A mesa da biblioteca só tinha duas cadeiras ocupadas, uma pelo príncipe e a outra pela prima de sua mãe, lady Marya Arrowny. Carregavam livros nas mãos, mas tantos outros a mais estavam espalhados pela mesa. Um deles tinha uma velha capa de couro, com tantas páginas que sua brochura era grossa como um braço. Seu nome era A Enciclopédia dos Animais de Terra Alta, quarta versão por maege Kouth, o título pintado delicadamente em preto. Ao lado estava o Contos da Fé Verdadeira, parte um por maege Zgnarko e em cima dele o Contos da Fé Verdadeira, parte dois também por maege Zgnarko, ambos com lindas capas de tecido que eram muito mais bem trabalhadas em suas costuras e cuidados. Haviam outros também, como o A Conquista do Pescoço e A rainha Artemísia e sua Flor, que contavam momentos históricos e longínquos do reino até lendas que circulavam entre os homens desde os tempos antigos.
O que estava entre os pequenos dedos de Sodan se chamava Construções e Obras Arquitetônicas da Era Dourada, por maege Asteroto. Suas folhas eram grandes como o tronco do menino inteiro, e mesmo com o peso que era carregá-lo, ele estava completamente absorto nas miúdas letras que lia com lentidão e dificuldade. Tinha aprendido a ler há pouco e mesmo assim devorava páginas e mais páginas dos livros que o castelo real tinha em sua biblioteca. Não era uma prática de pessoas comuns e poucos sabiam ler, mas o príncipe achava incrível tudo o que já havia descoberto naquelas velhas e amareladas páginas e ansiava pelo que mais poderia encontrar onde ninguém procurava. Estava em uma página que contava a história da sua casa, o castelo real de Montanhalta, a obra construída no mais alto pico da Cordilheira das Lanças por ordem de Gorgodan o Alto. O autor havia reproduzido em tinta preta em traços uma cópia do castelo visto do Passo, no começo da montanha. Era incrivelmente delicado em seus miúdos detalhes, desde a enormidade das pedras que erguiam suas paredes até as sete torres.
"O primeiro protetor era um gênio", disse o menino de súbito, como se falasse consigo mesmo enquanto contemplava o desenho.
Marya tinha o livro Chás e suas Propriedades curativas, por maege Vintoris nas mãos. Ela marcou a página sobre o poderoso chá afrodisíaco de damiana que lia para responder ao príncipe. "O protetor Gorgodan foi um dos homens mais lendários de sua época, príncipe. Vivemos o seu legado."
"Mas não foi porque era o mais alto dos altos nem porque subiu mais alto que todos. Ele era um estrategista. Foi por causa dos selvagens. É o que está escrito aqui! Daqui de cima os homens de Gorgodan conseguiam ver o que faziam os selvagens, e como eles se organizavam em batalhas e em suas aldeias. Foi mais fácil vencer!"
"O Montanhalta é com certeza o castelo mais bem posicionado de todo o continente. Não há como ninguém chegar aqui sem que percebamos quilômetros antes", concordou Marya.
"Mas também é muito alto e perigoso. Mesmo assim as montanhas foram o único lugar seguro para os que chegaram no continente. Isso não é fantástico? Moramos em uma das primeiras conquistas da nossa história!", ele disse extasiado pelo conhecimento.
Era sempre uma surpresa a perspicácia do príncipe. Com um sorriso carinhoso no rosto, Marya deixou o livro dos chás em cima da mesa e se levantou da sua cadeira para ir até onde o menino estava sentado. Ela se encostou na mesa, bisbilhotando as páginas que ele lia.
"E o que mais há aí dentro, príncipe?"
"Muito mais! Você sabia que mais de duzentos construtores morreram de exaustão durante as vinte e três estações que demoraram para terminar todo o castelo? O autor diz que até mesmo quando escrevia esse livro, tanto tempo depois, nem todos os homens estavam adaptados a viver tão perto do céu e alguns bebês nasciam já mortos. Poucos respiravam bem, geralmente só cavaleiros. Ele estimava que se viriam mais duas ou três gerações para que isso fosse uma realidade entre todos."
"Isso é muita gente. Temos sorte de estarmos aqui depois de tudo isso."
"Acho que sim", Sodan concordou. "Ele deveria ser muito inteligente. O Alto, quero dizer. O maege que escreveu esse livro também, mas todos eles são inteligentes."
"Um homem a frente de seu tempo, certamente, mas com muitos outros ao seu lado. Se não tivesse seu exército, ou os marinheiros que guiaram seus navios pelo Mar Furioso até aqui, teria conseguido conquistar essas terras?"
Com a testa enrugada o menino ficou pensativo naquelas palavras. "O maege supõe no livro que ele tinha cerca de dois mil homens quando chegou, mas muitos outros vieram em expedições depois. Não teria como empilhar as pedras do castelo, combater os selvagens e até velejar ao mesmo tempo só com as duas mãos que tinha."
"Grandes homens só conseguem crescer se têm outros pequenos homens ao seu lado. Homens que o adoram por sua força e honra e que concordam com seus ideais. Homens que dariam suas vidas pela grandeza daquele que seguem."
Parece com um Rei. Sodan fechou o livro subitamente, surpreso com suas próprias descobertas dentro de sua cabeça. "Gorgodan foi para os homens do reino o que o Rei é hoje. Rei ou protetor, são só nomes diferentes para a mesma coisa."
Aquilo tirou da lady outro sorriso sincero. "São títulos diferentes, de épocas diferentes. Desde que Terra Alta se tornou independente, os Heiral governam. Meu tio Solidor é Rei e os demais se curvam perante ele porque a coroa é dele por direito. E como descendente direto da linha de sucessão, será sua quando for a hora. Foi como decidiram que seria, muito tempo antes do que vivemos agora. Você é um garoto esperto e aposto que conhece bem essa história do passado."
"Eu sei tudo sobre o Pacto dos Sete Reis e a queda do Império. O maege Baltazar me ensinou. Mas eles representam uma mesma coisa. O Gorgodan e meu avô."
Marya se desencostou da mesa. Olhava para o menino com olhos escuros e admirados. "E o que é que eles representam?"
Sodan tirou o pesado livro de seu colo e colocou-o em cima da mesa. Se levantou em seguida, seus olhos cor-de-noz pensativos. Ao lado da mulher ele era um garoto todo magricelas e miúdo, com curtos cabelos castanhos espetados para todos os lados. Vestia um gibão preto abotoado até o pescoço que se destacava muito no tom claro de sua pele. Ele arrastou os pés em passos apressados, passando por Marya até alcançar a estante abarrotada de livros que ficava na parede ao fundo da biblioteca e ao lado da grande lareira repleta de lenha carbonizada e cinzas de uma noite passada.
"Alguém para agradecer quando as coisas derem certo e culpar quando tudo estiver errado", ele disse alto para que a outra ouvisse. "Eu esqueci o nome."
"Que nome?", ela perguntou.
"Da coisa!", e ele respondeu.
Olhando os livros da estante, ele procurou com fervor o título que queria. Parava o dedo em um ou outro, para se concentrar e conseguir entender o que as letras na vertical diziam, às vezes até mesmo tombando sua cabeça para o lado para tornar as coisas mais fáceis. Demorou para encontrar, mas Marya esperou pacientemente. Foi só na terceira das prateleiras que ele finalmente achou o livro que buscava. Era pesado e quase caiu direto no chão, mas o príncipe segurou com força antes de colocá-lo cuidadosamente em cima do piso de pedra.
"Política", ajoelhado no chão ele disse, enquanto apontava para o título.
O livro era visivelmente velho, sua capa e contracapa duas grandes placas de madeira e suas letras eram talhadas ali mesmo, fundos buracos repletos de poeira. As letras diziam A era Imperial e sua organização política, econômica e social. Era um livro visto por poucos, certamente, e a mulher possuía um misto de interesse e desconforto nos seus olhos escuros e cuidadosos.
Ela se aproximou do príncipe para afagar-lhe com carinho as madeixas bagunçadas "Me impressiono com quanta coisa cabe nessa sua cabeça. O Império foi uma época de escuridão, um momento negro da nossa história. Esquecemos seus horrores com o passar dos anos de paz. Muitos diriam que isso não é assunto para alguém que tem pouca idade como vossa Alteza."
"Mas o maege diz que conhecimento é a única coisa que teremos para sempre. Quanto mais soubermos mais estaremos à frente do inimigo. Qualquer que seja. Eu gosto de ler", disse com o peito estufado de orgulho próprio.
"Talvez ele esteja certo. Conhecer o passado é não repeti-lo", disse Marya.
De sorriso infantil no rosto, o menino concordou com um movimento positivo e satisfeito de cabeça. Enquanto ele erguia o livro para colocá-lo de volta na estante, triunfante por ter conseguido achar o que queria, escutou o som das portas da biblioteca se abrindo. Quando olhou para ela, do outro lado, viu que quem entrava era o tio de sua mãe, sor Edamor, vestido com sua armadura da guarda-real completa exceto pelo capacete. Sua capa esvoaçava atrás dele conforme andava, reluzindo em dourada, e sua roupa de metal rangia enquanto se aproximava dos dois. Seu rosto era maduro de idade mas tinha uma expressão cordial no rosto.
Era daquela forma que Sodan imaginava todos os cavaleiros. Ele adorava-o como muitos outros garotos e até homens do reino.
"Tio Edamor!", chamou-o com alegria, correndo em sua direção.
"Príncipe Sodan", o homem respondeu com um grande sorriso. Agachou-se para estarem na mesma altura, sua mão coberta pela luva metálica repousando no magro ombro da criança. "Vejo brilho em seus olhos. Conte-me das suas aventuras de hoje."
"Estava lendo sobre o nosso castelo", respondeu animado.
"E descobriu muitas coisas", acrescentou Marya.
"Sobre a chegada do Alto em Centurión, da construção de Montanhalta até como ele conseguiu derrotar os selvagens", ele exemplificou.
"Com muito sabedoria e força, posso apostar", disse Edamor.
"Você acha que ele foi um bom político?", o príncipe perguntou de curiosidade.
O cavaleiro demorou para responder. Foi buscar suporte em Marya mas não obteve nada senão um olhar sorridente. "Um o quê?"
"Um bom protetor", o menino alterou a palavra, quase que com impaciência.
"O primeiro que tivemos. As batalhas que ele travou no início da história do nosso domínio são conhecidas em todos os quatro cantos do continente e além dele. Ele liderou com a coragem de um verdadeiro guerreiro."
Embora tivesse obtido uma resposta satisfatória, Sodan continuava inquieto, seus lábios crispados com força. Tentou se segurar, e Edamor quase se levantou, mas antes que o fizesse o príncipe pigarreou e o olhou nos olhos com sinceridade inocente. "E acha que vovô foi como o Gorgodan?", o príncipe continuou. Não podia ver o avô há dias, e quando podia, via-o na cama sem conseguir sequer se levantar. "Que ele liderou como um verdadeiro guerreiro?"
Sor Edamor demorou mais alguns instantes para responder, mas daquela vez para refletir em uma resposta sincera e honesta. Pensou na sagacidade e simplicidade com que o menino lidou com o assunto e em como quase se pareciam naquilo. "Seu avô, assim como seu bisavô, e os Heiral que o fizeram antes de termos sequer nascido. Todos eles reinaram com grande honra em seus propósitos, porque só um homem abençoado pelos deuses verdadeiros pode reinar Terra Alta. Seu avô será sempre lembrado como um bom Rei."
Era bom ouvir aquilo, mas o príncipe ainda tinha muitas perguntas na ponta da língua. "Meu pai não é um Heiral. Como saberemos então se será um bom Rei?"
Daquela vez o cavaleiro não esperou para se levantar em suas duas pernas. De rosto sério, ele não tinha gostado da pergunta. "Percebi que têm lido muito e que sua mente está infestada de perguntas, mas existem questões que não possuem respostas agora. Ou nunca terão, e é bom que seja assim. Tudo tem o seu tempo. Preocupe-se em estudar e dar o seu melhor para um dia se tornar um Rei tão memorável quanto seus antepassados, honrando o nome que carrega. Com espada e sabedoria."
"Mas eu nem mesmo sei segurar uma espada", admitiu como se tivesse vergonha, mas também cruzando os braços para mostrar que não gostava daquilo. Poderia insistir nas perguntas, mas quando falava sobre seu treinamento nada era mais importante. Queria aprender a ser um espadachim logo.
"Ainda", concordou o capitão da guarda-real. "Espadas não são brinquedo de criança. Quando atingir a idade certa e amadurecer, estará pronto para aprender."
"Tudo tem o seu tempo, príncipe", falou Marya, repetindo as palavras do tio.
Era quase como se Sodan pudesse ouvir a voz da própria mãe. "Mamãe também diz isso."
"Mães têm a sua razão. Mas Isandra também têm seus deveres de princesa agora, acima de qualquer outra coisa", disse enquanto se virava para Marya. "Lhe trago uma mensagem direta dela, sobrinha."
"Entendo. Temo que seja um assunto para adultos", ela mensurou com leve humor na voz.
Concordando, Edamor disse: "Será melhor conversarmos lá fora."
"Segredos!", o príncipe reclamou em alto e bom som.
Marya deixou um amoroso riso escapar. "Não fique bravo. Será rápido. Por que não lê mais sobre o castelo enquanto isso? Quem sabe não descobre uma passagem secreta?"
Não era como se houvesse moeda para barganhar ali. Contrariado, o príncipe se virou de costas para os dois, os braços cruzados ainda mais fortemente, e foi até a mesa onde outrora estava sentado. Os dois cumprimentaram o menino com um movimento sutil de cabeça como mandavam os modos, com amáveis expressões em seus rostos.
Completamente frustrado, ele pegou um dos livros que estava em cima da mesa, escondendo seus olhos entre as páginas velhas e fedidas a mofo para acompanhar discretamente cada passo dos dois adultos. Quando finalmente passaram pela porta da biblioteca e a fecharam, ele se viu mais uma vez no silêncio completo. Esperou imóvel por algum tempo, certificando-se de que realmente tinham saído. Quando teve essa certeza ele se levantou da cadeira com cuidado, fazendo o possível para não deixar que nenhum passo seu fizesse algum ruído mais alto do que deveria, e foi andando devagar até a janela da biblioteca. Ela estava aberta, um foco de luz fraco pelo dia que já se acabava. Não conseguia mais ver o sol, escondido pelas montanhas e pelas árvores de abeto em abundância daquele lado do castelo. Elas eram grandes e subiam mais alto do que a própria biblioteca.
Uma das árvores ficava bem próxima da janela; próxima o suficiente para que o príncipe conseguisse alcançar um de seus galhos com a mão se estivesse de pé no parapeito. Conhecia bem aquele caminho, já tinha-o pego tantas vezes que seu coração sequer se acelerava pela adrenalina. Já tendo se machucado caindo das árvores antes, não tinha medo e conhecia cada galho de quase todas elas de tanto escalá-las às escondidas. O que por sinal ele fazia muito bem. Era leve e ágil, tinha grande facilidade em se pendurar nos galhos do abeto e escolher qual deles era melhor para seu peso. Se divertia com a ideia de subir cada vez mais alto.
Não podia voar, como dizia o lema de uma de suas Casas, mas podia escalar mais alto.
Decidido a escapar da biblioteca enquanto estava sozinho, ele tirou rapidamente seu gibão preto e o jogou no chão mesmo. Com apenas a leve camisa de algodão bege que vestia por baixo, Sodan conseguiria escalar a árvore com muito mais facilidade. Da ponta da janela ele se pendurou no galho com as duas mãos, subindo em cima dele enquanto se segurava nos outros próximos. Se enfiou entre as folhas verdes e as pinhas da árvore. Os galhos eram bem maleáveis nas pontas, mas as árvores que cresciam nas cordilheiras eram tão altas e fortes quanto as próprias montanhas, e sua espessura era grande o suficiente para não se quebrar com o peso do garoto. Ele tomava cuidado sempre, procurando pisar de onde os galhos eram mais grossos, e desceu dessa forma, galho por galho como uma escada, até que pulou para chão quando chegou perto dele o suficiente para não se machucar. Olhando para cima, a janela parecia longe e inalcançável no segundo piso do castelo.
Seus sapatos fizeram barulho quando andou em cima das pedras e grãos de areia, então caminhou com discrição ao lado do muro de pedra para não ser visto através de algumas das janelas abertas do andar térreo. Seguiu os passos silenciosamente até que ouviu baixo e sussurrado o som de pessoas conversando. Ele sabia que logo depois da biblioteca havia uma grande passarela a céu aberto que levava seus transeuntes para o interior do castelo. Aquelas vozes vinham de lá. Com os olhos brilhantes de excitação, ele se aproximou mais das vozes, começando a entender o que elas diziam e reconhecendo-as como as vozes de Marya e Edamor. Conseguia sentir que estavam tensos mesmo daquela distância.
"Assassinada?", perguntou a mulher com horror. "Que presságio obscuro!"
"Uma perda irreparável", Edamor concordava, tão sério quanto Sodan jamais tinha-o ouvido ser. "Por isso tão urgente. A princesa e a corte já devem estar se reunindo no Penhasco para a execução que deve acontecer ao pôr do sol. Devo me apressar também, mas não você. Ela me mandou aqui para pedir-lhe que cuide do príncipe enquanto estará lá cumprindo com seu papel como a regente."
"Cuidarei dele, não se preocupe. Mas entristece-me não estar ao lado de minha prima quando for a hora de fazer. O eco é perigoso para a mente das pessoas."
"Ela é forte. Filha de Solidor", o mais velho garantiu, a voz firme. "E terá minha espada para fazê-lo."
"Permaneço preocupada, mas mais aliviada que antes. Isandra precisará da sua ajuda."
"Assim como da sua. Somos do mesmo sangue e agora mais do que nunca precisaremos nos unir."
Houve um curto momento entre eles enquanto pareciam se entender. Sodan poderia ficar ali quanto tempo fosse, ouvindo a história, sanando sua curiosidade, mas também interessava-o muito a execução que aconteceria logo. Se perguntava quem teria sido assassinada, também quem seria o culpado, mas ver sua mãe no lugar do avô era uma coisa nunca antes imaginada. Ele sabia que falavam do Penhasco Ecoante, conhecia sobre a tradição e de algumas das grandes execuções que haviam acontecido no lugar, mas nunca nada havia lido sobre mulheres sentenciado alguém a cair até a morte. Não sabia o que pensava sobre aquilo, mas sabia que sempre quisera estar presente em alguma execução.
Também sabia que para chegar lá sem que Marya terminasse a conversa e desse sua falta na biblioteca, e com tempo de assistir, o príncipe tinha de se apressar.
Foi o que acabou fazendo. Ele voltou para trás, deixando de ouvir o que mais os dois tinham a dizer para entrar no amontoado de árvores que cresciam nos fundos do castelo real. Elas se organizavam de forma quase simétrica, uma do lado da outra, criando abertos corredores entre seus troncos onde a vegetação se resumia a musgo e grama. Era fácil se esconder e se perder ali, mas Sodan correu por entre as árvores se orientando pela grande parede de pedra que já via a sua direita. Ela fechava a pequena floresta de abetos e seguia até o último deles, onde acabava em outra montanha. Para qualquer um aquele era o fim da linha, mas o príncipe conhecia um caminho que provavelmente só ele conseguia alcançar.
Parou diante da última árvore, que acabava bem onde as duas montanhas se encontravam no cerco em volta dos abetos. Na frente dela existia um grande pedaço de pedra que era uma parte da própria montanha que havia caído muito tempo atrás. Era alto mas bem irregular, com grandes pontas soltas com as quais o príncipe conseguiu apoio para escalar. Quando estava finalmente em cima da pedra, ele conseguia ver claramente as longas rachaduras que cortavam a montanha de onde enxergava até tão alto que não podia mais ver. Mesmo não as vendo elas estavam lá, rachaduras onde o dedos pequenos do príncipe cabiam perfeitamente. Não eram só as árvores de Montanhalta que ele brincava de escalar.
O primeiro grande vinco na parede de rocha ficava bem na altura dos olhos do menino. Foi a partir desse que ele começou sua subida, escalando poucos centímetros de cada vez, procurando apoio nos buracos para as mãos e nas pequenas rochas desproporcionais para o pé. O começo era sempre a pior parte, onde a montanha subia na vertical, mas conforme escalava ela se afunilava e ficava mais fácil. Quando Sodan já estava tão alto quanto o pico dos abetos ele conseguia até mesmo se acomodar em formações rochosas grandes o suficiente para que pudesse sentar, respirar e descansar. Ele o fez por um instante, respirando profundamente. Parou para olhar a passarela depois da biblioteca, perfeitamente visível daquela altura, e viu que não havia mais ninguém lá. Além da passarela havia toda a área aberta do jardim interno do castelo, florido e colorido, mas também vazio.
Depois de recuperar o fôlego e checar se conseguiria continuar escalando sem ser visto por ninguém da passarela, do jardim e das janelas abertas, se levantou de novo e se virou para a grande parede de pedra que estava ao seu lado esquerdo, a outra parte da cordilheira que circulava as árvores até onde se acabava em mais montanha. Era por onde ele seguiria seu caminho. Da ponta da pedra em que ele estava sentado, pegou o impulso que conseguia no curto espaço e pulou até o outro lado, alcançando a parede e cravando os dedos nas rachaduras. Os pés escorregaram de súbito, pequenas pedras se desprendendo da montanha para cair lá embaixo, mas o menino segurou com toda a força que tinha nas mãos. Balançou os pés até encontrar um novo apoio seguro o suficiente para recuperar a segurança e o equilíbrio.
Tinha quase caído dali só uma outra vez, no verão passado, no dia que tinha descoberto o lugar, mas sua mãe nem ninguém havia ficado sabendo e desde então nunca mais tinha falhado. Talvez estivesse ansioso demais naquele dia, e com pressa também. A adrenalina e o medo de cair tomaram conta do menino, mas em um suspiro longo para se acalmar, ele voltou a escalar a montanha de novo, dessa vez com mais atenção. Subiu mais alguns metros até chegar alto o suficiente para que nenhuma montanha mais cobrisse sua visão do que tinha do outro lado. Ainda estava muito longe do cume, mas tinha chego numa área grande o suficiente para que pudesse até mesmo deitar e andar. Era um espaço aberto dentro da montanha e Sodan acreditava que a pedra lá embaixo preenchia perfeitamente aquele buraco.
Quando estava completamente seguro ele se estendeu no chão, costa na pedra, e percebeu que suava frio nas mãos pelo susto que tinha levado. Nunca tinha parado para pensar o que aconteceria se caísse mesmo algum dia, mas rezou para os deuses com os olhos fechados para que isso nunca acontecesse.
O peito arfante parou quando a respiração do príncipe se estabilizou. Ele se colocou de pé e entrou mais afundo na cavidade da montanha. O buraco era coberto depois de alguns passos, como se fosse uma pequena caverna, e a bagunça de objetos jogados, como cobertas de pele, roupas e até mesmo comida eram os resquícios das antigas visitas ao lugar. Tinha declarado aquela montanha como a sua, nomeando-a de Pico do Sodan, pelas suas próprias palavras, e já tinha usado o lugar como seu esconderijo algumas vezes. Ele conseguia ver o castelo e muito mais, desde as sete torres ainda mais altas do que onde ele estava até a entrada da Sala do Trono. Enxergava o Templo Laranja e o Vermelho, a entrada do Terceiro Pico e suas ruas completamente vazias. Abaixo dele estavam as outras partes da cidade real, o Segundo Pico e o Primeiro Pico. Mais longe ainda estava o Passo, no começo da cordilheira, mas tão longe que não conseguia distinguir nem as casas dos armazéns ou as ruas dos becos. Era uma região mais pobre e de povo miserável, de terra seca pelo outono, e se misturavam as moradias com as suas plantações. Aquilo era o máximo que Sodan já tinha visto do Passo.
Mas o que via além das montanhas, do outro lado, era ainda mais incrível. A cordilheira acabava no mar, uma vastidão de tons de azul e dourado. Com o sol se pondo, ele descia como se mergulhasse na água salgada, pintando-a com seus raios de luz. Se o que tinha escutado antes era verdade, assim que o sol terminasse de cair dentro do mar a execução aconteceria. Tinha subido até ali porque o Penhasco Ecoante ficava exatamente embaixo daquela montanha. O vento ali era constante e forte, bagunçando ainda mais os cabelos do príncipe, mas além do seu agudo som, ele trazia também o sussurro de muitas vozes. Bastou que Sodan andasse até a ponta de onde estava para que pudesse ver os lordes e ladies da corte presentes lá embaixo, acomodados de forma organizada nos retangulares bancos de rocha. Na beirada do precipício, em cima do deck de madeira construído pelos homens do castelo, estava a princesa Isandra, sua mãe, acompanhada pelos membros do Conselho e por lady Omira da Casa Magrace, uma família tão antiga quanto a Heiral.
A grande maioria dos lordes e seus homens tinham partido com a caravana de seu pai para o Portão das Aves, então os que tinham restado na cidade eram aqueles que não conseguiam lutar pelas glórias de uma batalha. Eram em sua grande maioria velhos de cabelos grisalhos e postura já não mais boa, senhores de idade fracos demais para continuar segurando uma espada. As mulheres que via eram provavelmente as suas ladies ou daqueles que tinham partido, presentes em seu nome. A grande maioria dos rostos ele não conseguia sequer enxergar, mas reconhecia alguns pelas cores que ostentavam em suas vestimentas pomposas. Haviam membros das Casas Arrowny; Highwind; Hugh; Menner; Dorf; Dermon; Revenwood e talvez outras.
Eram muitos lordes e nomes, mas suas diferenças eram deixadas de lado pelo intenso cochicho. Mesmo que Sodan não pudesse escutar nada do que falavam com clareza, pareciam todos animados pelo que estava por vir. Não era exatamente como ele imaginava que seria uma execução. Pelo menos não se parecia com as que seu avô, o Rei, havia lhe contado em suas conversas. Pareciam para o príncipe momentos de extrema tensão e responsabilidade, mas os homens da corte que estavam ali sorriam de excitação, como se estivessem ansiosos para assistir a uma grandiosa peça de teatro. Estavam tão eufóricos que alguns olhavam para os lados e para trás, procurando por algum sinal de que a execução começaria logo.
Receoso em ser visto por qualquer um dos que estavam lá embaixo, o menino se acomodou perto da beirada, usando a cavidade da montanha como parede. Se agachou e ficou espreitando dali, olhando com cuidado, deixando apenas o rosto aparecer entre a paisagem de montanhas. Via perfeitamente, mas continuava sem conseguir ouvir nada do que diziam lá embaixo, já que o som do vento era muito mais alto que os suas vozes. Teve sorte de estar bem posicionado a tempo de ver seu tio Edamor chegar, silenciando as conversas em todos os cantos do penhasco. Ele caminhou adiante com sua armadura reluzente, passando pelos lordes e ladies até chegar ao deck e parar de frente para a princesa Isandra. Eles ficaram muito tempo assim, um olhando para o outro enquanto trocavam palavras ocultas pelo vento. Depois o careca lorde Avaro também entrou na conversa e com um gesto dele dois dos quatro soldados que trabalhavam de guarda protegendo o lugar saíram pelo mesmo e único caminho da chegada do chefe da guarda-real.
Aquele era o sinal pelo qual os lordes estavam buscando. Depois que Edamor e a princesa se acomodaram, as vozes voltaram mais altas e animadas do que antes. Daquela vez, se prestasse bem atenção, Sodan conseguia distinguir algumas das frases ditas. Falavam sobre uma serva do Templo Laranja, perguntavam sobre o Rei, sua saúde e seu paradeiro. Se daquela altura podia entender o que diziam, que coisas a mais sua mãe estaria tendo de ouvir? Irritou ao príncipe aquelas coisa, mesmo que não entendesse muito bem o que podiam significar. Parecia um desrespeito à uma tradição do reino, algo que seu avô jamais permitiria se estivesse ali. Como muitos outros pensamentos que sua mente tinha, perdeu-se naquele somente até que outra coisa mais interesse tomasse sua atenção.
Eram os soldados que voltavam com o culpado. E o culpado era uma garota. Talvez um pouco mais velha que o príncipe, mas ainda assim ela era minúscula perto dos homens de armadura, só uma garota maltrapilha de pele parda e cabelos desgrenhados.
Cada um dos soldados segurava um dos magros braços da prisioneira e arrastavam-na assim pelo chão rústico de pedra. Tinha pulsos e tornozelos amarrados firmemente por cordas. Cabisbaixa e silenciosa, nada a serva laranja fez senão deixar-se ir, enquanto toda a corte a sua volta esbravejava em uma fúria inusitada. Diziam palavras que assustaram até ao garoto, de barbaridades sobre assassinato até maldições rogadas em pedido aos deuses. Falavam tão alto que suas vozes se sobressaíram ao barulho do vento e suas palavras terríveis eram audíveis por todas as montanhas em volta. Os ânimos só se acalmaram quando a menina chegou ao deck de madeira, por onde os soldados a guiaram até o pilar na extremidade do deck, e quando o lorde Undo Dermon se colocou diante de todos da corte.
O senhor da lei falou para que todos ouvissem, alto e a pleno pulmões, assim Sodan conseguiu ouvir também. Era sério e rígido. "Como o senhor da lei, eu os convoquei a virem até o Penhasco Ecoante, lordes e ladies da corte, para a execução de uma serva laranja nascida no Passo, de nome Myrella", recitou com formalidade. "Na ausência do Rei Solidor da Casa Heiral, o segundo de seu nome, protetor do Reino da Terra Alta, dos primeiros homens, dos phusorasis e do povo, o escolhido dos deuses para reinar, a princesa Isandra da Casa Garbando, a primeira de seu nome e herdeira legítima ao trono do Reino da Terra Alta, brandirá a espada da justiça em seu nome".
Mais uma vez a corte se afundou em murmúrios. Haviam surpresa pela culpada, uma serva, e lástima profunda pela perda de parte tão importante para o povo de Montanhalta, mas no consenso geral, todos se mostravam insatisfeitos com a ausência do Rei. Para encerrar o falatório, Edamor se levantou, com sua postura e renome, e o silêncio predominou novamente.
"Todos saúdam a princesa Isandra da Casa Garbando, a primeira de seu nome e herdeira legítima ao trono do Reino da Terra Alta", chamou todos a segui-lo nas palavras, seu tom de voz imponente como o de um cavaleiro.
Foi como todos fizeram. "Vossa Alteza, a princesa Isandra!", suas vozes ecoaram pelas montanhas, saudando em resposta, umas mais tardias e receosas que outras.
A princesa, depois de anunciada, se aproximou de Edamor. Usava um refinado vestido com uma longa capa preta nas costas, onde Sodan conseguia ver a águia vermelha da família bordada. Vestida daquela forma, diante de tantos homens poderosos do reino, sua mãe parecia mais uma rainha do que uma princesa. Enquanto toda a corte abaixava a cabeça diante da sua presença, ela olhava também para baixo, mas para os olhos da garota prisioneira que havia sido deixada de joelhos no chão. Elas pareciam compartilhar um momento, mas Sodan não foi capaz de ouvir nada, se é que haviam dito algo. Também tiveram pouco tempo, pois logo a princesa olhava para o tio, que deu ordens aos soldados. Eles moveram a prisioneira mais uma vez e a ergueram pela corda que prendiam seus frágeis pulsos para a colocarem pendurada no gancho de metal que havia na ponta do pilar. Suspensa no ar, finalmente Sodan ouviu a serva gritar de horror enquanto a assistia se debater para os lados, os pés balançando desesperadamente em busca de apoio.
Cair até a morte era o destino daqueles sentenciados em Montanhalta. Uma tradição que podia ser assustadora. O príncipe conseguia ver daquela distância o sangue brilhante e rubro escorrer nos braços da garota, vindos das feridas que se abriam em seus pulsos machucados pelo corda e que manchavam mais a sua já imunda batina laranja de serva. Quanto mais se debatia, mais sangrava, mais gritava de dor e mais os lordes da corte se agitavam. Ninguém era corajoso depois de ver com seus próprios olhos a queda sem fim do precipício do Penhasco Ecoante. Do alto da montanha, no Pico do Sodan, o próprio príncipe tinha uma vista privilegiada do enorme buraco que se formava no meio da montanha. Era como um túnel na vertical, que descia logo depois do deck de madeira e caia até se abrir para o horizonte e afundar na água salgada do Mar Furioso. Os selvagens antes chamavam o lugar de A Garganta, o príncipe aprendeu com um livro, mas tinha sido renomeado pelos homens de Penhasco Ecoante na época da conquista. Era um aviso em memória aos gritos daqueles que perderam suas vidas engolidos pela montanha. Alguns dos gritos ecoavam por dias, outros se misturavam com o som do vento para sempre. Era um lugar perigoso para mentes fracas.
Então os soldados se afastaram da menina e foram até o pilar. Ele tinha duas grandes alavancas, uma de cada lado, e os homens se posicionaram dessa forma e puxaram juntos as alavancas. Elas rangeram no percurso e com um som metálico de engrenagens enferrujadas o pilar tombou bruscamente para frente, ainda preso ao deck mas suspenso para o lado de fora dele. O corpo da garota balançou ainda mais com o movimento, girando de um lado para o outro, embalado pelo seu medo e pelos fortes ventos. Seus pedidos de go aumentaram, estridentes e aterrorizados enquanto olhava para as ondas ferozes que batiam nas pedras quilômetros abaixo. A corte se remexia com o clímax tão próximo. Alguns estavam nas pontas dos pés em busca de um melhor ângulo.
De olhos vidrados e arregalados, Sodan viu seu tio tirar sua espada da bainha para depois se ajoelhar diante de sua mãe. Ele a ofereceu para a princesa, a lâmina e o cabo repousados em suas mão abertas. Isandra aceitou, pegando a espada com as duas mãos pelo cabo. Parecia ter certa dificuldade em carregá-la, pelo seu peso e formato. Todos sabiam que espadas não eram para mulheres. Mesmo assim ele viu a mãe caminhar pelo deck, passando pelo pilar tombado até a ponta, na beira do precipício e ficar de frente para a menina aterrorizada. Um instante depois ela ergueu a espada acima de sua própria cabeça.
A lâmina tremia em suas mãos instáveis, mas mesmo assim ela proferiu a sentença. "Eu, Isandra da Casa Garbando, a primeira de meu nome e herdeira legítima ao trono do Reino da Terra Alta, te sentencio, Myrella, serva laranja e nascida no Passo, a cair até a morte pelos crimes de assassinato, calúnia e ameaça à fé verdadeira. Que os deuses tenham misericórdia."
Quando a espada desceu, bateu contra o gancho, metal contra metal, mas também cortou a corda que prendia a serva no gancho. O corpo dela despencou para a imensidão da cratera, e seu último grito reverberou pelas paredes do túnel e subiu, trazido pelo vento, ecoando pelo Penhasco Ecoante e pelas montanhas acima dele, preenchendo toda a cordilheira. Foi mais alto que o vento, mais alto do que as vozes de todos os lordes da corte juntos, repetindo-se no horizonte de pedra por vezes e mais vezes. Junto ao grito, como uma orquestra fúnebre, se misturou o som do bater de assas de inúmeros pássaros negros que saíram desgovernados e assustados do buraco onde provavelmente dormiam antes de serem acordados. Os corvos se espalharam pelo o céu enquanto grasnavam em uníssono.
Mas os gritos de justiça dos lordes vieram em seguida, apagando os rastros da execução. Não para todos. Os homens da corte e o que diziam não eram nada para o príncipe. Com a boca seca, Sodan não conseguia deixar de olhar para o vazio que enxergava no precipício do penhasco, absolvido pela escuridão dele. O grito da serva ainda era claro dentro de sua cabeça, como se o vento trouxesse de volta a voz da garota. Toda vez que o vento soprava pelos afiados cumes, o príncipe a ouvia de novo. Até mesmo quando um dos corvos que saíram voando decidiu pousar ao seu lado, dentro do Pico do Sodan, ele só se deu conta da sua presença quando a ave crocitou.
Assustado com a chegada súbita do pássaro, o garoto recuou da beirada da montanha. "Socorro!", o corvo grasnou enfim, e sua voz era terrivelmente parecida com a da garota. "Me ajudem!", ele disse também.
Sodan ficou hipnotizado. Este corvo falou?, se perguntou, crente que estava enlouquecido pelo Penhasco Ecoante como diziam que alguns ficavam. Não sabia dizer, mas o corvo o olhava diretamente nos olhos. Os dele eram duas orbes totalmente negras, mas brilhantes como as estrelas, mais escuros que os do próprio príncipe. Acuado e nervoso com a presença da ave, ele recuou mais ainda para dentro da caverna, mas o corvo o seguiu, pulando em suas duas patas para se aproximar. Enquanto ainda olhava para o menino, mexia a cabeça de um lado para o outro, observando rapidamente o interior da pequena caverna secreta do menino. Em resposta, Sodan se afastou mais ainda, puxando o cobertor de pele que tinha e cobrindo o corpo com ele para se proteger.
O corvo insistiu. "Socorro!", e bicou a ponta da pele que cobria o príncipe.
"Sai daqui!", ele respondeu gritando de susto. "Xô!", e moveu a perna bruscamente para chutar a ave.
O corvo pulou para trás, batendo as asas duas vezes para voltar a pousar um passo de distância para o lado. Ainda olhava para o menino e curioso ele deu um pequeno pulo para frente, chegando a pousar em cima do príncipe. Ainda amedrontado, mas tomado de súbito por coragem, Sodan pegou uma pedra do chão um pouco menor que sua própria mão e jogou-a contra o pássaro. Ele acertou a ave que crocitou alto de dor e medo. O corvo ergueu vôo dentro da caverna, batendo contra o teto pedroso dela para depois finalmente conseguir alcançar o ar livre.
Ele voou para longe, mas grasnou alto em chamado aos seus, que responderam de prontidão, e mais uma vez o crocitar de dezenas de corvos ecoou pelas montanhas em resposta, vindos de todas elas. Eram agudos como o grito que Myrella deu quando caiu.