguns papéis referente a uma nota baixa que tirei em Embriologia.

Lauren ergueu uma sobrancelha e apenas em sua mente problematizou a atitude de Sinu em mexer nas coisas da filha de 21 anos como se ainda fosse uma criança. Porém, decidiu não falar nada verbalmente, porque era a primeira vez em tempos que Camila trocava palavras além das triviais com ela.

Você tirando notas ruins? Quanto foi? – perguntou, com um tom brincalhão.

Tirei 8,5.

Em quanto?

10. – respondeu Camila, com um suspiro pesado e culpado.

Novamente, e dessa vez explicitamente em sua face, Lauren franziu o cenho com a situação abusiva.

Você sabe que não é uma nota ruim, não é mesmo? Embriologia é uma matéria do cão, a prova estava extremamente difícil! Eu mesma estudei por semanas e tirei um 7,5! E estou extremamente feliz!

Mas isso não é o suficiente, Lauren! Sequer um 9 é algo bom! Preciso me esforçar ao máximo! – Camila a contra atacou com um tom de voz irritado.

Percebendo a alteração súbita da latina, a jovem de olhos verdes imediatamente concordou com a cabeça erguendo as mãos em rendição e preferiu não se impor naquele momento. Não seria ali que ela conseguiria colocar algum senso na cabeça dela.

E Camila percebia suas reações, mas sua cabeça que se encontrava cansada demais pelas cobranças e julgamentos da mãe, simplesmente preferiria aceitar logo que não teria paz enquanto não a obedecesse.

Elas ficaram em silêncio por alguns segundos, não sabendo ao certo para onde direcionar os olhares tímidos.

Não é exatamente fácil saber o que fazer ou falar com a pessoa que passou meses beijando e que ainda tem sentimentos intensos.

E sobre nós? – Lauren, como sempre, criou coragem e perguntou.

Camila levou a mão direita ao óculos de grau, arrumando-o no nariz enquanto engolia seco. Ela ofertava tempo para as engrenagens de seu cérebro funcionarem, mas o perfume, a presença e a visão do corpo escultural de Lauren naquele uniforme cinza da UM e calça jeans apertada não ajudavam.

Nós?!

Sim... – a jovem de olhos verdes inspirou fundo para controlar os batimentos cardíacos acelerados. – Não estou falando no sentido romântico... hãm... estou falando de amizade mesmo.

Amizade?! – Camila ladeou a cabeça, em uma mistura de surpresa e decepção hipócrita.

Sim... – Lauren balançou a cabeça. – Eu sei o que disse sobre meus sentimentos em relação a você, Camz. Mas, acima de qualquer coisa, eu aprecio a sua amizade e a sua companhia. Eu quero retornar a isso, e apenas isso, se for o que permitir.

E novamente aquela Jauregui de olhos verdes conseguia surpreendê-la de maneira positiva. Camila suspirou mais uma vez, tendo noção que já fazia uma sinfonia disso. Mas tal comportamento ocorria porque seu frágil coração não continha forças para lutar contra as reações que Lauren lhe causava, principalmente pela aparência de badgirl que exalava, mas que na verdade era extremamente cuidadosa e gentil. Era a sua Lauren, aquela que lhe emprestava a jaqueta de couro em uma tarde fria, que saía para lhe comprar chocolate quente se pedisse, que contava piadas apenas para fazê-la sorrir, que lhe enchia de beijinhos na bochecha quando ficava emburrada.

Você quer tentar de novo? – a jovem perguntou ao presenciar o silêncio da latina. – Podemos começar nossa amizade do zero, sem nenhuma pretensão e...

Sim, eu quero.

Foi uma resposta fácil, mais do que realmente imaginava ao perceber que aquelas palavras já haviam saído por seus lábios carnudos. E assim que saíram, Camila se sentiu leve, porque pela primeira vez estava fazendo algo para seu próprio e íntegro bem... mesmo sabendo que isso futuramente traria complicações com a sua mãe.

Lauren a fazia bem e ela precisava disso.

* Flashback Off *

***

– Vocês ficaram na amizade por quanto tempo?

De pé diante da pequena pia, Lauren secava os utensílios de cozinha usados no final de semana todo, e também no jantar, enquanto Veronica os lavava em água corrente.

– Cerca de um ano. – a jovem de olhos verdes respondeu, segurando cuidadosamente o prato de vidro em mãos.

– Caramba... mesmo com ambas sabendo que gostavam uma da outra? – Vero ergueu uma sobrancelha, ensaboando um copo.

– Sim... precisávamos daquilo para restabelecermos confiança uma na outra. – Lauren explicou. – Nos amávamos, mas não confiávamos uma na outra mediante tudo que havia ocorrido. Então começamos bem devagar, com encontros corriqueiros na faculdade, algumas saídas com Dinah, Normani e Allyson... foi bem lento e gradual. Quando vimos, já estávamos na mesma sintonia de antes, e mais maduras também.

– E a "adorável" sogrinha encheu muito o saco com a reaproximação?

– É claro que ela deve ter falado algo para Camila... seria estranho se não falasse. Mas como foi uma coisa bem lenta... e sempre as meninas estavam conosco... ela parece não ter se importado tanto. Eu acho. – ela deu de ombros, inspirando fundo. – Na verdade, prefiro nem saber. Um dia eu e essa mulher ainda vamos nos desentender de uma maneira muito intensa... você vai ver.

– Espero estar por perto com a minha câmera BetaMovie. – Vero deu uma gargalhada entregando mais outro copo para o lado.

– Sua?! Eu te emprestei tem quatro meses e você ainda não devolveu! – Lauren arfou, indignada. – Ela foi lançada não tem nem dois anos, e eu comprei há seis meses!

– O que é seu... é meu. E o que é meu... continua sendo meu. – Veronica falou tranquilamente, mostrando língua.

A jovem revirou os olhos verdes, mas não conseguiu deter o sorriso no rosto. Iglesias era uma amiga incrível e se sentia sortuda por tê-la consigo.

– Tá..., mas quando o período "amizade" terminou?! – ela perguntou, fechando a torneira e virando-se para Lauren.

– Bem... – a outra disse, secando a última panela. – Não foi subitamente também. Na verdade, o sentimento apenas cresceu com a nossa aproximação lenta. E quando percebemos... já comprávamos coisas uma para outra, marcávamos de caminhar na praia, andávamos de mãos dadas... foi... foi como se nada houvesse acontecido.

– Eu quero saber do beijo, sua bi lerda! – Veronica colocou as mãos na cintura, impaciente. – Que romantismo o quê?! Quero saber quando vocês finalmente deixaram de cu doce e se jogaram em uma parede!

– Eu não vou falar disso! – Lauren deu uma gargalhada, jogando o pano no ombro ao terminar e empurrando a panela contra o peito de uma Veronica indignada. – Vai ter que completar suas fantasias sozinha!

– O quê?! – a outra franziu o cenho observando a amiga deixar o pano sobre a mesa e a começar a sair da cozinha. – Você não pode começar uma história e não terminar! Eu faço qualquer coisa, só me conta logo!

Lauren, que caminhava em direção ao quarto que compartilharia com amiga, parou no mesmo instante em que uma ideia passou por sua cabeça. Ela se virou com uma sobrancelha erguida.

– Qualquer coisa?!

Veronica, ainda segurando a panela, fez uma careta de arrependimento ao perceber a merda que havia dito.

– Ih... lá vem. O que você vai querer?! – perguntou, já agoniada.

– Preciso das chaves do seu carro. – Lauren respondeu, com um sorrisinho delinquente. – E de uma jaqueta.

– Pra quê?! – Vero franziu o cenho, estranhando.

– Quero ir reviver exatamente esse beijo que tanto quer saber.

***

Casa dos Cabello's

Noite

Deitada em sua cama, Camila possuía o olhar morteiro para o teto de seu quarto escuro. O seu interior estava tão quieto quanto aquele cômodo, mas tão despedaçado quanto o copo que lançara contra a parede minutos atrás. Certamente seus pais não ouviram seu momento rápido de raiva, caso contrário já estariam ali questionando e ordenando que limpasse. E ela iria, porque a empregada Rosa – uma mulher simpática de 45 anos que vinha quinzenalmente para organizar a casa – não era obrigada a isso. Ela iria, mas não agora.

Agora, ela só queria ficar tão quieta ao ponto de não saber se estava respirando ou não.

A sua bochecha esquerda ainda ardia e sabia que teria de usar alguma maquiagem para cobri-la no dia seguinte, antes de ir à missa com seus pais.

Sinu nem sempre fora um monstro em forma de Dama da Sociedade. Camila conseguia se lembrar de sua mãe gentil e carinhosa quando era criança, a mulher que lhe fazia doces, a levava aos fliperamas e parques, que pintava suas pequenas unhas com amor. A mulher que havia se casado com seu pai e se mudado para os EUA a fim de viver o Sonho Americano.

Sonho esse que acabou mudando totalmente sua perspectiva de mundo e, consequentemente, sua personalidade. Movida por padrões, estereótipos, e principalmente a necessidade de estar sempre apresentável ao lado do marido que, cada vez mais, ascendia no mercado e se tornava uma figura importante, a cubana acabou perdendo a sua chama bondosa. E não bastava ter se emergido nesse mar mesquinho da elite... ela queria arrastar a filha consigo.

E Camila sofria demasiadamente com isso, porque, por mais que sua alma estivesse dentro de uma gaiola... ela possuía espírito livre.

Mas, mesmo atormentada pelas atitudes da mãe e as aceitando mediante a dependência econômica – e a grande comodidade –, a latina mantinha-se forte e acreditando fielmente nas promessas da namorada de que, em pouco menos de dois anos, estariam formadas e sendo Internas em qualquer hospital do outro lado do país.

E, ao ter a imagem da mulher que lhe arrancava suspiros profundos há anos, um barulho de motor sendo desligado na rua ressurgiu através de uma das portas abertas da pequena varanda de seu quarto. Ela ouviu, mas ignorou pensando ser de uma pessoa aleatória, e continuou divagando em pensamentos monótonos.

No entanto, o som de algo sendo chocado contra a porta fechada da varanda a fez olhar naquela direção. Ela esperou de novo e então visualizou uma pedrinha surgindo e atingindo outra vez o vidro, não ao ponto de quebrá-lo, mas o suficiente para fazer um pequeno efeito sonoro.

Imediatamente um sorriso idiota brilhou em seus lábios e mais que depressa Camila colocou-se de pé, correndo até sua varanda e quase perdendo seu óculos de grau no processo.

O seu coração acelerado então deu um solavanco ao ver sua namorada com as mãos dentro do bolso da jaqueta preta, que, por conhecê-la bem, sabia que não lhe pertencia. Não ligou. Continuou descendo os olhos luzentes pela camiseta branca, na calça jeans velha, e o par de coturnos preto. Mas, as partes que mais amava eram as íris verdes calorosas e o sorriso bonito, que se tornava ainda mais sedutor pela mania constante de arrumar os cabelos para a lateral direita do rosto.

Ao menos parecia que elas se viram naquele dia, mesmo que momentaneamente.

Oh... por Deus... ela era perdidamente apaixonada por aquela mulher parada na frente de sua casa.

Sem deixar sua expressão feliz por um momento sequer, Camila se abaixou e pegou uma das pedrinhas ao chão da varanda, a qual estava envolvida por um papelzinho. Aquele era o sistema que tinham para se comunicar em silêncio. Ela o desamassou e visualizou a caligrafia:

"Olá, linda... Posso subir e te dar um beijo de boa noite?"

Sendo ainda possível, o sorriso no rosto de Camila conseguiu aumentar pela bagunça que as borboletas despertavam em seu estômago. Imediatamente fez um afirmativo com a cabeça e apontou para a parede verde de Tumbérgias azuis que revestiam a parte esquerda da casa de dois andares, terminando o paredão verde estrategicamente – ou por pura sorte – ao lado da varanda do quarto da latina.

Acostumada a fazer isso a cerca de um ano, Lauren caminhou até as plantas e segurou as regiões onde os fios de arames estavam por baixo dando estabilidade para a espécie de folhas volumosas. Entre grunhidos baixinhos, ela agarrava os montes mais estáveis na medida em que escalava, apoiando o coturno nas partes metálicas e se impulsionando. Por fim, ela terminou ao lado da varanda e passou uma perna pela beirada de cimento, jogando-se para o interior da mesma com cerca maestria e experiência.

Ofegante, Lauren parou de frente para Camila, a poucos centímetros da latina ansiosa e feliz. Ela agarrou sua mão e a puxou para o interior do quarto, sem esperar mais nenhum segundo para unir seus lábios sorridentes. O beijo era intenso, os olhos fechados, as línguas se entrelaçavam, as mãos agarravam os pescoços e puxavam à procura de menos espaço e mais contato corpóreo. À medida que as bocas continuavam se encaixando, os suspiros aumentavam e elas cambaleavam pelo quarto, chocando-se levemente na lateral da cama e nas quinas dos móveis.

Uau... – Camila suspirou, ao se afastar poucos centímetros para inspirar o precioso oxigênio. – O que foi isso?!

– Eu tive um dia de merda... e eu precisava disso para ter forças para continuar. – Lauren respondeu avidamente e ainda de olhos fechados, com ambas as mãos nas laterais do pescoço latino. – Eu só... eu só precisava de um pouco de você.

Ao ouvir aquilo, o peito de Camila conseguiu se encher ainda mais de amor e as borboletas festejaram novamente.

Sem deixar que a latina a respondesse, Lauren uniu os lábios de novo, dessa vez lentamente. Eles se sobrepunham, se encaixavam e saboreavam a textura e os sabores únicos que apenas aquele beijo proporcionava. Camila suspirou sofregamente ao fim, quando a outra mulher se distanciou trazendo seu lábio inferior com uma mordidinha de leve.

Lauren abriu os olhos e encarou intimamente a imensidão das íris chocolate. Elas se analisaram ainda abraçadas, apreciando como os corpos pareciam se moldar um no outro de maneira completamente natural. E o contato afetuoso continuaria, entretanto, enquanto acariciava a bochecha latina com o polegar, a jovem de íris verdes percebeu a pele vermelha e superficialmente inchada.

– Camila... o que aconteceu?! – Lauren franziu o cenho, ladeando a cabeça para enxergar melhor. – Você levou um tapa?!

O desespero veio rapidamente, acoplado ao susto pela constatação alheia vinda de seu esquecimento da situação em seu rosto.

– Ah... não. – Camila gaguejou, arrumando os óculos no rosto e tocando as costas da mão da namorada para acalmá-la. – Quer dizer... sim. Mas foi um acidente que ocorreu na casa da Dinah. Eu estava brincando com o Seth e ele acidentalmente me atingiu. – Mentiu, colocando a culpa no irmão da melhor amiga.

– O Seth tem uma mão tão grande assim?! – Lauren ergueu uma sobrancelha, desconfiada.

– Foi um acidente bem feio... – Camila deu um sorrisinho sem graça, sentindo-se mal por mentir, mas sabendo que se a outra descobrisse a verdade provavelmente tiraria satisfação com Sinu. – Espera... o que é isso?!

A latina havia descido o olhar para o pescoço branco da namorada onde marcas vermelhas estavam visíveis, muito mais fortes e inchadas que a de seu rosto.

– Você se meteu em uma briga de novo?!

Lauren fechou os olhos por alguns segundos e então suspirou, dando um passo para trás.

– Christopher me provocou pra valer dessa vez, Camz. – ela disse a verdade em um tom meio ansioso enquanto passava as mãos pelos cabelos volumosos. – Ele falou coisas horríveis sobre você, sobre a gente. Eu tentei, juro que tentei deixar para lá, mas não consegui. Meu pescoço está ruim, mas tenha certeza de que o rosto dele está pior. – Ao terminar ela mostrou os punhos machucados, prova de que o socara com todas as forças que tinha.

– Eu sinto muito por isso, meu bem... – a latina choramingou. – É tudo minha culpa!

– Ei... ei... está tudo bem. – Lauren imediatamente foi até a namorada que já acumulava lágrimas de responsabilidade nos olhos e afagou o seu rosto com cuidado, obrigando-a a encará-la. – Nós duas somos causadoras dessa situação! Foram erros e escolhas nossas que nos trouxeram até aqui! Só precisamos aguentar as consequências até estarmos finalmente livres!

– Eu sei... – Camila grunhiu e encostou as testas de ambas, deixando-as próximas.

– Daqui menos de dois anos vamos subir na minha moto e atravessar o país, indo morar... sei lá... na Califórnia. O que acha? – Lauren murmurou, com um sorrisinho esperançoso que logo fez a latina se sentir melhor. – Talvez lá você aprenda a não se afogar a cada vez que entrar no mar!

A provocação carinhosa fez uma risada escapar dos lábios de Camila, descarregando toda a tensão de minutos atrás entre elas.

– Idiota!

Sua.

– Sim... e eu também sou sua.

Embargadas pelo sentimento que aquecia seus interiores, as duas jovens não perderam tempo e outra vez se aconchegaram uma na outra, unindo os lábios em um beijo que tentasse transmitir o amor genuíno presente em seus corações. Elas se tocavam como se não houvesse amanhã, como se aquele vínculo não fosse o suficiente para que expressassem todo o turbilhão de sentimentos que carregavam.

Lauren e Camila eram uma da outra desde os primórdios de suas vidas, que inicialmente era amizade e depois se mostrou um amor intenso.

– Nós... hãm... precisamos parar. – Lauren arfou, interrompendo o beijo com muito custo. – Sabemos que não posso ficar muito tempo aqui... e... se continuarmos... não pararemos tão cedo.

– É... eu sei. – Camila concordou, ainda ofegante.

– Vejo você segunda?

– Com certeza.

Lauren ofertou um sorriso aberto com a afirmação certeira e se aproximou apenas para deixar um beijinho breve na testa da namorada. Camila fechou os olhos, gravando a textura dos lábios em sua pele.

– Cuide de seu rosto, okay? E não se preocupe, dormirei na casa da Vero esse final de semana... prometo não me meter em confusão. – a jovem de íris verdes acalmou a outra mulher na medida em que caminhava outra vez em direção da pequena varanda do quarto. – Qualquer coisa ligue no telefone da casa dela.

– Pode deixar, bebê. – Camila assentiu, dando um aperto confiante nas mãos entrelaçadas. – Segunda-feira ficaremos agarradinhas na faculdade.

– Não duvido disso. – murmurou. – Tenha uma boa noite, Camz.

– Tenha uma boa noite, Laur.

Lançando uma piscadela para a latina, em forma de despedida, Lauren agarrou outra vez o amontoado de Tumbérgias azuis que revestiam a parte esquerda da casa de dois andares e a escalou novamente, dessa vez descendo. Por fim saltou na grama fofa e deu um tchauzinho para a doce latina escorada no batente da varanda antes de caminhar em direção ao Fusca de Vero, estacionado há duas casas antes.

No entanto, assim que a outra desapareceu nas penumbras das árvores da calçada à esquerda, o sorriso de Camila se desfez ao girar o rosto para direita e perceber uma luz acessa no andar inferior da própria casa, onde, especificamente, ficava a sala de estar. Seus olhos se arregalaram mediante aos tiros de adrenalina e medo disparados em sua corrente sanguínea ao notar que... o seu pai ou sua mãe... observará Lauren sair de seu quarto.

 ###################

[Wolf] E aí, o que acharam?! Quais suas perspectivas de futuro?! Quero comentários, teorias!

Até a próxima, Duskers!

Continue Reading

You'll Also Like

306K 14.6K 64
• Onde Luíza Wiser acaba se envolvendo com os jogadores do seu time do coração. • Onde Richard Ríos se apaixona pela menina que acabou esbarrando e...
1.2M 64.5K 155
Nós dois não tem medo de nada Pique boladão, que se foda o mundão, hoje é eu e você Nóis foi do hotel baratinho pra 100K no mês Nóis já foi amante lo...
3.9M 237K 106
📍𝐂𝐨𝐦𝐩𝐥𝐞𝐱𝐨 𝐝𝐨 𝐀𝐥𝐞𝐦ã𝐨, 𝐑𝐢𝐨 𝐝𝐞 𝐉𝐚𝐧𝐞𝐢𝐫𝐨, 𝐁𝐫𝐚𝐬𝐢𝐥 +16| Victoria mora desde dos três anos de idade no alemão, ela sempre...
1.2M 68.9K 85
Grego é dono do morro do Vidigal que vê sua vida mudar quando conhece Manuela. Uma única noite faz tudo mudar. ⚠️Todos os créditos pela capa são da t...