Amanhecer

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O azul.

O azul já tinge o céu.

Um borrão de vida invade a aura da cidade.

Esta ainda dorme em um silêncio apaziguador.

Com o que será que sonham os sonhadores?

Descansam após a labuta do dia que foi?

Ou já se preocupam com o dia que virá?

Terão eles seus anseios assegurados?

Ou terão que fazer seu dia?


Os contornos já aparecem.

No horizonte, o morro já se faz notar.

O azul, timidamente, vai virando cor quente.

A cidade surge. Surgem as ruas.

Quem as frequenta já a essa hora?

Pessoas que não têm escolha?

Ou que já fizeram sua escolha?

Serão pessoas pretensiosas a ponto de superarem o dia?

Talvez o cedo acordar faça seus dias durarem mais que o próprio dia.

Elas têm necessidade e, por conseguinte, pressa para viver.

É essencial que vivam por mais tempo.


O mar já é visto.

A cigarra assusta o poeta.

A vida assusta o mundo.

Os animais, alienados ao mundo, talvez não se assustem.

O mar vai ganhando contornos de céu púrpura.


Os ônibus já se fazem ouvir.

A vida é iminente; esta também se faz ouvir.

Clama pelos desavisados para que ouçam.

Afinal, ninguém quer dormir para sempre.


O céu tem nuvens.

Estiveram elas aí, a noite toda, espionando os que dormem?

A cidade que acorda nunca poderá se esconder. Nem fugir.

O mar é uma muralha de profundidade infinita.

Ninguém o ultrapassa. Nem os sonhadores.

Mas a vida é necessária, e já penetra pela janela das almas dos inconscientes.

Aos poucos, desperta-os, concedendo-lhes o vigor urgente para a batalha que nasce.

A batalha contra ela, a própria vida.

Maior inimiga, a vida curiosamente também é a maior aliada.


O mar é azul. A cidade, cinza.

Os tons de cor púrpura já cedem teimosamente ao tímido alaranjado. Todos já acordaram.

Quando o sol sair, que todos estejam em seus postos. Ninguém tem tempo a perder.

Afinal, o arco de leste para oeste já foi há muito traçado.

Percorrê-lo, cada vez mais rapidamente, é inevitável.

O sol se anuncia. Pomposo como é, não quer a presença das nuvens para ofuscá-lo.

Quer brilhar. Talvez todos queiram.

Mas o astro não sabe que, para tanto, não poderá ficar desacompanhado.

O astro só ilumina porque há alguém para ser iluminado.

Para isto está lá a cidade, sempre esperançosa.

Os primeiros raios já se espalham pelo céu.

Todos estão prontos para receber o senhor da vida.

A cidade, sempre cinzenta, até fica mais alegre.


O sol nasce.

Assim, encerra-se um processo infindável. Um processo que se repetirá.

Até quando? Não custa perguntar.

Não há resposta.

O astro está ocupado demais brilhando.

A cidade está ocupada demais vivendo.

Os homens estão ocupados demais sonhando.

Amanhecer e Outros PoemasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora