Um Conto de Sangue e Chamas

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Uma maçã vermelha rolou em minha frente, bateu na parede e parou lentamente. Aquilo foi tão inusitado que meu corpo congelou por um momento. O dragão queria me alimentar? Certamente para que tivesse mais carne em sua refeição.

O dragão grunhiu, o que me fez me arrastar ainda mais rápido para aquela luz. Isto é, até que o dragão agarrou uma das minhas pernas e me puxou na direção contrária. Assim que ele parou e antes que eu tivesse a chance de continuar minha escapatória, o rabo dele entrou no caminho. Ele rosnou ainda mais, empurrando mais frutas na minha direção.

Debochei com uma risada nervosa.

— Acha que sou idiota para comer isso? Já que vou morrer, ao menos não vou te dar o prazer de ter uma carne extra! — lembrei a mim mesmo, pois sabia que não adiantaria argumentar com um animal.

O dragão resmungou entredentes, balançando a cabeça de um lado para o outro. Ele até mesmo revirou os olhos, até que sua atenção parou em um ponto específico de uma das paredes da caverna. Ele começou a apontar para o local. Hesitei um pouco antes de desviar o olhar; no entanto, havia apenas uma parede escura ali. O dragão perdeu a paciência e após grunhir, soltou um suspiro gasoso que se incendiou, provocando uma labareda de fogo ao meu lado.

Retraí-me, prensando as costas contra a parede e cobrindo o rosto com um braço. O fogo, porém, passou longe e logo cessou. O dragão repetiu o ato e depois de ficar alguns segundos quase que hipnotizado pelo brilho, algo na parede chamou minha atenção. Havia ranhuras ali, pouco acima de onde o fogo era lançado; elas eram claramente formadas pelas enormes garras de um dragão. Local onde afiava-as, talvez?

O mundo se apagou novamente quando o fogo sumiu, mas o dragão repetiu o ato pela terceira vez. Agora eu sabia exatamente para onde olhar quando o fogo iluminou a caverna. Aquelas ranhuras não eram aleatórias elas faziam padrões, e não um qualquer: eram letras. As letras formavam uma palavra, ou melhor, um nome... Aylin.

Meu queixo caiu. Não porque a dragão-fêmea tinha nome, mas porque o simples fato de ter seu nome escrito significava que ela sabia ler e escrever.

— Aylin, — li em voz alta. — Todos vocês fazem isso?

Ela balançou a cabeça de um lado para outro.

— Como? Isso não faz o menor sentido. Não há como explicar a lógica disso. Animais não podem compreender a fala humana em sua totalidade.

Aylin revirou os olhos verdes e me deixou balbuciando o quão incrédulo estava para deitar num canto da caverna.

Balancei a cabeça.

Não, ela não podia ser tão inteligente assim. Nenhum ser além dos humanos conseguia adquirir essa habilidade intelectual de compreender a palavra escrita. Talvez ela tivesse sido treinada. Talvez esse nem fosse mesmo o nome dela, não fosse o fato de que ela se reconhecia no som dele. Mas então, porque alguém a teria treinado para isso? E quem poderia te se aproximado o suficiente?

Nada fazia sentido.

— Prove que você realmente me entende — quebrei o silêncio da caverna.

Ela olhou para o local em que as ranhuras estavam apesar de eu não conseguir enxergá-las, depois apontou para o próprio corpo. Em seguida me encarou por longos momentos. Suas grandes orbes pareciam verdes no meio da escuridão. Coloquei a mão no peito.

— Meu nome é Sorin.

Ela se levantou e foi até outra parede, arranhando a rocha com suas garras afiadas. O resultado foi um pouco menor do que as ranhuras de seu nome, mas como a luz chegava fraca naquela parede, pude ler o meu agora gravado ali. Não podia ser coincidência, e duvidava que alguém pudesse tê-la treinado a esse ponto. Ela compreendia o que estava fazendo.

Um Conto de Sangue e ChamasWhere stories live. Discover now