CAPÍTULO 3 - ANA

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- Ana Cecília Maldonado! – Cadu gritou, entrando em minha sala. – Você quase perde a sua reunião! – Ele resmungou, se referindo ao meu atrasado de dez minutos por conta do engarrafamento dos infernos daquela cidade.

- Eu não tenho culpa se tem mais carros do que gente nessa cidade. – Resmunguei, se sentando na minha cadeira de couro.

- Aqueles engravatados estavam quase arrancando o meu pescoço. – bufou, ajeitando o cabelo dourado arrumado milimetricamente.

- Nem acredito que isso finalmente acabou! – exclamei, deitando sobre minha cabeça. – Isso vai fazer a Bennet Enterprises ir para o topo! – falei, feliz! – Esse contrato foi crucial, Cadu!

- Eu sei! – Ele disse, sorrindo também. – Acho que nós deveríamos sair para comemorar. – Ele falou, piscando um olho azul para mim. Inspirei profundamente, já abrindo um sorriso.

- Qualquer lugar menos o The Closet. – Decretei, levemente amarga. Eu me recusava a ir a qualquer lugar que lembrasse demais de Danilo – e isso era praticamente todo o mundo ao meu redor. – e a boate em que nós havíamos nos conhecido estava no topo da lista.

- Deixa comigo! – Ele falou, levantando e batendo palmas.

- Fui convocada para jantar com meus pais hoje, - informei. – Você me pega às onze? – pedi, piscando meus cílios em sua direção.

- O que esses olhos azuis me pedem que eu não faço sorrindo? – ele falou, com um suspiro. – Boa sorte com papai satã e mamãe diaba. – Ele disse, e eu sorri, mandando um beijo em sua direção. Foquei nos papeis a minha frente. Duas pilhas com o dobro do tamanho da minha xícara de café me encaravam de volta. Respirei fundo, o dia seria longo.





- Oi mãe. – Falei, antes de dar um passo e abraçar a mulher vestida impecavelmente que me encarava com o rosto sério. Silvia Maldonado era uma mulher bonita exteriormente, mas seu olhar era tão frio e austero que mal podia encará-la por muito tempo sem me sentir intimidada. Minha mãe e eu não tínhamos o melhor relacionamento do mundo. Ela era tudo que eu não queria ser: submissa, condescendente, falsamente feliz. Apesar de ser uma médica de sucesso e ter construído um império com meu pai, ela ainda conseguia viver em algum lugar entre 1818 e 1825.

- Olá Ana Cecília. – Ela respondeu, mesmo sabendo a repulsa que eu sentia do meu segundo nome, uma homenagem a minha tia-avó que mais me detestava. Ela me soltou do abraço e permitiu que eu entrasse. Meus pais moravam em uma linda mansão de estilo vitoriana, fruto do dinheiro que eles ganhavam com o hospital e suas muitas clínicas. Era linda, apesar de impessoal. Nada de porta retratos ou flores. Muito poucas cores. Riqueza escorrendo por cada recinto. Toda a minha infância e adolescência havia sido aqui. E apesar de parecer um castelo de conto de fadas por fora, viver aqui havia sido os piores anos da minha vida. Se não fosse Marina e sua família, eu teria enlouquecido.

- Cadê o papai? – Perguntei, de pé na sala, com minha bolsa ainda em minhas mãos.

- Está no escritório trabalhando. – Ela diz, passando por mim. Os saltos ecoando no piso brilhante. Sei que ela quer que eu a siga, então conto até três, respiro fundo e sigo seus passos. – o trabalho vem acumulando desde que você... – "abandonou sua família". Sei que é isso que ela quer completar, mas causaria uma discussão e discussões despertam emoções humanas demais para a mulher racional que ela é. Minha relação com meus pais havia ficado ainda pior desde que eu saíra da direção do hospital para trabalhar com a Bennet Enterprises. Eles não aceitavam que eu não pertencia a medicina. Ambos ficaram dois meses sem me dirigir uma palavra quando contei que estava trocando medicina por administração. Trabalhar com governança corporativa era minha maior paixão desde os meus dez anos de idade. Para não decepcioná-los demais, continuei trabalhando na direção de seu hospital, mas, depois de tudo o que aconteceu com Danilo, finalmente reuni toda a coragem que me restava para trabalhar com o que eu realmente amava. Talvez, essa seja a única coisa boa que Danilo tenha me oferecido quando partiu meu coração: ele me ensinou a me por em primeiro lugar em todos os aspectos da minha vida. Depois da minha ida para São Paulo, fiquei ainda mais intolerante com o tratamento que recebia deles. Não suportava mais ser tratada como uma garotinha insolente.

QUEBRADOS - Irmãos Fiori: Livro II - COMPLETOWhere stories live. Discover now