Odeio o meu trabalho - Merle

Começar do início
                                    

- Não acho uma boa ideia você sair por aí pegando o filho dos outros.

Enquanto ele balançava de forma leve o bebê, sem tirar os olhos da criança, Keir me respondeu.

- Sabe Keres. O meu maior sonho sempre foi ser pai. E sem querer me gabar, nem nada, mas eu seria um ótimo pai.

- Sim. Claro. Um pai ladrão, sem um centavo e que vive pelas ruas.

Ele me olhou com uma cara de tédio.

- Eu mudaria, tá legal? Iria querer ser um pai muito melhor do que o que tive. Não que isso seja muito difícil. Já que ele nunca estava lá... Eu arranjaria um emprego. E construiria uma casa num belo campo. E viveria feliz lá. Depois de um tempo, plantando e colhendo tudo o que produzisse. Uma vida simples, mas com amor. Eu, minha esposa e meus filhos. Por mim só precisaria disso. Amor.

Revirei os olhos.

- Larga a criança. Atarah deve chegar em pouco tempo.

Após Keir colocar a criança novamente no berço, ele deu um aceno de despedida e falou baixinho enquanto nos afastávamos.

- Tchau bebê.

Ficamos parados no meio do salão esperando a rainha. Soube que ela estava chegando quando empregados apareceram para tirar as crianças. Os guardas que antes haviam saído agora estavam de volta. Será que eles pensavam que éramos incapazes de fazer qualquer ato violento perto de crianças? De roubar ou coisa assim? Se for isso, são realmente ingênuos. E não me surpreende em nada os rebeldes terem conseguido matar os reis.

Quando Atarah entrou no salão ela era exatamente o que diziam, bela e letal. Sua postura era a de uma rainha. E seus olhos... Os olhos de uma deusa. Seu vestido era branco, completamente esvoaçante e sua coroa era digna de seu cargo. O andar era decidido e nada nela demonstrava que estava com medo. Era diferente da menina que há anos atrás havia conhecido na cozinha, essa versão é mais impiedosa. Assim que ela parou em nossa frente, fizemos uma reverência bonita. Não é todo dia que vejo a rainha, muito menos uma deusa viva.

- O que quer me dizer, assassina. - Não era uma pergunta, e sim uma ordem.

- Adenna. Acho que ela descobriu algumas coisinhas.

Isso foi o suficiente para a rainha dispensar os guardas, eles saíram relutantemente. Ninguém pediu nossas armas, o que foi uma surpresa, acho que por temos parado na fortaleza para tomar um banho, após quatro dias de viajem exaustivos e limpar as lâminas, mas eu não atacaria Atarah, até que gostei dela, de seu jeito.

- Prossiga, Keres.

- A deusa que guia Adenna a mandou ir para Aloisia. Isso quer dizer que algo acontecerá lá. E os meus deuses me mandaram avisá-la que devemos ir para lá. Acho que ela parte amanhã. Sugiro que façamos o mesmo. Se ela seguir a estrada, levará dois ou três dias...

- Por que deveria confiar na palavra de uma assassina?

- Pois sei que Adenna tem poderes, e só você e seus pais sabiam de tal coisa. Do fogo dela. E Atarah. Eu gosto de você, acho que você não é ingênua, que não é controlável e que tem um senso de humor mais parecido com o meu. A pobre Adenna é uma peça tanto do divino quanto do tutor, ela é tola de mais, infantil e... E não acho que seria rainha, seria um mero fantoche.

- Posso confiar na sua palavra desta vez Keres, mas se tentar me emboscar, se tentar me trair... - A rainha riu. - Eu não mato apenas você e seu amiguinho, mas todos aqueles que um dia você conheceu.

O início foi sério, mas o final da promessa foi vazia. Com um sorriso respondi.

- Conheço muitas pessoas, Alteza.

- E eu também, e que adorariam ser pagas para matar... Venha. Junte-se a mim para o jantar, se será minha aliada, será tratada como tal.

- Obrigada.

E com isso fomos eu e Atarah andando lado a lado, conversando sobre política e sobre Melione. Keir correu para se despedir definitivamente do bebê e então nos alcançou, mas mesmo assim ficou três passos para trás.

Nunca me diverti tanto conversando com alguém como me diverti com a rainha. E nunca contei tantas histórias de minha vida como hoje. Não existe jeito melhor de se ganhar a confiança de alguém do que se abrindo e contando experiências. E realmente quero ser aliada de Atarah.

Após horas de conversa me despedi e fui guiada por um guarda para um quarto, Keir por algum motivo inexplicável me seguiu.

- Por que nunca me contou todas essas histórias?

- Atarah será minha aliada por causa delas.

- E eu sou o que? Conte-me Keres. O que eu sou seu?

Parei de andar e me virei para o ladrão.

- Você é meu amigo. Não meu aliado, são coisas diferentes.

- Amigos devem arriscar a vida por você, mesmo que você não conte absolutamente nada sobre sua vida? Amigos são aqueles que devem se sacrificar por você sem que exista um único motivo? - Disse ele quase gritando de ódio no corredor, suas palavras tinham um gosto tão amargo.

- Amigos, Keir, é algo que eu raramente tenho, pois eles exigem tempo e cuidado. Meus aliados me oferecem coisas em troca de minha fidelidade, minhas amizades não me oferecem nada além de companhia, algo que realmente nunca fiz muita questão.

- Prefere que eu parta? - Toda a raiva que existia em sua voz foi substituída por mágoa.

Me aproximei e peguei em sua mão, isso o surpreendeu quase tanto quanto me surpreendeu.

- Não quero que você vá a lugar algum, mas não vou insistir para que fique. - Digo com indiferença na voz.

Isso o fez rir baixinho.

- Você é uma mulher difícil Keres, e acho que é por isso que gosto tanto de você... Ficarei com uma condição.

- Diga.

- Quero que me conte mais sobre você, sobre sua vida. Quero conhecê-la, para saber se vale apena morrer por você.

Indignada por ele possuir tal dúvida comecei.

- Claro que vale apena morrer por mim. Sou incrível! Bonita, esperta, habilidosa...

- Narcisista... - Completou ele com um sorriso brincalhão no rosto. - Boa noite, Keres.

Com um sorriso no rosto me desvencilhei de suas mãos que agora seguravam as minhas, enquanto caminhava disse sem olhar para ele.

- Boa noite, Keir.

A queda das rainhas do norte (Em processo de reescrita) Onde histórias criam vida. Descubra agora