Dia 9: Setembro Floriu, Nossa Primavera Chegou

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Setembro havia chegado e com ele o momento mais importante da minha vida. Não só a primavera estava prestes a preencher o ar com seus aromas, textura, cores e beleza. O ser mais esperado por mim estava prestes a nascer.
As dores eram infernais, mas Téo estava li do meu lado me dando todo suporte e atenção que eu precisava. Já havia chamado um amigo que tinha carro para nos levar a maternidade. Segurava minha mão como se assim toda dor que eu estava sentido pudesse ser absorvida para as suas mãos. O caminho para o hospital fora como um borrão, entre gritos e respirações. Téo só sabia tentar me acalmar. Sua única preocupação era conosco.
Dizem que quando morremos nossa vida passa como num filme diante de nossos olhos, se é verdade eu não sei, mas o que sei é que enquanto uma equipe médica tentava trazer ao mundo meu primeiro bebê, eu via uma vida construída ao lado de Téo. Uma linda história de cumplicidade e amor passar diante dos meus olhos ao olhar nos olhos daquela pessoa que me acolheu no momento em que mais precisei e me amou com todas as forças até o presente momento.
*********
— Eu estou grávida. — Eu falei com toda a felicidade do mundo, pois sempre tive o sonho de ser mãe. — Agora, vamos ser uma família. Eu, você e nosso filho ou filha.
— O quê? Grávida? Como assim, Dália?
Eu tomei um susto com a reação de Leandro. Ele parecia não acreditar que eu pudesse estar esperando um filho dele. Pior do que isso, ele parecia nenhum pouco feliz.
— É isso mesmo que você ouviu, vamos ter um bebê.
— Mas quem disse que quero ter filhos, Dália. — Ele começou a pegar a carteira para pagar a conta.
— Eu pensei que você me amasse...
— Eu te amo, mas não quero ter filhos agora. — Eu estava mesmo assustada. — Eu tenho uma carreira pra construir, não posso ter filhos agora.
Ele chama o garçom, paga a conta e se levanta.
— Acho melhor darmos um tempo.
Foi ali, naquele momento que comecei a entender o que era o amor. Como ele funcionava e quais atitudes tinham as pessoas que diziam que nos amavam. Foram dias difíceis, mas saber que eu carregava a maior benção de minha vida em meu ventre me dava forças para passar por toda aquela tempestade. E eu nem imaginava que em algumas semanas eu começaria a ter o vislumbre do que o amanhã me reservava. Um lindo céu.
Eu havia decidido que não poderia ficar enclausurada dentro de casa e precisava continuar a caminhada. Foi pensando nisso que eu aceitei o convite de ir num chá de casa nova de uma amiga. Chegando lá fui apresentada a várias pessoas, amigos e familiares dela e do noivo dela.
Eu estava vestindo um vestido azul claro com vários girassóis e os cabelos presos em um coque quando nos conhecemos. E esse vestido se tornou minha roupa favorita de Téo. Costumava me dizer que eu parecia um lindo jardim vestindo ele.
Naquele chá de casa nova que nossos caminhos se cruzaram e nunca mais nos largamos. Era a nossa vida começando. Nicole era prima de Téo. Ele vestia uma camisa larga num tom azul da cor do céu. Uma bermuda caqui de algodão. E Tinha acabado de cortar seu cabelo bem curtinho.
Era o início da vida para Téo e para mim. Para nós dois.
Desde aquele dia em que nos conhecemos, trocamos telefone e ficamos quase um mês para sairmos juntos, pois eu enrolei esse tempo todo. Não que eu não quisesse sair com ele, mas eu precisava entender a situação e me preparar para o que viria logo em seguida. Afinal, eu acabara de me tornar uma mãe solteira, já que o idiota de quem eu havia engravidado tinha me dado um pé na bunda e decidido não assumir sua responsabilidade, e aí, semanas depois aparecer saindo com Téo, que apesar de eu ver quem ele era e reconhecer sua identidade de gênero, a sociedade hipócrita e preconceituosa não veria como eu vejo. E aí seria mais uma questão para encarar. Téo foi bem paciente comigo, pois entendia que a situação já estava difícil. Mas foi vendo o quão incrível ele estava sendo comigo, que percebi que eu devia retribuir tudo a ele. Ele não merecia ficar comigo às escondidas. Foi aí que chutei o pau da barraca e larguei o foda-se para todo mundo. Minha família já havia me dado as costas quando Leandro me largou, pois não admitiam que uma mulher fosse abandonada com um filho na barriga. Eu tinha meu trabalho e minha casa. Podia decidir viver a vida que eu quisesse. Se tinha alguém incrível querendo estar comigo, cheio de amor para me dar, e que eu retribuía todo o sentimento, porque me privar de viver ao lado dessa pessoa só porque  vivemos numa sociedade doente. Que não consegue lidar com as coisas que vão contra o que eles acreditam e querem ditar.
Depois que aperecemos juntos, tive que ouvir milhares de coisas absurdas. Desde a minha sexualidade à identidade de Téo. O que era estranho é que quando não aceitavam a identidade de gênero de Téo, o colocando com mulher, eu virava a “sapatão grávida”, inclusive porque se fosse o caso de eu estar com uma mulher eu não poderia ser bissexual, já que eu não teria deixado de gostar de homens. Teria que ser lésbica, porque as coisas devem ser como a sociedade quer. Aff. E quando “aceitavam” a identidade de Téo, eu virava a “piranha” que já estava com outro homem e me questionavam se eu não tinha receio de criar uma criança tendo um pai que era “estranho”.
Ouvi tantas asneiras e tive que lidar com a real face de tanta gente, que me mostraram o quanto não eram nada desconstruídas como elas se diziam, e sim, preconceituosas por demais. Ao meu lado foi ficando cada vez com menos gente me apoiando em todas as minhas decisões. E sem dúvidas, Téo foi a melhor pessoa a estar comigo.
Ele sempre foi realmente um cara magnífico nas situações, pois sempre teve que lidar com tudo isso desde a adolescência quando foi entendendo que algo estava fora do lugar. A solidão das pessoas que precisam fazer qualquer tipo de transição são momentos os quais nunca os deixam escolher se os querem viver ou não. Se você não se reconhece quando se olha no espelho, pois sabe que vê alguém que não é você, significa que a solidão possivelmente será sua companhia por muitos momentos. Infelizmente vivemos numa sociedade hipócrita que se diz aceitar a diversidade e mata o que é diverso. O que o avesso do que eles pregam como o certo. Quando precisamos desconstruir a idéia de que tudo está sob o efeito do certo ou errado e passarmos a lidar com o fato de que as pessoas podem e devem ser o que elas quiserem. O que elas forem de verdade.
Téo, chegou no inicio da minha gestação, acompanhou meus primeiros desejos e as primeiras mexidas do nosso bebê. Sim, NOSSO BEBÊ. Essa criança que entendemos que não precisaria ser designada como menino ou menina antes que nascesse não era mais só minha era dele também. Era realmente nosso.
Enquanto as pessoas ficavam indecisas se compravam roupinhas azuis ou rosas, nossa casa ia se enchendo de cor. Muitas cores, pois nosso mundo de fato se coloria a cada dia. As pessoas, incluindo gente da minha família questionava se eu não pretendia ter Leandro por perto para criar meu bebê e minha resposta era: não, eu tinha o melhor pai do mundo de uma criança que ainda nem tinha vindo ao mundo. Enquanto a sociedade nos olhava e questionava que tipo de criação essa criança amada desde o ventre, Téo e eu construíamos juntos, o que nós dois víamos como um seio familiar. Baseado no que muita das vezes nos faltou, o amor, erguíamos nossa estrutura transbordado nesse sentimento. Era de mim para o serzinho que estava em minha barriga, dele para Téo. De Téo para mim e para o nosso bebê. Éramos como um ninho aconchegante para os passarinhos. Nossa vida era concebida repleta de afeto e respeito.
Os meses foram passando e tudo que sempre quis ter na vida em termos de relação, Téo foi me proporcionando.
O dia mais aguardado estava cada vez mais próximo. O nosso chá de bebê havia tido um tema especial em homenagem ao meu vestido que eu usara no dia em que nos conhecemos. Girassóis decoravam toda nossa sala. Estávamos enormes, nós dois, mas eu era da gravidez, já no caso dele era natural mesmo. Ele fez questão de o pintassem também. Nossa melhor foto era uma que estávamos com a barriga de fora escritos Girassol nas duas e que mostrava a tatuagem Eu Sou o Amor, que Téo tinha acima das cicatrizes de sua cirurgia na altura do peito. Eu não podia discordar daquela frase. Nunca, na minha vida. Ele realmente era o amor. O amor da minha vida, na minha vida.
Eu via tudo isso nos olhos daquela pessoa, que por uma questão de respeito muitos precisavam vê-lo como um homem trans, mas que pra mim não havia outra imagem que não a de um homem. O homem mais maravilhoso que já conheci. O homem mais respeitoso, carinhoso e amoroso com quem já me relacionei. O homem que seria o melhor pai do mundo.
Suas mãos seguraram firme nas minhas e o choro mais acalentador que eu ouviria na minha vida preencheu o ar na sala de cirurgia.
Nosso tesouro havia chegado e estava agora em nossos braços. Ver como Téo olhava com carinho e segurava com toda segurança aquela criança que mudaria completamente nossa vida era ter a certeza de que a felicidade era possível, mesmo em meio ao caos. Era ter a certeza que o amor sempre vence, pelo menos o nosso venceu e vencerá sempre.
Assim como setembro e a primavera chegaram com seus aromas, texturas, cores e beleza, nosso pacotinho chegara cheio de saúde e vida.
— Nossa primavera chegou, amor. — Téo falou sorrindo de orelha a orelha.
— Sim, chegou. — Falei acariciando aquele rostinho rosado tão fofo. — E ela veio trazendo a flor mais linda para nossas vidas, nosso Girassol.

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⏰ Last updated: Jun 10, 2020 ⏰

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12 Dias de Amor: Dia 9Where stories live. Discover now