O Relicário da Despedida

Comincia dall'inizio
                                    

Era nisso que ele pensava enquanto limpava a sala certa noite, retirando um quadro da parede e encontrando uma pequena portinhola escondida debaixo dele, lacrada com um minúsculo cadeado. Ele não mexia naquele pequeno esconderijo há décadas e fica surpreso em saber que aquilo ainda estava protegido.

— Oh! O que temos aqui!

Maximilian estoura o cadeado com um único puxão, atraindo a atenção de Jane para o local que deveria servir de esconderijo para coisas importantes. Ela se aproxima sorrateiramente de suas costas, trajando uma calça jeans escura e uma blusa azul de mangas compridas. Seus cabelos continuavam presos, obviamente, mas o camaleão não ligava, a considerando bonita independente do que resolvesse vestir ou que penteados fazer.

Ele abre o pequeno compartimento, apanhando o único objeto que estava escondido ali, sorrindo ao reconhecer o que era: um pequeno relicário medieval.

— Isso era seu – revela, virando-se em direção a Jane e tomando sua mão direita para depositar a pequena joia sobre sua palma.

A vampira ignora o toque do camaleão em sua pele, não o considerando nem prazeroso e nem desagradável, e examina a pequena peça de ouro com cuidado, abrindo seu compartimento e encontrando um minúsculo ramo seco em seu interior.

— Lavanda! – reconhece instantaneamente, ouvindo o som de gargalhadas infantis soarem em sua mente pouco antes da névoa branca de suas lembranças encobrirem os seus olhos mais uma vez.

Imagens turvas de Maximilian e Alec correndo da pequena Jane surgiram diante de seus olhos, em uma brincadeira de pega-pega. Eles estavam num grande jardim, não dava para ver as formas exatas de suas flores e plantas, mas a vampira tinha certeza de onde estavam: o elegante jardim da residência do pequeno Max.

Os meninos se separam para tentar confundi-la, mas a menina já estava decidida sobre quem pegaria e não desacelerou um único passo ao virar para a esquerda atrás de Maximilian, que se escondia no pavilhão do bebedouro.

A pequena Jane para antes de alcançar entrada, sentindo toda a excitação da caçada energizando os seus pequenos membros. A silhueta embaçada de Jane cuidadosamente espia o pavilhão, vendo que o garoto estava ali, a espreita.

Ela recua, aguardando, olhando instintivamente para baixo e vendo uma bonita flor roxa na beirada do canteiro. A vampira não precisava pensar muito para saber o que era: lavanda, e não se surpreendeu quando sua versão infantil quebrou um pequeno ramo da planta e o guardou dentro de seu pequeno relicário, uma joia de ouro dada por Maximilian no dia de seu aniversário.

A pequena Jane espia o pavilhão mais uma vez, vendo que o menino apoiado sobre o bebedouro, na ponta dos pés para alcançar a água e saciar a sua sede, finalmente tornando-se distraído e um alvo fácil. E enquanto ela se aproximava, a vampira estudou o tamanho e o formato daquele lugar, reconhecendo aquela figura embaçada como sendo o mesmo bebedouro que Maximilian desenhara quando ainda era humano.

Aquele lugar havia se tornado importante para ele por algum motivo.

Jane assistiu as cenas seguintes com atenção e curiosidade, o que havia acontecido naquele lugar para que o pequeno Max tentasse desenhá-lo mais tarde? A pequena Jane se aproxima sorrateiramente pelas costas do menino, apoiando-se sobre o bebedouro da mesma forma que ele, aproveitando-se do embalo para curvar-se sobre Maximilian e beijar os seus lábios de surpresa.

— Impossível! – diz em voz alta, retornando a si e chamando a atenção do camaleão, que recolocava o quadro limpo na parede e mal notara a sua viagem mental ao passado. A vampira balança a cabeça levemente, clareando a mente e tentando contornar a situação estranha em que se colocara: – Se isso era meu, o que estaria fazendo aqui? – pergunta de forma petulante, tentando parecer incrédula para que ele não percebesse a adrenalina que contagiava todo o seu corpo, devido à lembrança daquele beijo.

— Você me deu quando eu fui embora... – responde de forma evasiva, fazendo Jane deitar a cabeça levemente para o lado, interessada.

— Por que você foi embora? – pergunta ela, girando a joia rapidamente entre os dedos e olhando firmemente para os olhos dele, para que seus próprios olhos não ficassem encarando demais os lábios masculinos.

— Minha família se mudava de tempos em tempos, por causa do trabalho de meu pai. Foi em uma desses mudanças que conheci você e Alec... E que me apaixonei por você – completa num sussurro, temendo irritá-la com a informação adicional. – Não tinha muito que eu pudesse fazer para impedir a mudança, afinal, era só um menino... Então você me deu o seu relicário no dia em que nos despedimos, para que eu nunca me esquecesse de você.

Maximilian pensou em acrescentar que, exatamente naquele dia e naquela despedida, foi que ela lhe fez a promessa mais importante de sua vida, mas se calou, preferindo deixar a explicação como estava, já que não lhe restava mais tempo para tentar fazê-la se recordar dela.

— Plausível – comenta ela, enquanto colocava o relicário ao redor do pescoço e o escondia por debaixo da blusa azul.

— Você se lembra disso? – questiona ele, com um resquício de esperança passando por seus olhos vermelhos.

— Eu não disse que me lembrei de você, disse que a explicação é plausível – responde secamente, temendo que o camaleão visse o quanto ela já tinha lembrado sobre ele e o quanto aquelas recordações a estavam incendiando por dentro.

Jane viu a esperança dos olhos dele desaparecer e um Maximilian completamente mudo retornar ao seu trabalho de limpeza. Ela não intencionava machucá-lo, mas o fizera mesmo assim, e isso acarretou uma pontada de incômodo no fundo de sua mente.

A vampira havia se lembrado dele e descobrira que um dia o seu "eu do passado" o beijou. Não lembrar-se da promessa era irrelevante para ela, afinal, todas as outras recordações tornavam óbvio a ligação entre os seus passados. Contudo, sua lealdade ainda era com o clã e nada poderia se colocar em seu caminho, nem as lembranças, nem o passado e nem o camaleão. Mesmo que acreditasse em suas palavras e pudesse sentir certa "empatia" pelo vampiro, Jane jamais revelaria o que estava lhe acontecendo.

As lembranças eram dela e com ela ficariam. Ponto final.

— Está nevando! – comenta Maximilian mudando de assunto, aproximando-se da janela mais próxima e vendo o solo começar a ficar branco. – Isso vai destruir minhas trilhas... Terei que começar o trabalho tudo de novo amanhã – reclama com um suspiro, vendo todo o seu esforço ser jogado fora com o inverno que começava a se intensificar.

Coração GeladoDove le storie prendono vita. Scoprilo ora