Zaire pegou seu martelo assustado, não conseguiu empunhar a arma anteriormente, mas agora estava mais atento. A dama à sua frente parecia fluída, sua roupa e corpo pareciam ser feitos da mesma coisa. Um véu ocultava sua face, dando apenas a visão das sombras do que seria seu rosto. Ela destoava do ambiente, com sua matéria pálida.
— Não se preocupe, não estou aqui para ti ferir. – ela não moveu um músculo. – Venho congratulá-lo.
— Quem é você? – ele ainda estava receoso.
— Eu sou a Dama Alabastrina. Comando esta parte do Labirinto Entremontes na busca por campeões. – sua voz era sedosa. – Sou um projeto de estrela, os seres celestiais me puseram aqui para provar os corações dos Lectus. E você provou o seu valor.
— E como possa saber que está falando a verdade? – cerrou os dentes desconfiado.
A dama ergueu suavemente a mão esquerda, fazendo uma imagem de Dália aparecer flutuando entre os dois. A estrela ainda estava no céu, sobre seu pedestal com os cabelos alvos e olhos de diamante. Uma lágrima solitária escorreu de seu rosto, havia tristeza estampada em sua feição e algo mais que Zaire não conseguiu identificar.
— Acha que alguém mau poderia expressar esse tipo de poder? – perguntou a mulher.
— É a estrela Dália? – o amaranto estava encantado com a projeção tão realista.
— Sim, pouco antes de sua queda. – o tom era profundo.
A imagem se dissipou no ar, deixando-os sozinhos outra vez.
— Espere, tem uma coisa que não compreendo. Se este labirinto é uma criação celestial, por que todos dizem que é o lar do poder bruxo? – estava resistente.
— Ilusões são instrumentos importantes para afastar curiosos incovenientes. Se todos soubessem que este lugar guarda um fragmento de estrela, centenas iriam se aventurar nestas paredes. – explicou.
— E quanto o fragmento, quando eu o encontrarei? – Zaire insistiu nos questionamentos.
— Você já o encontro, ele será mostrado na hora certa. – foi sucinta. – Agora devemos buscar seus companheiros de jornada.
— Suponho que eles tenha se saído tão bem quanto eu. – o rapaz anunciou.
— Na verdade, não. A cada um de vocês foi dado um desafio. O objetivo do labirinto é avaliar o maior medo de cada um, testando a resiliência. Para você foi mostrado a fonte de sua covardia, o temor pela morte.
A imagem dos cadáveres de Zaire apareceu, assim como as imagens dele recebendo os golpes impiedosos.
— Para celosiana uma prova de inteligência foi dada, seguida pelo confronto com o medo da rejeição e fracasso. Ela foi aprovada, mas apenas parcialmente. – prosseguiu relatando o desempenho.
Malya apareceu na tela, segurando o corpo de Halina desacordado. O rosto da morena parecia inexpressivo, enquanto as dúzias de mariposas circulavam ao redor dela.
— A princesa por sua vez, está sendo exposta às perdas. – moveu a mão mais uma vez. – Halina descobriu algo decisivo, veremos o que ela fará com tal informação. Uma escolha entre rancor ou compreensão ela deverá fazer em muito breve.
Halina parecia num espiral de transes, nos quais Caspian e a Rainha Kaira eram mostrados. Arden também estava incluso nas visões, segurando o corpo do mãe, chorando inconsolável.
— Seus outros dois amigos estão tendo a amizade testada, estão sofrendo com isso. Embora, nenhum grande dano tenha sido causado. O maior medo de ambos é perder um dos companheiros de viagem. Não quis ser tão explícita. – mostrou os dois.
Skadi tentava acalmar Kale, o qual parecia mais nervoso do que nunca estivera. Pareciam ter caminhado por dias, o ivoriano trazia uma leve irritação na fronte.
— Então, se eles não venceram os próprios desafios, significa que não saíram do Labirinto? – sua voz era alarmada.
— Todos saíram do Labirinto Entremontes, meu campeão. Alguns medos devem ser vencidos fora dessas paredes, a um prazo mais longo do que o requerido de você. Todavia, só você receberá o prêmio. – estendeu a mão para ele.
O amaranto ainda estava apreensivo, mas ainda assim tocou na mão enluvada da Dama. O jovem sentiu seu corpo ser puxado para cima numa velocidade assustadoramente alta, viu as estrelas como borrões, parecia que estava prestes a encontrar uma delas. A mulher ao seu lado permanecia plácida e serena, como se estivessem em um passeio no bosque.
— Chegamos. – o projeto de estrela informou.
Estavam em cima de uma nuvem, o rapaz olhou para baixo e sentiu uma tontura. Podia ver todo o desenho do labirinto dali, até o resto da expedição era alcançável naquele ponto. Uma visão privilegiada, caso não estivesse temendo que as nuvens embaixo de seus pés se desfizessem e lhe deixassem cair sem barreiras.
— Zaire. – ouviu a voz familiar chamar.
Involuntariamente uma lágrima saiu de seu olho que possuía uma cicatriz, era ele quem o chamava.
— Pai. – virou-se para a fonte das palavras.
— Você é um campeão, afinal. – o homem falou, abraçando um filho de maneira terna.
Jawari era calvo e tinha a pele tão escura quanto a do filho, usava suas roupas habituais de quando era vivo. Uma barba escura que começava a ficar branca tornava seu rosto partenal, assim como as rugas marcadas ao redor dos olhos.
— Pai, por que você se foi? – o rapaz chorava no ombro do homem.
— Eu havia completado minha sina, meu filho. – passou a mão das costas dele.
— Deixou sua família desamparada. – soluçava, olhando para os olhos tão dóceis.
— Deixei-a sob sua proteção, Zaire. E você se saiu muito bem, mais que isso tem sido o melhor para sua mãe e irmã. – consolou.
— Sinto saudades. – enxugou o rosto.
— Eu também, mas sinto sobretudo orgulho do homem que se tornou. Siga com a cautela e instrumentalize seu medo. – afastou levemente o filho. – Ser um herói não é se tornar um mártir, mas saber o valor de um sacrifício.
Os dois se abraçaram mais uma vez, envolvidos num gesto terno e gentil. Zaire fechou olhos com força, querendo fazer aquele momento eterno. Todavia, sentiu seu pai sumir de seus braços e quando abriu os olhos outra vez, estava de volta no Labirinto segurando a mão da Dama Alabastrina.
— Isso foi real? – perguntou ainda em choque.
— Sim, meu campeão. Tudo que viu foi real, fizemos uma curta visita à entrada do limbo no Páramo. Podemos seguir para resgatar seus amigos? – o rapaz assentiu.
A Dama Alabastrina teletransportou os dois para o ponto, no qual Skadi e Kale estavam. Os dois se assustaram com a repentina presença, o palladiano esmagava a flor manchada pela milésima vez. Estavam ambos quase conduzidos pela insanidade.
— Vencemos o labirinto amigos e conquistamos o fragmento. Venham conosco, assim sairemos desse lugar. – o amaranto anunciou.
Ivoriana e palladiano choravam de felicidade, trocando abraços apertados e pedindo perdões. Até Skadi não se importava em demonstrar emoções, o fim da tortura repetitiva era um evento válido para se perder o controle. Agora os quatro foram para o locatário, no qual as duas últimas Lectus estavam. No momento, em que chegaram a nuvem de mariposas sumiu. A Dama Alabastrina se aproximou das duas mulheres, tocando o rosto de Halina a tirando do transe.
— Não se entristeza Malya, sua habilidade mais uma vez foi certeira. A redenção está próxima. – consolou a morena aliviada ao ver a princesa se levantar. – Para você Halina, o real desafio começa após as paredes do labirinto.
Halina estava com olhos assustados, visivelmente afetada pelas visões que tivera. Seu coração doía, queria ver seu irmão o quanto antes. O grupo se juntou ao redor da Dama Alabastrina, curiosos com a figura etérea.
— O que você é? – Skadi indagou.
— Eu sou um projeto de estrela, um resquício de um núcleo estelar. Devem está familiarizados com presenças celestes. – proferiu solene.
— Um núcleo estelar. – Kale repetiu as palavras como se já as conhecessem.
— Foi um núcleo estelar que criou os cinco reinos que vocês conhecem, e todos os outros além dele. O núcleo é a parte mais pura e poderosa de um estrela, além de ser autônomo. Não obedece às mentes celestiais. – relatou formal.
— Por que está nos contando essas coisas? – Malya estava confusa com a exurrada de informações.
— Chegaram ao fim deste desafio, conquistaram o fragmento e um de vocês alcançou até um prêmio. – a criatura falava intimamente, ignorando a pergunta anterior. – Preparem-se, pois tudo se tornará mais árduo depois daqui. Este labirinto não é o único que usa de ilusões. A maldade se esconde atrás das boas intenções.
A Dama Alabastrina ficou no centro deles, enquanto eles seguravam as mãos uns dos outros. A mulher misteriosa começou a levantar o véu que cobria sua face, porém antes que seu rosto fosse revelado, seu corpo se desfez numa névoa pura que envolveu o grupo de forma reconfortante, levando os Lectus de volta para a entrada do labirinto. No centro, ao invés da mulher estava o fragmento.
— Mais árduo? – Zaire repetiu para si mesmo, pegando o objeto que estava no chão.
— Princesa, eu sinto por não ter esperado por você no labirinto. Se eu tivesse sido mais atenciosa...– Malya começou cabisbaixa.
— Está tudo bem, Malya. – disse o nome da outra pela primeira vez. – Sei que fez o possível para me ajudar, o que eu enfrentei foi necessário.
— Estão todos bem? – Arden veio correndo na direção deles.
Eleina chegou logo em seguida abraçando o irmão mais novo, depois repetiu o gesto com Skadi. A felicidade do trio era contagiante.
— Arden, venha. Vamos conversar. – a princesa pegou o irmão pelo braço, afastando-se dos outros.
Obviamente, o resto da expedição ficou tentado a saber o conteúdo da conversa dos dois membros da realeza, embora soubesse que a discussão era íntima e pessoal. Seguiram para perto do acampamento, no qual os animais que serviam de transporte pastavam relaxados. O bosque prosseguia com sua beleza, Zaire iniciou uma narração cautelosa do que a Dama lhe disse, omitindo as informações relativas aos desafios individuais, não queria expor nenhum dos colegas. Então, relatou de maneira mais delicada que podia.
Halina e Arden estavam alguns metros de distância deles, espaço suficiente para que não ouvissem o conteúdo da conversa. O príncipe ficou aflito com a seriedade da loira, ela não costumava tratá-lo com tanta sobriedade, exceto quando explodia de raiva. Em geral, nos últimos anos, desde a morte da mãe, os dois haviam mantido uma distância respeitosa.
— Sei o que aconteceu. – começou ela, sentando-se na relva.
Arden imitou a ação, ficando ao seu lado.
— Não compreendo. – arqueeou as sombrancelhas confuso.
— Eu vi a morte da mamãe. – segurou a mão dele.
— Halina, eu posso... – afastou o toque com movimentos trêmulos.
— Arden, eu entendo. – insistiu na aproximação. – Eu entendo. Fizestes o que era necessário, deste misericórdia para nossa mãe. Eu nunca seria tão forte para tal coisa.
— Eu juro que não queria fazer aquilo. – suas órbitas estavam cobertas por uma camada de lágrimas. – Se eu soubesse uma forma de salvá-la, ainda que custasse minha vida, eu teria feito.
— Eu sei. Não tivestes escolha. Tomaste a decisão correta, ela pediu o próprio fim. – a princesa também chorova.
— Se eu tivesse sido mais cuidadoso...– lamentou-se.
— Não, Arden. Não se culpe mais por isso. – olhou firme para o irmão. – Se tivesse me contado desde o início, teria sido tão diferente...
— Não quis que soubessem a verdade, deves se lembrar da mamãe real, não daquela dos últimos suspiro. – explicou, suas orbes azuis límpidas como o céu azul.
— E guardou toda a dor para si, tendo que viver na solidão. Eu fui uma irmã negligente, egoísta e não estive ao seu lado. – assumiu.
— Tolice, tu nunca me culpaste. – discordou com veemência, tocando no ombro dela.
— Conquanto, nunca lhe defendi a dor do papai. Eu não deveria ter me afastado de ti, afundei-me no meu próprio luto e ignorei o seu. Tu, meu irmão, viveste a pior das dores. Era quem merecia apoio e não a fúria ou indiferença que lhe foi dada. Perdoe-me, Arden. – cada sentença era preenchida de sinceridade.
Os dois se abraçaram em meio ao pranto, sentindo a ligação fraterna se estabelecer mais uma vez. Sentiam-se como as crianças que um dia brincavam tão ingênuas nos jardins reais, nas fantasias heróicas e distantes. Os primeiros passos de Nesrin, os bailes dançantes, a mãe os colocando para dormir... Tudo isso parecia ter se rompido com a morte da Rainha Kaira, porém com a jornada novos fios de elo fraterno se ligavam, insistindo na luta contra o sofrimento. E agora, uma corda forte e robusta prendia os dois juntos outra vez.
— Resgataremos Caspian, minha irmã. É uma promessa. – tocou no rosto dela.
Recuperando-se das crises de choros, começaram a se aproximar dos outros, os quais conversavam animados. Keisha encarou os smaragdinos inquisidora, montando suposições em sua mente afiada. Malya permaneceu abatida, fraca de vontade.
— A realeza é realmente chorona. – Aryeh debochou, notando os olhos vermelhos.
Eleina deu um soco no braço do novoivoriano que reclamou com o golpe, desculpando-se logo em seguida pelas palavras grosseiras. Não fizera por mal, ele era naturalmente bruto. Kale foi na direção da princesa, dando-lhe um lenço, o qual foi bem aceito. Zaire repetiu mais uma vez a narração para os recém chegados, tomando os mesmos cuidados que na vez anterior. Os smaragdinos escutaram atentos, o príncipe traçava uma estratégia e esforçava a mente para mente para compreender o que a Dama Alabastrina quis dizer com tantas recomendações.
— Não gosto dos modos das criaturas mágicas que enfrentamos até aqui, sempre nos dão conselhos muito subjetivos. Do que nos valem palavras tão multifacetadas?! – Skadi reclamou.
— Acho que dizer tudo literalmente seria interferir no destino, sendo assim os Lectus não seriam plenamente testados. – Eleina argumentou.
— Mais testado do que já fomos? A Dama ainda disse que as coisas ficariam mais árduas, temo o que mais irá nos encontrar no caminho. Devemos ser cautelosos. – Zaire interveio.
— Ainda há a última frase dita por ela: Este labirinto não é o único que usa de ilusões. – lembrou a princesa.
— Para mim, fica mais claro a cada instante que há um traidor. Mago Idrovras pediu atenção, a Dama repete o mesmo conselho... Alguém de Lucem está do lado de Nocti. Precisamos mais do que nunca saber a identidade do afanador. – Arden afirmou convicto.
— Malya, você disse que o ladrão recitava os cânticos do Vale. Será que não pode descobrir mais nada além disso? – a princesa falava respeitosamente com a celosiana, uma mudança sútil no tratamento.
— Infelizmente, não. Como eu disse, a magia dele era muita forte. Poderia ter matado a todos nós em Vividae naquele dia, mas por alguma razão não o fez. – continuou acuada.
— Ele precisa de nós vivos, assim servimos de caçadores de fragmento. O afanador planeja nos atacar mais uma vez, acredito que depois de pegarmos a última parte do Coração de Dália. – o smaragdino supôs com maestria.
— E por que ele não nos atacou outras vezes? Para pegar os fragmentos que já temos. – Skadi indagou um pouco cético.
— Porque ele não esperava que eu soubesse mágica. Provavelmente conhece pouco dos poderes das Feiticeiras, o que fez com que ele recuasse, ao invés nos fragilizar pouco a pouco. – Malya refletiu, arrumando-se no chão.
— Então ele pretende nos dá um único e mortal golpe. – Zaire completou apreensivo.
— E se ele conseguir, não haverá mais Lucem para defender. Com o Coração, Tenebris será imbatível. – Kale desfez o sorriso.
— Desse modo, não temos tempo a perder. Amanhã cedo, partiremos para Celosia. Será nosso desafio final. – Arden se levantou, dizendo com determinação.