Capítulo 1.

589 49 11
                                    

Durante toda a minha infância, posso dizer que fui sempre compreensiva e delicada com tudo e todos o meu redor. Procurei ouvir, obedecer, entender e conversar quando não concordava. Hoje em dia tenho 18 anos e isso não mudou. Bom, nem tanto. 

A lua acompanhava todos os movimentos do carro, as vezes, quando criança, achava que ela nos seguia. Estou retornando à minha cidade natal e não sei se consigo lidar com a mudança de ares. Fui embora de St. Albert aos onze anos, meus pais se separaram e, por alguma razão, minha mãe achou que seria mais conveniente que fôssemos embora para longe. Ela escolheu Toronto. Vivi por sete anos em uma cidade gigantesca, repleta de turistas e movimentação para ser obrigada a voltar os 300km para onde nasci. E cursar cinema. Cinema é meu sonho desde... Sempre? Bom, eu realmente não diria sempre porque ainda achei que tivesse alguma vocação para atriz aos 6 anos. O problema surgiu quando comecei a me observar. Traços de uma pessoa que não seria uma boa atriz: falar demais, dificuldade em seguir regras, querer se expressar de várias formas e odiar que lhe dêem ordens. E sim, essa sou eu.

Estávamos o caminho todo em silêncio, poucas vezes tentei interromper mas minha mãe não permitia dar continuidade. Não sei o que se passava por sua cabeça e eu definitivamente também não iria saber. Até que olhei pelo espelho do carro e vi então aquele cenário de ruas largas, sempre movimentadas e pessoas que algumas vezes me causavam nostalgia sem ao menos eu saber porquê. Bom, não é difícil imaginar que para uma cidade pequena, com menos de 70 mil habitantes, eu já tenha cruzado com alguns desses durante a infância. Não faz muito tempo desde que vim aqui pela última vez. Minha melhor amiga, Any, ainda mora aqui. Quando fui para Toronto, perdemos totalmente o contato, conseguíamos fazer umas ligações por via dos telefones de nossas mães, mas nada muito significativo. Ganhei meu primeiro celular aos 13 anos, ele não funcionava muito bem, nem fazia muita coisa além de ligar, mas era somente em casos de emergência para minha mãe se sentir mais segura. É claro que uma das primeiras coisas que fiz foi conseguir o número de Any, desde então nos falávamos todos os dias por diversas horas. Era algo certeiro: iríamos contar nossos dias na escola e as novidades em casa. Com esse contato mais aflorado, combinamos várias vezes de passarmos o verão juntas. Ao todo nos vimos sete vezes, seis de quando vinha passar as férias aqui e uma de quando ela foi conhecer Toronto com a família.

Minha mãe sinalizou que estávamos chegando e de longe pude ver meu pai parado em frente a nossa casa. Era até fofo.

– Você vai ficar um pouco? - perguntei ao perceber que ela procurava uma vaga.

– Preciso pelo menos dar um "oi", não é? - Mesmo que a resposta não tenha sido convincente, deixei passar. Desci do carro a todo vapor, peguei duas malas cheias de roupas e corri em direção ao meu pai. Ele não mudou nada. Continuava com o cabelo grisalho e os olhos mais claros que o céu em um dia ensolarado. Foi ele a quem puxei os meus. Era muito bonito, mas preferia continuar sozinho desde o término com minha mãe. Sei que devem haver muitas pretendentes, mas ele nem ao menos se permite.

Colocamos os papos em dia ali na porta mesmo, percebi que minha mae se aproximava subindo as escadas que levavam a varanda frontal, que antecedia a porta de entrada, qual me caminhei e deixei os dois a sós. Ao entrar ali só conseguia pensar o quanto gostava daquela casa, apesar de parecer grande demais para o meu pai ter vivido ali por anos sozinho. Era aconchegante a forma que todos os ambientes pareciam se completar. Respirei fundo e subi as escadas em direção ao meu quarto, já sabia onde ficava, afinal, vivi toda minha infância aqui. Era impossível não reconhecer aquela parede rosa suja de tinta azul ainda da época da escola, meus pais até pensaram em pintar aquela sujeira após alguns anos, mas eu ainda achava que aquela mão pequena em cima da cabeceira da cama era uma parte minha. Hoje em dia, nem tanto. Aquilo era ridículo. 

Letters to the Stars - Noart e BeauanyDove le storie prendono vita. Scoprilo ora