Prólogo

30 3 0
                                    

Dentro do carro estava quente e a viagem era interminável. Fora do carro também estava quente. Por lá, o asfalto reluzia como uma brasa ao sol escaldante e tórrido. A estrada, uma rodovia federal de grande circulação, estava movimentada. Era férias de julho. O clima abrasador do dia transformou o interior do veículo em algo muito semelhante a uma sauna. Na verdade, a única diferença era a ausência de idosos nus a desfilar. Essa mistura de uma longa viagem com uma temperatura infernal, aos poucos assassinava a paciência de um pai ao volante. Seu destino era uma praia a sete horas de distância de seu local atual, estavam viajando a apenas uma hora. O motivo desse período parecer uma eternidade, era em parte, devido ao caldeirão ardente que seu Fiat 147 verde lima tinha se tornado, mas, em sua maioria devido a um menino e seu vira-lata caramelo que se moviam a todo instante. Outro fator que tornava aquele percurso uma eternidade, eram as constantes pausas na movimentação dos dois. Que consistia em um pequeno descanso para um vômito rançoso que aromatizava a sauna. Esse menino era seu filho, por mais que neste momento ele desejasse que o garoto nunca tivesse existido. E Tel, o menino, estava matando fuscas.

- PÁ! Fusca amarelo no canto.

- Filho, senta. Tamos chegando, deixa a mamãe e o papai descansar um pouco. Pede o pai desanimado.

- Tá bem. Diz o menino. Ele senta no banco, respira fundo e pega uma sacola plástica para vomitar.

Matar fuscas é uma atividade extremamente prazerosa e viciante. Consiste em apontar o dedo em riste, simulando uma pistola, rapidamente (Preferencialmente instantaneamente) e gritar um sonoro "PÁ" assim que você vê um fusca. "POW", "PEU" e "PIU" também são válidos. Quem executar mais fuscas em um determinado percurso ganha a brincadeira. O objetivo é alegrar e entreter, mas é como todos os jogos: Inútil e instiga uma competitividade agressiva e sanguinária.

- POW! Toma essa fusca vermelho...

- Filho, por favor... Diz o pai sem a menor esperança de que aquele caos iria cessar.

Tel está vencendo. Mas também está perdendo. No banco de trás da fornalha verde lima que segue em disparada pela rodovia estava apenas o garoto e seu cão. Ele disputava com si mesmo. O que não o impedia de contabilizar duas pontuações e de interpretar duas pessoas. Esse é o principal motivo pelo qual, naquele momento, sua mãe tomava a terceira dose de um poderoso calmante. Ela fechava os olhos e implorava para Deus por algumas horas de sono. Não que Deus estivesse preocupado com isso. Não estava. Ele têm coisas mais importantes para fazer.

- Filho, para com isso. Coitadinho do fusca! Choraminga a mãe em uma tentativa de controlar o filho.

- Tadinho?!? Eu adoro fuscas!

- Então fica quieto e para com essa brincadeira.

- Mas mãe... Eu tenho que mata fusca!

- Porque filho? - Pergunta o pai fingindo interesse.

- Uai? Sei não! Mas mato porque tenho que mata.

- Ue filho... Que estranho! Tiraum tempo pra pensar sobre isso, até onde sei fuscas são bonzinhos. - Argumenta a mãe confiante de que as coisas iam melhorar dali para frente. (Mal sabia ela que a sensação de tranquilidade que sentia, era apenas os remédios entrando em ação.)

- Verdade, mas é que... Tô cansado de perder!

- Cê tá jogano sozinho! Diz o casal ao mesmo tempo sem entender nada.

- Essa é a pior parte.

Realmente até onde a maioria dos humanos sabiam, fuscas eram criaturas pacíficas que não faziam mal a ninguém e até eram astros do cinema. Mas tudo isso estava prestes a mudar. Não para todos os humanos, apenas para um garoto e seu fiel cão. Os demais terráqueos continuariam ignorantes como de costume.

- Filho, tira uma soneca! - Insiste o pai otimista.

- Tá pai... PÁ! fusca azul calcinha! 50 a 49, passei na frente. Deu nois!

Assim que tomou o tiro, o Fusca azul calcinha fez algo inacreditável. Tão impossível que as testemunhas presentes imediatamente apagaram de suas memórias. Esse é um mecanismo de defesa muito comum para os humanos. Quando algo incômodo acontece, como por exemplo passar ao lado de um mendigo na calçada, o cérebro imediatamente apaga o inconveniente. Mas o que Tel viu o que o Fusca azul calcinha fez e isso mudou a sua vida. 

Eu Mato FuscasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora