Não sei a quanto tempo estamos assim. Ou por quanto tempo ficaríamos, se não fosse um som bem familiar chamar nossa atenção. Um paraquedas. Institivamente sei que é de Haymitch.

— De quem você acha que é? — Katniss pergunta, após ninguém fazer menção para pegar.

— Quem sabe — Finnick responde. — Por que não deixamos Peeta ficar com ele, já que ele morreu hoje?

Não penso duas vezes antes de avançar sobre o pequeno objeto de metal, e retirar o quem dentro dele. Ergo, a pequena peça, sem saber o que é. É tubo de metal oco, levemente estreito numa extremidade. Na outra há um pequeno lábio curvado para baixo.

— O que é? — Katniss pergunta.

Mas ninguém sabe. Passamos de mão em mão. E nada. Haymitch não nos mandaria algo inútil. E visto que nossa única dificuldade está sendo em achar agua, só pode ser algo relacionado a isto.

Katniss pega o objeto de minha mão pela vigésima vez, e eu percebo sua fúria crescer, por não conseguir identifica-lo. Vencida, ela soca o objeto contra a terra, e se deita de bruços, no chão, tensa, irritada e quase morta de sede. Assim como todos nós. Massageio, lentamente suas costas, desejando em vão sugar toda sua tensão para mim.

— Desisto. Talvez se nós encontrássemos Beetee ou Wiress conseguiríamos descobrir o que é isso – ela bufa.

Permanecemos em silêncio, com a terrível constatação de uma desidratação iminente. Apesar de já ser noite, o calor ainda é quase insuportável, o que só aumenta nossa sede.

- Uma cavilha! – Katniss grita de repente, e se levanta abruptamente.

- O que? – Finnick pergunta.

Olho para ela, confuso, e quando me levanto, uma tontura me faz perder o equilíbrio. Mas ela não percebe, tamanha a sua excitação.

Katniss arranca o objeto do chão, e o analisa. Seus olhos ganham vida.

— É uma cavilha. Um tipo de torneira. Você o coloca numa árvore e seiva sai. — ela olha ao redor, para as estranhas árvores. — Bem, o tipo certo de árvore.

— Seiva? — pergunta Finnick, confuso. Talvez no distrito 4 não tenha isso. Mas eu sei bem do que ela está falando. Meu pai usava muito isto.

— Para fazer xarope — explico. — Mas deve haver algo mais dentro dessas árvores.

A perspectiva de haver água dentro dessas árvores, é avassaladora. Mas, tudo se junta, como num quebra-cabeças. O fato de não haver lagos. O roedor. A umidade. Obrigada Haymitch.

Finnick imediatamente pega a cavilha, para martela-la numa árvore, mas Katniss o impede.

— Espere. Você pode danificá-la. Precisamos fazer um buraco antes — ela diz.

Olhamos ao redor procurando algo para fazer isso, quando meus olhos se deparam com o furador de Mags. Perfeito. Começo a fazer o buraco, mas estou mais fraco do que eu imaginava. Finnick tem que terminar de fazer, e eu me pergunto se Katniss realmente não está percebendo isso. Quando o buraco está feito, ela insere a cavilha delicadamente, e todos nós nos afastamos, com medo de que não haja agua alguma ali. Se isso não funcionar, não sei como continuar.

Nada acontece. Eu me recuso a acreditar nisso. Mags estende a mão embaixo da cavilha, ansiando mais do que todos, por haver alguma coisa ali. É quando uma gota cai. Ela lambe sua mão, e sorri, constatando que é água. Katniss ajusta a cavilha e logo temos um jorro estreito de água. Nos revezamos para beber, e é quase surreal o contato da água com minha língua áspera. A água é quente, mas o que se podia esperar de um lugar assim? Quando bebemos até ficar saciados, nos limpamos um pouco. E agora, consigo perceber o quão debilitado estou. Uma vontade insana de dormir me invade, e mesmo que eu não queira, é mais forte do que eu. Finnick se oferece para ficar de guarda. Katniss protesta, e eu permaneço calado, pois é quase certo que eu iria dormir colocando a vida de todos em risco. O quão inútil eu ainda posso ser?

Katniss, que também está cansada, acaba não resistindo muito, mas aposto que ela não conseguirá dormir, sabendo que Finnick pode nos matar se quiser. Diferente de mim, que luto em vão contra meus olhos, que teimam em se fechar. Katniss se deita ao meu lado no chão da cabana, e em questão de minutos, adormeço, com um medo enorme, de não voltar a acordar.

Parece que fazem apenas alguns minutos que adormeci, quando escuto Katniss gritar. Me levanto com meu facão nas mãos, e olho ao redor assustado. Não vejo Mags, sequer Finnick. Mas Katniss está diante de mim, gritando. Eu não consigo ouvi-la. Ela gesticula para mim, está desesperada. Olho para os lados e vejo apenas uma neblina muito espessa vindo em nossa direção. Katniss agarra meu braço e me empurra. Então eu entendo. Tenho que correr.

— O que é isso? O que é isso? — pergunto, perplexo.

— Algum tipo de nevoeiro. Gás venenoso. Depressa, Peeta!

Eu tento acompanha-la, mas é quase impossível. Minha visão está turva, e minha cabeça parece girar. Meu peito dói, de uma maneira absurdamente insuportável. Cada passo que dou, faz com que eu quase caia. Sinto a neblina se aproximando. Tento dizer para Katniss correr, e me deixar, pois não consigo ir adiante. Mas não consigo. Pela minha garganta, sobe um líquido com o gosto terrível, e eu me vejo forçado a engoli-lo. Algo atinge minhas costas. Meu rosto. Queima. Dói. Sinto minha perna cedendo. Não tenho mais controle sobre a artificial. É quando me enrosco num emaranhado de cipós, e caio no chão. Katniss tem que sair daqui. Gesticulo para que ela corra, mas ela tenta me levantar. É como se meu corpo não me pertencesse, pois não exerço mais nenhum tipo de controle sobre ele. Sinto apenas a dor. Meus olhos lacrimejam, e minha cabeça pesa. Só consigo pensar em duas coisas. O presidente Snow começou seu ataque para nos matar. E ele irá conseguir, pois eu estou definitivamente, morrendo. 


Em chamas - Peeta MellarkWhere stories live. Discover now