II - Um dia qualquer

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Ele parou os olhos sobre Giovanni e Nicole e apontou para a tatuagem que ele tinha no antebraço esquerdo: um ideograma chinês para a palavra AMOR.

- Ele gosta dela - Rael disse, sorrindo.

Eve deu de ombros mais uma vez, fingindo que não havia visto nada. Como se estivesse atuando em uma peça de tragédia, Rael colocou a mão sobre o peito e fez uma expressão de desespero.

- Chen, Chen... Eu vi isso. - Nicole voltou-se para ele, séria, levando a mão reta no pescoço como se quisesse cortá-lo fora. Depois, olhou para Eve. - Um macchiato de caramelo para o Giovanni, por favor.

Eve assentiu e foi até a máquina de café. Ela se esforçou para compreender o que Nicole dizia a Rael; porém, pelo exagero dos sinais e as expressões, a moça apostava seu salário que era algo como: VOCÊ É UM IDIOTA. Sempre que Giovanni aparecia na cafeteria, ele deixava claro seu interesse por Nicole. Todos enxergavam isso, menos ela. Sua insegurança para com homens como ele era um tanto compreensível, mas Giovanni não parecia disposto a desistir assim tão fácil. Nicole era mesmo uma criatura que dificilmente passaria despercebida - não só pelos seus cabelos ruivos e longos e a postura elegante, mas pelo fato de ser quase uma gênia: falava cinco línguas, era fotógrafa, confeteira e trabalhava como voluntária em uma ong de animais - e , é claro, ainda era taróloga.

Para Eve, a presença dos colegas de trabalho era quase que como colocasse uma enorme placa na fachada do Café Essência com os dizeres: PROIBIDA A ENTRADA DE INTOLERANTES (não só a lactose). Afinal, não era todo lugar que admitia tamanha diversidade - e, definitivamente, não era qualquer estabelecimento cujos donos judeus contratariam uma muçulmana, uma cristã e um agnóstico sem o risco de não haver uma guerra de bolinhos recém-assados e cafés caríssimos. Evelyn gostava disso pelo fato de tudo se tornar tão natural ao seu redor. Entretanto, para os conservadores daquela cidade, o lugar poderia se chamar muito bem Café dos Delinquentes. Algo bom saía de toda aquela situação ultrapassada: não era qualquer um que entrava e saía daquela cafeteria. O ambiente era agradável e harmonioso - não só pela organização impecável e o cheiro agradável, mas toda a estrutura do lugar: Havia uma área exclusiva para leitura. Uma estante com livros e chaveiros a venda sempre estava cheio, mas os leitores de plantão adoravam o espaço discreto e as poltronas de couro. A decoração contava com pequenas placas com mensagens positivas para alegrar o dia dos clientes (a preferida de Evelyn era: SORRIA SEMPRE! ☺ Você está sendo filmado).

Em seu horário de almoço, Evelyn despediu-se de seus colegas e tirou o avental. Antes de virar-se e entra à área restrita aos funcionários, a moça olhou ao redor. Havia sete pessoas ali - um rapaz de óculos lendo um livro em uma das poltronas, uma mulher de meia-idade de cabelos curtos e camisa social concentrava-se em uma revista e outros clientes habituais saboreavam seus pedidos. Do outro lado, na varanda com vista para a avenida, um rapaz de cabelos escuros havia acabado de chegar. Nicole foi atendê-lo de imediato. Eve não viu seu rosto, mas ela tinha certeza que nunca o tinha visto ali antes - era comum aparecerem pessoas de outras cidades ou bairros.

Tudo estava como deveria estar - como um dia qualquer. Entretanto, por que ela sentiu como se algo tivesse fora do lugar de repente? Como se ela deveria ter feito algo, mas não tivesse com a atenção plena o suficiente para agir de acordo.

Dando de ombros, ela se virou e atravessou a porta. Enquanto pegava suas coisas em seu armário, seu celular vibrou. Eve franziu o cenho e olhou para a tela iluminada. Já estou na porta!, a mensagem dizia. A moça quase bateu a própria cabeça na parede. Havia se esquecido completamente de Alice. Elas havia combinado de almoçarem juntas em um restaurante próximo, mas se esquecera completamente que era aquele dia. Evelyn só aceitou pois Alice insistiu que pagaria sua sobremesa.

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