Após gritar o comando, apareceram na tela 16 caixas. Era uma daquelas Tvs de 15 ou 20 anos atrás, sem projeção. Ed já estava acostumado ao comportamento retrô do amigo. O noticiário Zero Hora geralmente dava o plantão mais cedo. Era a caixa 5.

— FIVE!

A Zero Hora abriu. Vários plugins eram de projeção 3D holográficos, o que a TV não suportava. Isso tornou a tela uma verdadeira bagunça.

— Ed, você sabe que sou antiquado…

— Espere!

Conseguiu detectar nas últimas notícias:

“Dois jovens irmãos, de 17 e 18 anos, morreram de overdose nesta madrugada ao lado do pier da Praça Mauá ao consumir a droga ColdCo. A perícia robótica dos drones forenses encontrou uma concentração 22 vezes maior da substância do que o normal, o que pode ter levado à morte por colapso cardíaco. Já são 16 óbitos por esta substância neste ano. As autoridades intensificaram a busca pelos distribuidores e fabricantes para que este mal seja expurgado da sociedade”.

Jan não tinha muito costume de assistir ao noticiário, mas achou o final meio profético e com um certo tom de pieguice poética: “para que este mal seja expurgado da sociedade”. Pareceu-lhe uma mensagem sublimar ou algo do tipo. Ignorou.

— Não foi assim, Jan! Eu estava lá. Eles foram assassinados.

Ed conhecia a droga ColdCo. Era um aperfeiçoamento genético da planta da cocaína que dispensava o refino com solventes e produtos químicos nocivos. Aparentemente não era tão forte como o produto usado há 50 anos, mas ele detestava. Odiava ficar mais ansioso do que já era. De qualquer forma, não fora assim que acontecera.

Jan sentou-se para tentar assimilar os acontecimentos. O protocolo do Condão nunca cometera um erro grosseiro. Na verdade, pelos padrões em que foi projetado, nunca cometera erro algum desde que o mítico programador André Jeremias, com apenas 14 anos, o concebeu, há 70 anos. Tratava-se de um interpretador legal eletrônico de códigos jurídicos. Qualquer que fosse o código. O segredo estava em introduzir os princípios basilares norteadores dos ordenamentos jurídicos e usar a interpretação sistemática para desdobrar todas as exegeses2 subsequentes. Recordou-se da história.

A princípio o software fora usado para consultas em disputas de direito civil, sem o Estado como parte. Ao se inserir um caso no programa, o algorítimo fazia a análise da possibilidade jurídica, encaixava o fato à norma, enquadrando-o na lei referente e calculava os pedidos possíveis. Frequentemente, verificava-se que as conclusões de casos análogos se aproximavam de forma concisa. Devido à facilidade e ao uso cada vez mais intenso pelos advogados, era comum chegarem à audiência com as mesmas conclusões, apenas com alterações de pedidos inseridas no intuito de beneficiar o seu próprio cliente. Uma discussão inócua. Se ambos os advogados partiam da mesma análise pelo programa, obviamente que as divergências nada tinham a ver com a interpretação jurídica, mas com a determinação do advogado em vergar a lei a favor do seu cliente. Após reiteradas análises de casos chegaram a um termo: era consenso que a conclusão do programa estava sempre de acordo com a melhor interpretação, portanto seria inútil discutir a mesma tese. Com a intensificação do uso, praticamente todas as divergências que não envolviam o Estado foram sendo resolvidos com conformidade das partes. Ao juiz não cabia mais do que referendar o que fora acordado, ressaltando um ou outro direito que poderia vir a ser reivindicado em algum caso. Geralmente perfumaria inútil, pois se existisse tal direito o programa detectaria.

Condão (Lista Internacional)Where stories live. Discover now