Atos de Gentileza

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O bruxo estava vagando há um longo tempo pela floresta. Não havia encontrado absolutamente nada. Nem mesmo frutas ou grama de qualidade para sua égua.

Ouvir o som de uma pequena cascata foi um grande alívio. Então deixou Plotka perto de alguns troncos e foi buscar um pouco de água.

Retornando para perto da montaria, ouviu uma voz melodiosa rir baixinho, o que o fez sacar a espada silenciosamente e seguir até a fonte do som.

- Que linda você é... Aqui, querida. Quer uma maçã? Ou prefere um pêssego?-A mulher diante de Plotka lhe estendeu a cesta repleta de frutas.-Pode escolher. Eu não me importo.-Plotka escolheu com o focinho uma grande romã que havia na cesta, e a moça lhe deu sem hesitar. Algo estranho por se tratar de uma fruta bastante rara.-Onde está seu dono, querida? Ele trouxe ao menos um pouco de suprimentos para viajar por aqui? Ele está doente?

-"Ele" está tentando decidir se deve ou não atravessa-la por uma espada, senhorita.

A moça apenas deu uma risadinha, antes de se virar para ele.

-Olá, Geralt. Devia ter suspeitas que um animal tão espirituoso fosse seu.

-Nos conhecemos?

-Há muitos anos. Mas nada que deva se lembrar. Escute... Não gostaria de jantar?

Plotka decidiu bater com o focinho no rosto do dono, como se pedisse pra ir também. Aquilo fez a moça sorrir e partir para uma trilha na floresta, que até então o bruxo não havia se dado conta da existência.

Apesar do terreno traiçoeiro e tortuoso, os três seguiram sem problemas até um pequeno vilarejo que havia ali perto. Aquilo fez o feiticeiro segurar o braço da moça.

-Como sabia desse lugar?

-Eu fico um tempo aqui, às vezes... Quando estou de passagem... Por aqui. Vamos ficar no Casarão Vermelho. Dona Martha fez tortas doces para comer com cerveja preta.

Geralt continuou seguindo a moça. Algo na voz dela o incomodava. Ele conhecia, mas parecia ser uma lembrança antiga. A moçinha abriu a porta sorrindo, e uma risada envelhecida pelo tempo preencheu o casarão.

-Lilly! Minha querida!-Uma senhorinha muito idosa abraçou a moça, bagunçando ainda mais as tranças já desgrenhadas, passando os dedos finos e tortos pelo rosto cheio de sardas.-Que bom que chegou. E trouxe um amigo! Que maravilha.-A simpática velhinha lhe sorriu.-Venha, querido. Você e sua companheira de viagem precisam de um descanso. Meu neto levará sua égua para os estábulos e você virá comer uma bela fatia de torta.

Ele continuou seguindo as duas, que conversavam sobre coisas banais, leves, e davam risadinhas o tempo todo. Era um ambiente gostoso, sem conflito. O bruxo não estava acostumado àquilo.

Comeram a torta, beberam um pouco de cerveja e logo cada um foi para um quarto. De sua tina, Geralt ouvia a moça cantar baixinho. Ás vezes tinha a impressão de ouvir pequenos soluços, Mas era questionável. Em nenhum momento ela demonstrara, ou cheirara, a tristeza.

Com o cair da noite, o cheiro do ensopado de coelho o guiou de volta para a sala de jantar. A moçinha da floresta estava sentada em um canto mais afastado, na varanda, com sua pequena tigela e uma caneca de chá. Geralt agradeceu quando a senhorinha lhe serviu uma tigela bem grande do ensopado e una caneca de cerveja vermelha, então se sentou na varanda também, ao lado da moça.

-Você não me disse seu nome.-Começou a conversa um tanto sem jeito.-Mas sabe o meu. Não é muito justo.

-Lilly... Sou Lilly de Cintra...

-Lilly... Lillian?-Ele viu um sorriso triste nascer no rosto da moça.-O que foi?

-Se meu pai tivesse escolhido esse nome... Eu não seria obrigada a abandonar minha mãe, minha irmã mais nova, minha sobrinha... Mas ele decidiu escolher um nome amaldiçoado. Acho que queria me punir por não nascer menino.

-Amaldi...-Ela voltou os olhos azuis, que agora Geralt viu serem de um tom tão elétrico que tinham luz própria.-Lillyth... Você é Lillyth de Cintra.

-O demônio soturno, rainha da noite... Sei bem o que meu nome significa... Não precisa ficar tão impressionado.-Ela voltou a olhar sua tigela, estava sem apetite.-É só um nome forte, que faz homens com falsa ideia de grandesa tremerem nas bases porque uma classe de feiticeiros diz que é amaldiçoado.

-Não estou impressionado.-O bruxo voltou os olhos amarelos para a lua. Era uma crescente, parecia um sorriso em meio ao céu estrelado.-Você é uma moça gentil, Lilly. Obrigado.

Os dois ficaram em silêncio, apreciando o jantar e o frescor da brisa noturna.

-Já me chamaram de muitas coisas... Gentil nunca foi uma delas... Obrigada.

Geralt se aproximou um pouco mais, segurando o rosto da mulher.

-De onde eu conheço você?

-Nos vimos no baile de casamento da princesa Pavetta...

-Oh... Eu não... Tenho certeza do momento em que nos vimos... Mas eu lembro da sua voz... Não do seu rosto.

- Não tem problema. Eu vou dormir.-Ela se ergueu com uma elegância incomum, se inclinando para deixar um beijinho na testa dele.-Boa noite, Geralt.

-Boa noite, Lilly...

•~🦉~•

O amanhã de veio acompanhado por um gostoso cheiro de chá e pães assados em pedra. O bruxo levantou da cama, suas crises de insônia o enlouqueciam, mais ao menos a noite havia sido silenciosa. Sua vizinha de quarto era silenciosa. Sabia que era ela quem preparava o desjejum.

Decidiu descer apenas com as calças, e a encontrou servindo dois pratos. Estavam arrumadinhos, com um pouco de tudo que ela havia preparado para o café. E ainda havia uma pequena bacia com diversas frutas cortadas, e Plotka estava com a cabeça na janela, esperando para ganha-la.

- Bom dia.-O sorriso doce veio em direção ao bruxo, logo se tornando uma boca amarrada de preocupação.-Não conseguiu dormir nem um pouquinho ontem? Está com olheiras profundas, Geralt. Podia ter bebido um chá de ervas pacificadoras ontem.

- Não gosto de coisas que me tirem do controle.

Ela deu uma risadinha, servindo duas xícaras de chá.

-É só um conforto, Geralt... Como um abraço depois de um pesadelo. Aqui, venha comer.-A morena pegou a bacia, levando até a égua na janela.-Aqui está, querida. Coma tudinho.

Plotka relinchou, feliz, começando a devorar suas frutas. Geralt esperou a moça se acomodar à sua frente, para ambos começarem a comer.

-Está... Viajando, Lilly?

-Na verdade, estou a procura da minha sobrinha. Ela fugiu do reino. Não entendi se foi uma rebelião ou um ataque. O que importa é que eu preciso achá-la.

-Sabe para que lado ela foi?

-Tenho algumas ideias de para onde mamãe deve tê-la mandado... Mas são só esperanças. Vou partir em uma hora.

-Irei com você até o próximo vilarejo.-Ela lhe deu um olhar surpreso.-Muitos mercenários na estrada... Se importa que eu vá?

-Agradeço e muito a companhia.

Os dois se aprontaram e passaram a seguir viagem tranquilamente. O vilarejo mais próximo era a cinco dias de viagem. Então Geralt teria tempo para descobrir mais sobre sua inesperada companhia. Isso se não tropessassem em Jaskier antes do fim da tarde.

-Geralt, meu velho! Como tem passado, meu amigo?

-Olá, Jaskier.-O bruxo deu um suspiro pesado, que fez a moça abrir um sorriso tímido, antes de acenar educadamente para o bardo.-Essa é Lilly de Cintra. Lilly, esse é Jaskier, o bardo.

-Senhorita! Que imensurável prazer é...

E ali começou mais um dos monólogos galantes de Jaskier, enquanto eles seguiam sua viagem.

Lírio NegroOnde histórias criam vida. Descubra agora