४ L o k i ४
Estava acordado há muitas horas. Na verdade, dormi tão pouco durante a noite, dividindo o sono em pequenos fragmentos que sequer posso comparar à um simples cochilo. Mas, de qualquer forma, não tinha a mínima coragem para levantar. Ainda mais sabendo da grande possibilidade de encontrar Thor por aí. Ou Talissa, o que era ainda pior.
Eu não me arrependia de tê-la beijado. Foi um dos melhores momentos que tive com ela desde que chegou aqui, mas eu tinha receio. Costumo afastar as pessoas de mim, as vezes mesmo sem querer, e não quero que isso aconteça com ela. Talissa foi a melhor amiga que fiz em muitos, muitos anos. A única, além de minha mãe, que não me trata como o monstro que eu sou. Ou que guardo em mim. Já não sei mais.
Também achava que havia dado esse passo cedo demais. Eu estou interessado por ela, isso é um fato irrefutável, infelizmente. Ela me conquistou desde o primeiro momento em que a vi. Eu senti medo com a possibilidade de perdê-la mesmo sem saber quem era ela. Senti um alívio tomar meu corpo quando soube que ela estava bem. E uma felicidade enorme me dominou quando eu percebi que ela preferia minha companhia à de meu irmão.
Não estou e nem quero competir com Thor. Sei que não teria chances, não importa o que façamos. Somos o total oposto um do outro. Mas não posso negar, nunca, que fiquei feliz ao saber que Talissa não se agrada com ele. E pra completar, senti ciúmes, talvez, quando vi ambos conversando afastados. E a notícia de que Thor iria treiná-la não foi de meu agrado. Nem um pouco. Mas o que eu poderia fazer?
Eu estou perdendo a cabeça.
Enlouquecendo completamente por conta de uma midgardiana!
Uma deusa.
Uma fênix.
Uma mulher mítica.
Ah, mas é uma mulher que mexeu comigo de uma forma que sempre achei impossível!
Mas que merda!
— Loki?
— O quê? — Perguntei assustado e irritado, olhando na direção da porta e vendo minha mãe adentrar o quarto. — Me desculpe, o que disse? — Perguntei mais calmo.
— Chamei tantas vezes, achei que não estivesse aqui.
— Oh.. Eu estava pensando...
— Pensando em quê? — Perguntou interessada. — Em quem? — Se corrigiu, ao perceber que eu estava enrolando para falar. Era impossível esconder algo dela.
— Ninguém importante.
— Tem certeza? Ela parece dominar sua mente.
— Mais do que eu gostaria. — Admito, rolando os olhos ao ver seu sorriso.
— Pretende contar?
— Não.
— Ela parece gostar de você. Não pense que não reparei. As duas últimas semanas vocês passaram juntos.
— Ela precisa de companhia. Somos amigos, só isso.
— Sabe, eu também fui uma grande amiga de seu pai. Assim como Thor foi amigo de Sif.
— Não faça comparações, minha mãe. Nossa situação é diferente.
— Por quê?
— Ela não pertence ao nosso mundo e em algum momento terá que retornar para casa. — Disse, mais pra mim do que para minha mãe. Eu precisava entender isso. Não podia me apegar, não tínhamos chances.
— Garanto à você que ela fica se tiver um bom motivo. — Ela disse, esperançosa, mas eu ignorei.
Não queria encher minha cabeça com falsas esperanças. Sei que o que sinto por Talissa não é forte o suficiente para mudar sua vontade de voltar para o seu mundo, para sua família. E eu não permitirei que se torne um sentimento maior. Não posso.
— Não a afaste de você. Eu sinto que fazem bem um ao outro.
— Somos só amigos. — Disse, evitando o olhar dela. Ela saberia que estou mentindo.
— Ela sentiu sua falta hoje no café. Sentou em uma cadeira após a minha, esperando por você. — Ela conta, se distraindo tirando os pêlos da manga da minha blusa. — Vai começar à treinar com Thor hoje. Pediu para lhe avisar se o visse. Quer que vá acompanhar pois está nervosa.
— Talvez mais tarde eu passe por lá.
— Pense com carinho. Se não se sentir bem, me procure. Podemos praticar alguns feitiços. — Ela sugere, me confortando e eu sorrio, assentindo. — Agora vá comer algo.
— Eu irei. Só... Me dê um tempo.
— Tudo bem. Espero vê-lo no jantar.
— Não prometo nada.
Com um sorriso calmo, minha mãe se retirou do quarto, respeitando meu pedido. Queria ir comer, mas não sentia fome. Não tinha nenhuma necessidade que não fosse ir até Talissa e beijá-la novamente. Aquele fora de longe o melhor momento que havia passado esses dias. O momento em que finalmente me senti vivo de novo. Que percebi que havia uma razão pela qual tentar. Ela acreditava em mim e era isso o que bastava. Mas agora eu tinha medo de ter estragado tudo.
Eu sempre faço isso.
Antes que meus pensamentos me tirassem do sério, me transfigurei em um corvo, saindo do meu quarto pela grande janela lateral. Voei até o campo de treinamento, onde a vi. Estava sorridente enquanto conversava com Thor e prendia uma armadura de cobre no braço. Os dois pareceram conversar sobre o treino e ficaram frente à frente. Logo raios começaram à emanar dos braços de Talissa. Thor fez o mesmo, e lançou o seu pequeno raio para o chão, fazendo faíscas azul cintilantes saírem ao redor dos dois.
Talissa tentou direcionar os seus raios, mas os mesmos sequer deixaram seu corpo, Ela tentou várias e várias vezes, até que os raios tomaram uma coloração vermelha. Como eu imaginei, relacionados à raiva. Ela parecia triste agora. E Thor lhe consolava. Me deixava inseguro vê-lo tão perto dela, mas eu não tinha motivos para sentir isso. Eu sequer tinha motivos para sentir ciúmes. Talvez eu só... Ah, não quero pensar nisso agora.
Me distraí por tempo suficiente pra não perceber que Thor havia me visto, e provavelmente me reconhecido. Me olhava com um meio sorriso, talvez pensando se diria ou não à Talissa que aquele animal estranho era eu. Por via das dúvidas, preferi me afastar, voltando para o meu quarto e retornando à minha forma humana. Decidido à tentar ignorar esse sentimento o máximo possível, saí do quarto, indo em direção à cozinha do palácio. Peguei uma maçã verde e segui para o Jardim, carregando um livro de magia comigo.
— Imaginei que viria aqui. — Ouvi a voz de Thor e vi o loiro no banco onde eu costumava ficar.
— O que quer?
— Quero que seja sincero, irmão. Por quê não me disse que tinha interesse na deusa?
— Eu não tinha interesse.
— Então a beijou só por diversão? Não parece algo que você faria. — Rebate, insatisfeito com a resposta. — É bom ver que está tentando.
— É só isso que tem pra falar?
— Na verdade, não. Nosso pai quer que ela lute com Volstagg amanhã. Mas... Eu a achei tão instável hoje.
— Talvez tenha acontecido algo.
— Ou ela ficou abalada com o seu beijo... — Brinca e eu reviro os olhos, já tomando o rumo de saída daquela conversa. — Tudo bem, tudo bem. Estou falando sério agora. Ela está abalada com algo.
— Talvez seja por conta do pai dela.
— Ela descobriu quem é? — Perguntou e eu apenas assenti. — Estou curioso... Será que é algum deus do fogo?
— Não sabemos ainda.
— Você já sabia? Isso é injusto.
— Eu estava com ela quando ela descobriu.
— Você está com ela todo o tempo... Bom, independente do que for, ela só pode lutar com Volstagg se estiver bem. E pra checar isso, ninguém melhor que o melhor amigo dela, certo?
— Era isso que queria o tempo todo? Por quê você não vai?
— Eu seria invasivo. Você sabe conversar, persuadir. Sabe usar seus truques.
— Eu não uso "meus truques" com ela.
— Uh, ok... Então tente ao menos distraí-la. Ela tem que dar seu melhor amanhã. Volstagg é durão.
— Está torcendo contra o seu amigo?
— Estou torcendo à favor de quem tem mais potencial. Ela bateu Hogun em menos de cinco minutos. — Disse, me fazendo lembrar da luta. — Por favor, irmão...
— Não prometo nada. — Disse, me rendendo. — Agora, pode me deixar em paz? Sua noiva ciumenta deve estar te procurando.
— Você ainda odeia Sif?
— Sif ainda me odeia? — Rebati, corrigindo sua pergunta, e o vi comprimir os lábios. Dei de ombros, entregando minha resposta e ele assentiu.
Finalmente sozinho, pude abrir o livro e recomeçar minha leitura. Quanto mais páginas eu passava, mais eu me cansava. Meus olhos mal se mantinham abertos. O fato é, eu não dormi nada essa noite. Não consegui pregar os olhos pelo tanto de ansiedade que passava no meu corpo. Toda a noite, madrugada e manhã foram deixadas para pensamentos e leituras, e agora eu mal conseguia ficar de pé. Talvez um cochilo não faça mal...
Sentia mãos tocarem meu ombro e rosto. Mãos suaves e quentes que me fizeram despertar lentamente. O céu escurecia, trazendo consigo a noite, e na minha total visão estava Talissa. Vestia sua roupa de cobre e couro, agora mais amarrotada. As asas estavam à mostra, em tons de um amarelo vibrante. As penas balançavam conforme o vento soprava nelas. Minha visão logo esbarrou nos olhos curiosos e amarelos como uma brilhante luz, me fazendo querer sorrir. Foi por pouco.
— Achei que teria que jogar uma água fria em você.
— O quê?
— Te chamei diversas vezes. Parte de mim também pensou que estava desmaiado.
— Eu estou bem, apenas acabei dormindo demais.
— Tudo bem, acontece. — Me conforta e ficamos em silêncio. Não por muito tempo, claro. — Posso lhe fazer uma pergunta?
— Claro.
— Esteve me evitando hoje? — Ela é direta.
A resposta deveria ser um sonoro "não faço ideia". Estive evitando ela. Estive me evitando. Estive evitando meus pensamentos e sentimentos... Evitei tudo o que pude hoje, exceto a irritante petulância de Thor, mas já havia aprendido a conviver. O fato é, eu não sabia o que responder e tinha medo que ela tomasse meu silêncio como um sim, então balbuciei qualquer coisa.
— Claro que não. — Minha voz saiu falhada, me entregando.
— Loki... Eu sei que não tive a melhor reação depois do beijo mas... Eu fiquei perdida. Assim como talvez você também tenha ficado. Foi algo tão diferente pra mim.. Eu só esperava poder conversar com você pela manhã. Te esperei na mesa do café mas você não foi. Pedi que Frigga lhe avisasse sobre meu treino com Thor, mas você também não apareceu... Eu sei que esteve me evitando. Não minta.
Aquele era um pedido um tanto inusitado à se fazer para alguém que é chamado pejorativamente de deus da mentira. Mas ela não precisa saber. Não agora.
— Não estive. Me desculpe, não quis passar essa intenção. Eu só estive ocupado com alguns estudos à mais. — Digo. Era uma meia verdade. Eu havia estudado por toda a madrugada, exceto pelos momentos em que eu relaxava e me permitia descansar um pouco.
— O que esteve estudando?
— Introdução à magia da lua. Minha mãe quer me ensinar mais alguns feitiços. — Explico, vendo seus olhos caírem no livro em meu colo.
— Ahm... Eu... Ah, esquece. Depois eu explico. — Diz, se embaralhando nas próprias palavras. — Vamos para o palácio? Preciso de um bom banho antes do jantar.
— Algum progresso no treino?
— Nenhum. Estresse e apenas isso. Algo que já vive em mim.
— Com o tempo você melhora. Eu acredito em você. — Repito suas palavras e ela ri de uma forma engraçada.
— Usando minhas palavras contra mim, Loki, filho de...?
— Laufey.
— Isso, sempre soube. — Ela brinca e eu sorrio.
— Estou sim. Não há nada que possa fazer contra. — Digo e ela da de ombros, sacudindo as asas, tirando um pó cinzento delas. — A noite será linda mais tarde. — Avalio, olhando as estrelas que começam à aparecer.
— A lua que circunda Midgard é a mesma que esta?
— Sim. Embora existam mitos que diferenciam ambas, temos diversos motivos para crer que é a mesma.
— Então há algo que preciso lhe mostrar!
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Eu e minha mania de acabar o capítulo já arrastando pra outro...
Princesas do meu viver, espero que tenham gostado. Último capitulindo do ano e foi essa belezura aí, nosso príncipe quase conformado sobre estar apaixonadinho.
O quê acham que a Tali quer mostrar à ele? Vem aí mais um dos diversos poderes e habilidades da nossa lindona!
Já aproveito pra desejar um feliz 2021 pra vocês, provavelmente não vou aparecer aqui até amanhã pra publicar capítulo do outro livro com o Tom - que a propósito, quem não conhece vai lá conhecer, batemos 5,20K ontem!
Anyway, desejo muita luz na vida de vocês, tudo de bom, etc e etc! Curtam bastante com a família, amigos ou sei lá onde vão passar o réveillon, e esperemos que 2021 não traga um ragnarok, de ano ruim já basta esse!
Um beijão pra todas, se cuidem e fiquem bem!
💚