capítulo único

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Ele, da madeira rachada e engrenagens quase quebradas, faz-se presente mais uma vez.

Com seu tic tac enervante, nosso maior inimigo ecoa pela casa, avisando, novamente, que outra hora se passou.

Apoiando-me na varanda, ignorando o seu vai e vem eterno, observo uma porção do céu que os prédios me permitiram admirar, até que suspiro.

Compreendo, agora, enquanto escuto o chilrear dos pássaros que não é culpa do relógio.

Ainda assim, não é como se eu pudesse perdoá-lo.

Pelo menos não dessa forma.

Tão facilmente.

Talvez o motivo desse bate boca sucessivo, o qual me parece nunca ter fim, seja em prol deste me lembrar da realidade tão antes esquecida.

Que, até hoje, você com seus risos e sorrisos, consegue atormentar meus mais recentes pesadelos.

Pensando bem, na verdade, meu ódio se encontra unicamente no tempo.

Visto que, ao sentir a brisa contra minha pele, é ele aquele que nos separa a cada dia que se passa.

Entendo que, ao tragar mais uma vez do tabaco barato, não deveria odiar esses conceitos, tão simples, criados e seguidos por ninguém menos que nós.

Mas, entenda, é inevitável.

Porque é ele, o tempo, que faz com que minha memória de ti fique cada vez mais falha, não importando o que eu faça.

Já não consigo mais lembrar das tuas pequenas manias, momentos distintos e lembranças antigas.

É como se ele, em conjunto do meu cérebro, deletasse nossas memórias para com que eu não precisse mais contigo sofrer.

É engraçado pois, por mais que eu tente impedir esse fato com diários e poemas, às vezes me pego ponderando enquanto leio algum relato nosso, de quem eu estava falando em primeira mão.

Sabe, Doppo, pergunto-me se algum dia ainda vou definitivamente te esquecer.

Então o relógio faz barulho mais uma vez e, ao tragar o cigarro uma última vez, penso no que colocarei no seu altar ao anoitecer.

Tempo | HifudoWhere stories live. Discover now