Capítulo único

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O Sol punha-se no horizonte, refletindo os seus magníficos vermelhos e dourados nas águas. Um dia de estio, um verão magnífico de calor e de luz. Os dias seguintes seriam iguais, observou ele, lendo as faixas carmim que se estendiam no céu, prenúncio de que o tempo se manteria estável e aprazível.

Iria recolher-se em breve à sua humilde casa de pescador. Nada de folguedos, nada de distrações. Preparava-se uma festa no largo comum da aldeia, um momento de convívio – varria-se o chão, montavam-se os estrados e as mesas, acendiam-se os balões de papel de arroz, preparava-se a fogueira para assar o peixe em grandes espetos, dispunha-se a barrica de sake e as respetivas malgas, traziam-se as travessas com as guloseimas.

Tinha de acordar cedo, estar pronto para fazer-se ao mar em mais uma madrugada de faina, por isso decidira ausentar-se da festa. Cioso que era do que fazia, não se permitia àquele tipo de indulgências, apesar dos seus frescos dezoito anos. Quando não tivesse qualquer obrigação, logo iria beber uma malga de sake, cantar com os rapazes, dançar com as moças solteiras. Se ele se fosse divertir, na manhã seguinte, de ressaca, cansado e mole, quem pescaria o peixe que depois se trocava no mercado ou se serviria nos festivais? Havia quem bebesse e cantasse, noite adentro e se levantasse com ele para entrar no barco. Mas depois dormiam e ele vigiava as redes, sem jamais descurar o seu dever.

Preferiu dedicar-se ao seu passatempo favorito, antes de se recolher a casa. Dar uma pequena volta na praia. Os pés descalços pisavam os calhaus, mergulhava uma mão na água para sentir o toque do oceano adorado. Cogitava, perfeitamente feliz, de que não precisava de festejos vazios para alegrar o seu coração simples. E sorria, sorriso simples e genuíno, a olhar para o mar.

E nesse dia, em particular, a sua contemplação devolveu-lhe uma cena inédita e intrigante que haveria de mudar a sua vida para sempre.

Ao longe, a boiar, contra a linha que dividia céu e mar, ele viu o que lhe pareceu um cesto fechado, como uma concha completa de uma ostra. Dois cestos idênticos, um que flutuava e que se assemelhava a uma panela de arroz enorme, outro a servir de cobertura, sobre o primeiro, com pequenas escotilhas vedadas com um material ceroso preto, selando a estrutura. A maré trazia aquilo para terra, mas depois ele abanou a cabeça, confuso, porque era impossível que as ondas operassem essa mecânica, estando a maré a vazar. Ou seja, haveria algum meio de propulsão que fazia o estranho barco definir o seu rumo e este era, naquele preciso momento, chegar a terra seca.

Aproximava-se paulatinamente da costa, deslizando sobre as ondas, e à medida que se tornava mais próximo ele percebeu que a nave tinha o tamanho suficiente para transportar alguém no seu interior – um único passageiro que também seria o piloto.

Ele não recuou, apesar de tremer assustado. Contraiu-se, curvando as costas, a garganta a doer-lhe por se forçar a engolir quando a boca seca não tinha qualquer saliva, preparado para fugir e dar o alarme, indicando o perigo que ameaçava a aldeia. Por outro lado, o seu orgulho e a sua curiosidade faziam-no aguardar estoicamente pela acostagem daquele cesto duplo gigante.

Já era de noite quando o barco estacionou na praia, parando na rebentação mansa da ondulação. Os primeiros sons da festa chegavam até ele e Shunji continuava no mesmo lugar, especado, à espera de saber o que iria suceder. Olhou para o céu e viu a Lua cheia, redonda, misteriosa e branca. Murmurou uma prece.

E aconteceu o que ele, mais ou menos, previra. O cesto, que não era nenhum cesto, o material era brilhante e sedoso como um kimono da Senhora do castelo, liso e resistente como a lâmina da katana do Senhor do mesmo castelo, abriu uma escotilha e uma rampa desceu como uma língua de dragão a desenrolar-se até aos calhaus.

The Woman Who Fell on EarthWhere stories live. Discover now