Pov Miranda
(N/A sim fanfiqueiros, vocês não leram errado)
Corro pelos corredores, esbarrando nas pessoas que atrapalham o "tráfego" do Furo afim de ir mais rápido, impaciente demais para esperar que saiam da frente. Por eu ser capitã, a maioria das pessoas saem da frente na hora, mas algumas ainda insistem em ficar no meio.
A maioria dos outros se dirigem para a recém-preparada sala do trono, com o intuito de saudar meu pai como exige um rei, sigo na direção contrária. Ascian caminha ao meu lado, apesar de eu saber que ele irá se encontrar com outra pessoa.
Conheço o Furo tão bem quanto próprio rosto, e não é dificil escapar pelo pátio de entrada, desaparecendo em meio às árvores e flores bem arranjadas. O jardim de algumas fadas jardineiras leva à cozinha, pela qual passo mal me dando conta das empregadas. Eles se encolhem perante a minha presença, acostumados com minhas mudanças de humor.
No momento, me sinto uma nuvem de tempestade, escura e agourenta, prestes à explodir.
Minha respiração está ofegante e meu coração bate forte no peito, a saudade queimando dentro de mim e meus olhos ardendo em uma ameaça. Mas não vou chorar no meio de todos, não mesmo.
Tive que passar duas semanas fora por conta do reconhecimento. Duas, malditas, semanas. Graças a Deus, o meu retorno e o da minha equipe foi autorizado, eu estava prestes a enlouquecer.
É estranho pensar na minha vida desde que conheci Ela. E um tanto vergonhoso.
Vergonhoso não só pelas coisas que fiz, mas pela minha estupidez inocente em nunca pensar que havia algo errado comigo. Quem ouve vozes na cabeça e acha normal? Além de achar que é a própria conciência?
Eu. Eu fiz isso.
Num lampejo, surgem na minha mente todas pessoas que já machuquei, quase que inconscientemente mas ainda sim machuquei. Any Gabrielly, Joshua, Joalin, Noah e os outros. Eles nublam minha visão, então deixo Ascian me conduzir pelos poucos passos que faltam. Ele quase precisa me carregar para dentro do setor de dormitórios.
A visão daqueles que eu feri. Meus em um quarto conhecido, reclamando comigo mais uma vez. A sombra da maldita da Rainha aos fundos da minha mente. Inconscientemente burro, por me lembrar da minha própria estupidez.
Mas respiro fundo, afim de não ter algum ataque de raiva. Me recordo das palavras Dela. Não foi culpa minha, eu era uma criança no início, cresci acreditando que tudo que "minha consciência" dizia era o certo.
Infelizmente não era.
Às vezes ainda posso ouvir sua voz em minha mente, por mais que depois do salvamento ela tenha deixado de ler meus pensamentos. E eu odeio isso, eu a odeio, e odeio o fato dela ser a minha Rainha, odeio ter que servi-la.
Ela armou pra mim, se infiltrou na minha cabeça enquanto eu ainda não passava de um bebê, porque ela sabia que eu seria o suposto elo fraco de todos os herdeiros Royals. Não que ela não tenha garantido isso.
Ela me influenciou, me forçou, gritou na minha cabeça até que eu cumprisse cada um dos seus planos. Por ela eu me afastei dos meus "amigos", por ela eu tive supostas crises de ciúmes enquanto ainda namorava o Beauchamp - porque ela queria que eu sofresse por um coração partido, queria uma obsessão pra mim -, por ela eu quase matei um monte de gente naquele acampamento, por ela eu sequestrei um príncipe e o torturei. Fiz da minha vida uma desgraça por ela.
E eu sequer sabia que era ela, que não era eu. Me odiei a cada passo meu por muito tempo. Nos raros dias em que ela se sentia fraca e eu podia tomar conta de mim mesma por um pequeno período de tempo, eu me sentia um lixo por todas as coisas que fiz, sentia vontade de concertar. Mas é claro que ela simplesmente apagava esses sentimentos da minha mente.
Comecei a sentir que havia algo errado quando fui mandada para o reformatório. A Rainha não me achava digna de estar no controle dela enquanto estava presa. Então pela primeira vez eu pude viver minha própria vida, ainda que de um jeito limitado.
E foi lá que eu conheci Ela, de longe o amor da minha vida. Não que eu tenha virado uma apaixonada brega, que ama roupinhas combinando e essas coisas ridículas.
Mas é verdade, a mais pura verdade, Ela me salvou. A conheci em uma das aulas de boa maneiras daquele lugar, Ela não foi com a minha cara no início, mas em dias se tornou a primeira amizade verdadeira que eu já havia feito na vida.
Acabou que eu me comportei tão bem na companhia Dela, que a Rainha conseguiu infiltrar alguns dos seus servos no controle do lugar, ela os fez me soltarem. E então tudo começou outra vez, ela pegou o controle de novo e eu fui obrigada a abandonar a única pessoa que já amei.
Surpreendentemente a Rainha não conseguiu apagar meus sentimentos por Ela, não conseguiu me fazer esquecer, então se contentou em me esconder aquilo enquanto estava no controle. E aquilo foi o suficiente pra me transformar naquela vaca-psicopata sem emoções, a maníaca que sequestrou o príncipe.
Novamente, só recebi o controle novamente quando já estava a caminho da prisão, mais uma vez sendo enviada para minha própria desgraça. Na hora, eu me contentei em morrer lá, eu merecia aquilo, merecia pagar.
E nunca havia me sentido tão indigna de algo, quanto me senti no dia em que Ela veio me visitar. Na porra da prisão. Ela foi até lá, por mim, por um lixo humano que ninguém quer.
Eu podia me contentar com aquilo, com as visitas, com a distância. Desde que ela estivesse perto. Mas esse nunca foi o plano da Rainha.
Na primeira oportunidade ela tomou o controle de novo, me fez agora fogo na prisão e então fez com que eu praticamente me suicidasse em meio as chamas. E comigo prestes a morrer, ela se pronunciou pela primeira vez.
A Rainha se apresentou a mim como Rowena Eirlys. Segundo ela, ela era uma amiga, alguém que podia me ajudar. Uma anjo que conhecia meus pecados, que os perdoava e que me consederia a chance de ter oque eu tanto anseava.
E eu acreditei, como uma tola.
Ela disse que bastava que eu fosse sua serva e doassee minha alma a ela. Eu não entendia oque significava, então aceitei. Eu não entendia que aquilo significava ter assinado o atestado de óbito do continente.
Fecho meus olhos com força, na tentativa de apagar a visão que ameaça se gravar a fogo nos meus olhos.
E quando os abro, já estou sozinha em frente ao quarto, dentro da antessala, em frente ao quarto que divido com Raisel Aisling.
Raisel aguarda no meu quarto. No nosso quarto. Eu sei que sim.
Abro a porta devagar, respirando fundo. As janelas estão limpas e as cortinas, abertas. Ela sabe que gosto de sol, especialmente batendo em seu corpo.
Está sentada à janela, as costas apoiadas num travesseiro, as pernas balançando, nuas até o alto da coxa, onde está a barra do vestido preto simples. Não se vira quando entro, dando-me tempo para me adaptar à sua presença.
Meus olhos percorrem suas pernas antes de saltarem para seu cabelo vermelho e reluzente, solto por cima dos ombros pálidos, contornando a orelha pontuda. Seus cabelos parecem fogo líquido. A pele dela dá a impressão de brilhar, porque de fato brilha. Esse é seu poder, sua arte. Raisel é metade fada da luz e das sombras, agora ela manipula a luz so um pouco, destacando-se sem qualquer necessidade de maquiagem ou joias.
Raras são às vezes em que me sinto feia. Sou bonita por natureza e esforço. Mas, depois de um voo longo, sem minha habitual armadura de vestido intrincado e rosto pintado, me sinto pequena perto dela. Indigna.
Seguro o ímpeto de me enfiar no banheiro e passar maquiagem.
Por fim, ela se vira, oferecendo-me uma visão completa do seu rosto. Sinto ainda mais vergonha por vir encontrá-la tão desarrumada. Mas o desejo logo afugenta qualquer outra sensação.
Raisel ri quando fecho a porta com um chute e atravesso o quarto para tomar seu rosto nas mãos. Sinto sua pele suave e fria sob meus dedos, um alabastro perfeito. Ainda assim, ela não fala, deixando-me contemplar seus traços
Raisel: Sem espada e nem armadura, Mysie? - diz então, erguendo a mão até minha tempora
Eu: Não preciso. Todo mundo sabe quem eu sou - digo sorrindo como uma boba pelo apelido
Ela me deu esse apelido a muito tempo. Aparentemente, Mysie significa pérola em alguma linguagem antiga das fadas.
Seu toque é uma leve caricia, descendo pelas minhas bochechas enquanto tenta amaciar minhas
Raisel: Dormiu na viagem de volta?
Suspiro, correndo os polegares por baixo do seu queixo. Preocupações.
Eu: É seu jeito de dizer que pareço cansada?
Os dedos dela continuam a descer pelo meu rosto, até chegar ao pescoço.
Raisel: Estou dizendo que você pode dormir se quiser. Dormi o bastante.
Ela sorri, os lábios se curvando na fração de segundo que antecede meu beijo.
Parte meu coração saber que não é minha de verdade, que a qualquer momento posso perdê-la.
(...)
Alguem esmurra a porta do meu quarto. Não a da antessala, onde os visitantes devem esperar. Do quarto onde durmo, o nosso guarto. Levanto num ímpeto, tentando me desembaraçar dos lençóis, furiosa.
Com um giro do pulso, tiro uma faca do armário do outro lado do quarto e a uso pra cortar depressa a seda enrolada nas minhas pernas.
Raisel não pisca quando a lâmina passa a um centímetro de s Sua pele descoberta. Apenas boceja, como uma gata preguiçosa, e roh para o outro lado abraçada num travesseiro
Raisel: Que grosseria - murmura, referindo-se tanto a mim quanto ao idiota que decidiu nos interromper
Eu: Estou treinando para pegar esse mensageiro infeliz
Levanto e amarro um roupão leve sobre o corpo nu com a faca ainda na mão. As batidas continuam, seguidas por uma voz abafada. Reconheço-a, e um pouco da minha deliciosa e justa ira evapora.
Não vou poder assustar o visitante até fazê-lo desmaiar. Chateada, lanço a faca contra parede. Ela fica lá, com a lâmina enterrada na madeira.
Eu: O que foi, Ascian? - suspiro, girando a maçaneta
Ele está tão desarrumado como eu, com o cabelo bagunçado e os olhos vermelhos. Suspeito que também tenha sido interrompido. Ele e Fallon Atarah apreciam suas fugas vespertinas.
Ascian: Nossa presença é requisitada na sala do trono - ele diz com determinação.- Agora mesmo
Eu: Rowena está tão brava assim por eu ainda não ter beijado os pés dele? Só passaram alguns minutos
Raisel: Passaram duas horas - ela avisa
Me viro brevemente vendo que ela nem se deu ao trabalho de levantar a cabeça.
Raisel: Oi Pirralho - acrescenta esticando delicadamente a mão - Faria a gentileza de pedir que nos preparem o almoço? Se não for o incomodo
Aperto o roupão, incomodada com a Ascian praticamente dentro do quarto e o empurro para trás, colocando-o inteiramente na antessala.
Eu: E o que vai acontecer? Um açoite público? Ela finalmente vai cumprir a promessa de exibir nossas cabeças no portão?- desdenho, soltando uma risadinha sombria
Ascian: Por incrivel que pareça, não tem nada a ver com você - ele responde em tom seco e cortante - Ela decidiu, vamos atacar
Olho para trás de imediato. Raisel está estirada, parcialnmente coberta pelos lençóis. Não brilha, já se entregando de novo ao sono. É indefesa, vulnerável. Até mesmo às palavras.
E quando eu penso que algo na minha vida melhora, me chegam com isso...