Capítulo II

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Nunca pensei que ouviria da minha mãe para deixar Ali ir. Escrevia enquanto deveria estar fotografando para aula, escrevo quando deveria estar vivendo. As pessoas dizem que Ali não gostaria de me ver assim, mas eles não sabem do que Ali gostava. Certamente não de me ver sofrer, mas ela não gostaria de ser esquecida, não gostaria de ver as pessoas levando suas vidas sem lembrar-se das coisas que ela fez. E não gostaria de ter morrido.

E mesmo que durante toda minha vida eu só me importasse pro que Ali pensasse de mim, não era bem horrível. Quantas pessoas vivem apenas pelo que seus pais esperam, vivem para que alguém tenha orgulho delas. Pra mim esse alguém era Ali.

18/05/2017

Eu estava trabalhando no meu melhor com luz e cores. Hoje em especial tudo pra mim parecia melhor em preto e branco. Demorei um pouco pra perceber que o problema não eram as fotos. E depois de alguns fracassos resolvi ir embora.

Enquanto seguia para casa, dei de cara com a loja de vinil que tinha perto do hotel. Ela abriu já há alguns anos, e de tanto me apaixonar pelo som que saia do tocador de discos da loja, resolvi que queria um tocador de discos. Lembro-me até hoje que meu primeiro disco foi do Elvis, eu o ouvia todos os dias, ate que todos em casa decoraram as letras das músicas e cantávamos juntos. Quando finalmente resolvi que era hora de mudar, comprei um novo disco com minha mesada, esse era dos Beatles. E após esse, eu comprava um disco todo mês, ganhava também dos meus pais, da Ali, de alguns amigos... Ate que minha coleção só cresceu.

Não tinha ainda comprado o disco desse mês. Já fazia isso há anos! Então decidi que era hora de comprar.

Fui direto a sessão de rock clássico. Precisava de um vinil do Nirvana. Estava totalmente concentrada em encontrar um que eu ainda não tinha que nem percebi quando alguém parou perto de mim, e me observava.

- eles são ótimos!

- hum? – olhei rápido para o lado.

- Nirvana – ele apontou o queixo pra minha mão, onde eu segurava alguns vinis deles – são incríveis!

O cara que aparentava seus 24 anos, com barba por fazer, naquele estilo largado que parece acreditar que tudo se resolve com jeans e all star, sorria pra mim. E levei um minuto inteiro para me recuperar daquele sorriso.

- eles são mesmo incríveis! – repeti.

- você não tem cara de que curte discos de vinil.

- você não tem cara que curte rock clássico.

- não estamos falando de Beatles!

- se não curti Beatles vamos encerrar o assunto bem agora.

- uma garota que defende seus interesses!

- um garoto que sempre parece dizer o que quer!

Ele riu e eu voltei minha atenção para os discos.

- você tem nome? – ele perguntou.

- Anastácia. – disse ainda mexendo nos discos.

- seu nome é bem diferente.

- escuto isso o tempo todo! – olhei pra ele – e o seu qual é?

- Dominick.

- humm, é diferente o bastante para te tirar o direito de falar do meu.

Ele sorriu, um sorriso largo, hipnotizante. Tive que me controlar para não sorri com ele.

- você é bem amarga Anastácia.

- a vida me fez assim. – sorri ironicamente e voltei para os discos.

- a vida não faz nada de ninguém, não quando você a controla.

- você fala como se já tivesse perdido muito.

- eu já perdi tudo! – o olhei assustada, mas ele ainda sorria.

- mesmo?

- é, mas isso não é algo para se falar em um encontro.

Ele sabia da dor, conhecia o sentimento, era visível em seus olhos. Mas ele sabia como não senti-la.

- isso não é um encontro!

- jura? Pensei ter te ganhado elogiando Nirvana! – ele fez uma cara do gato de botas.

- bom... – disse finalmente escolhendo o disco – vai ter que se esforçar mais!

- isso não vai ser problema se você for continuar vindo aqui!

Ele deu uma piscadinha e eu estava tentando decidir se ele estava me paquerando ou só brincando.

- preciso ir agora Anastácia! Mas nos vemos por ai.

Antes que eu o respondesse, ele se virou e disse:

- você é especial!

- por que escuto vinil?

- porque escuta vinil do Nirvana! – ele disse por cima do ombro.

E eu ri. E então ele foi embora.

E enquanto eu o observava partir, percebi no bolso da sua calça, o pedaço de um cartão-chave. Não qualquer um, mas um igual ao meu, era a chave do Manzana! E como aquele sorriso não passaria despercebido por mim, significava que eu tinha acabado de conhecer o misterioso hospede do 370. E então naquela noite, quando parei para escrever, percebi que pela primeira vez não era sobre Ali, nem sobre vestidos, gatos ou maçãs. Era sobre um sorriso. Aquele incrivelmente desastroso sorriso.

Não É Sobre MimWhere stories live. Discover now