Para completar o bingo das desgraças, sentia-se tão culpado pela morte de sua avó que mal conseguia lembrar do rosto dela, do que ela sempre dizia para confortar seu coração turbulento. Então ele era uma constante tribulação.

Era como se Taehyung tivesse esquecido parte de sua vida e não fizesse mais questão alguma de se lembrar, porque viver de lembranças felizes doía. Contudo, às vezes, ele ainda tinha pesadelos envolvendo aquela noite trágica, e nela via a decepção nos olhos de seu pai, enquanto assistia alguém o levando para longe, assim como sua avó.

Depois do ocorrido, Taehyung chegou à conclusão de que era merecedor de todas as coisas ruins que aconteceram em sua vida.

Quando ergueu os olhos no seu campo de visão, anuviado pelas chamas das lembranças o invadindo, viu na janela do ônibus que passava um rosto particularmente conhecido. Cabelos negros, olhos inocentes que lhe encaravam de volta e uma expressão tão perdida quanto a sua.

Foi despertado quando sentiu algo molhado atingir seu rosto, e então forçou-se a abrir os olhos, as pálpebras pesadas, o corpo reclamando da posição estranha sobre o chão gelado. Aos poucos, raios de lembrança e reconhecimento de onde estava começaram a aparecer em forma de pontadas em sua cabeça. Olhou em volta e concluiu estar num banheiro, a água de algum vazamento escorrendo até seu rosto. Sujo, úmido e cheio de coisas que não fez nenhum esforço para reconhecer.

Estalou a língua no céu da boca, fazendo uma careta ao sentir o gosto amargo se intensificar na língua. Com esforço, conseguiu levantar, apoiando-se na banheira velha de porcelana que estava ali, as dores apertando cada músculo e o estômago revirando.

— Caralho.

O corpo doía como se tivesse levado uma surra, e ele não descartava a possibilidade de ter apanhado na noite anterior. Olhou-se no pequeno espelho imundo que estava preso à parede e quase quis rir da aparência desastrosa que viu. Os cabelos desgrenhados, as manchas roxas espalhadas pelo pescoço, olheiras profundas e, como cereja do bolo, um nariz sujo de sangue seco.

Jimin o mataria.

Óbvio que não conseguia se lembrar da noite passada, até porque já havia chegado bêbado o suficiente para não ter alguma responsabilidade e aproveitar como se sua vida estivesse boa demais para se preocupar com os dias seguintes. Tinha noção do que havia feito, mas as imagens pareciam borrões de um filme esquisito e sem sentido, com corpos e uma quantidade exagerada de drogas... Não importava.

Se Taehyung não se lembrava, ele não havia feito.

Deixou a casa de quem quer que fosse; devia ser de um desses amigos de Yoongi que apareciam na Toca tentando se enturmar.

Como não havia trazido sua moto, grunhiu frustrado quando percebeu que teria que andar alguns quarteirões até chegar em casa porque a bateria do celular havia morrido e ele não tinha muita noção de onde estava, isso significava um esforço e energia que não tinha.

Não fazia ideia do horário, mas provavelmente ainda era muito cedo, o céu rajado de azul riscado apenas por alguns tons mais quentes que ousavam aparecer.

Mesmo com a brisa fresca para aliviar na caminhada, ele estava começando a se sentir quente, meio tonto, o estômago pesado e a garganta assustadoramente seca. Resolveu passar na loja de conveniências do bairro antes de ir pra casa. Ao abrir a porta, ouviu o sino tocar, anunciando sua entrada.

Passou pelo caixa e pegou uma garrafinha de água e uma carteira de cigarro. Sua sorte era que havia uma nota dentro do bolso da jaqueta que era suficiente para pagar. Colocou os itens na esteira do balcão e, ao erguer os olhos, reconheceu aquele rosto de garotinho perdido.

A grama do vizinho nem sempre é mais verde (taekook)Where stories live. Discover now