Sangue sobre o mármore - Adenna

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   Meu pai entrou na sala, as tábuas de madeira rangeram quando suas botas pesadas tocaram o piso. Conforme ele adentrava a enorme sala, todos abriam espaço para que passasse, o silêncio foi se alastrando pela residência. Assim que ele se sentou em sua deslumbrante e velha cadeira de veludo vermelho, nós nos reunimos em torno dele, sentando no chão, dando a oportunidade das pessoas que estavam mais distantes de serem capazes de vê-lo também. Sempre me sentava muito próxima dele, religiosamente do lado esquerdo, próxima a lareira. Ele sorriu para mim quando viu a minha empolgação brilhando nos meus olhos. Era quase como uma religião, todo fim de reunião acabava do mesmo modo, com Cathan se sentando e contando algo que escutaríamos com toda a atenção possível, como se fosse o ensinamento da vida eterna. Geralmente ele contava histórias, ou finalizava planos para ajudar a população... Às vezes criava o fim da linhagem Kalliste. Naquela noite em específico não houve histórias, nem planos ou ideias mirabolantes... Não, aquela foi a noite mais marcante de todas, aquele tinha sido o dia em que havíamos recebido um convite, no caso, eu tinha recebido um convite, para o baile de aniversário de maior idade da princesa Atarah Kalliste.

   – Vocês sabem o que é guerra? Não uma batalha, batalhas são comuns, elas fazem parte das guerras. – Meu pai não olhava para ninguém especificamente, mas meu olhar acabou desviando para Alastair, que não havia saído do seu canto isolado, para escutar melhor, mesmo com Blyana Sinclair o tendo abandonado. – Aprendi uma coisa com os meus anos servido aos maiores assassinos do Norte... Sim, sim... Existem coisas para se aprender com aquelas pessoas pútridas. – Murmurinhos começaram, o sorriso amargo de Cathan me fez ajeitar a postura. – Uma guerra não é apenas uma guerra, nunca se tratou apenas de pessoas com ideais diferentes que levantam suas espadas para resolver um conflito, não... Isso seria simples demais. Você mata na guerra porque seu inimigo é inferior, porque ele não é igual a você, ele é um estorvo... Ele é inútil, um desperdício. Você morre na guerra por alguém que você não conhece, boa parte das vezes sem saber o motivo de estar lutando. Você apenas luta. Guerra nunca foi apenas guerra, sempre foi um extermínio. Um bem seleto. Nobres não morrem em guerras, não... Eles as assistem de longe. Você que morreria nela. – Disse o velho apontando para mim. – Você é importante para nós, você tem mais valor, Adenna? Quantas vidas valem a sua? Quantas pessoas morrerão por você? Quantas você está disposta a sacrificar? – Todos olharam para mim, o que fez com que me encolhesse. – Entende? Seremos nós que lutaremos, que derramaremos o nosso sangue, mas estou disposto a fazer isso por você. Essa é a diferença crucial entre eles e nós, nós fazemos isso pelo o que acreditamos, eles fazem isso porque não é o sangue deles que estará sendo derramado. Os ricos não vão à guerra, eles não lutam pelo o que querem, eles nos mandam lutar! É um extermínio de pessoas pobres e desesperadas, isso é uma guerra!

   Todos vibraram com meu pai, com ódio fervoroso em seus olhos, sem suas vozes. Até mesmo Blyana, que costumava ser bem contida, estava vibrando e serrando os punhos. Não desejava uma guerra, jamais, pois acreditava que a minha vida não valia mais do que a de ninguém, muito menos a de pessoas como eles, que eram queridas para mim... A questão era... Será que Atarah pensaria desse mesmo modo? Não... Atarah se considerava um presente dos deuses, uma escolhida. Nunca em toda a sua vida esteve abaixo de ninguém. O valor de nada e nem ninguém chegaria ao seu, ela era a coisa mais valiosa de todas. Vidas podiam ser vidas para mim, mas para ela... Vidas eram peças, elas tinham um preço, é claro... Só que o valor da vida dela, da princesa, da futura rainha... Era inominável. Essa era a diferença entre nós, eu sabia o preço e jamais estaria disposta a pagá-lo.

   – Podem-se ser vividos anos em guerra, já que nunca será o sangue do monarca a ser derramado em batalha. Vidas! Eles estipulam valores a vidas, valores baixos, histórias recebem um fim por causa deles! Enquanto eles dormem tranquilos em suas propriedades luxuosas, nós vivemos atolados em merda e sangue por anos! Uma guerra só acaba quando pessoas como Kalliste, os Dantara, os Melantha, os Audrina Lieve, quando os Everleigh. – O silêncio novamente voltou a engolir o ambiente, falar sobre os Everleigh sempre era um assunto complicado, sempre seria algo que afetaria aos Bruxos. – Quando não existe mais opção, eles abaixam a cabeça ou alguém irá abaixa para eles, mas isso não é fácil... Não, se fosse fácil não teríamos levado mais de três séculos para fazer um Everleigh aceitar que perdeu! Eles não se importam, nunca se importaram, mas essa guerra é nossa! São as nossas vontades, são os nossos futuros, nossas vidas, nossas histórias! Nós somos a escória que eles não conseguiram silenciar, somos a voz do povo, a real vontade dos deuses!

A queda das rainhas do norte (Em processo de reescrita) Where stories live. Discover now