"Pobre Platt, você está péssimo." Foi a única coisa que lhe escapou dos lábios.

"Graças a Deus!", falei, "graças a Deus, Senhor Ford, que o senhor enfim chegou."

Tirando uma faca do bolso, ele, indignado, cortou a corda de meus punhos, braços e tornozelos, e tirou o laço do meu pescoço. Tentei caminhar, mas tropecei tal um bêbado, e como que caí no chão.

Ford voltou imediatamente para a casa, deixando-me sozinho de novo. Enquanto ele chegava à varanda, Tibeats e seus dois amigos se aproximavam a cavalo. Seguiu-se um longo diálogo. Eu podia ouvir o som de suas vozes, os tons suaves de Ford se misturando à furiosa ênfase de Tibeats, mas não distinguia o que era dito. Enfim os três partiram mais uma vez, aparentemente a contragosto.

Tentei erguer o martelo, com a intenção de mostrar a Ford que eu estava disposto a trabalhar, continuando com minhas tarefas na tecelagem, mas ele caiu de minha mão inerte. Ao anoitecer, arrastei-me para dentro da cabana e me deitei. Estava me sentindo miserável — todo doído e inchado —, e o menor movimento produzia um sofrimento excruciante. Logo os escravos chegaram do campo. Rachel, quando foi atrás de Lawson, contara a todos o que acontecera. Eliza e Mary grelharam para mim um pedaço de toucinho defumado, mas meu apetite se fora. Então elas socaram um pouco de milho e fizeram café. Foi só o que consegui ingerir. Eliza me consolou e foi muito gentil. Não demorou até que a cabana estivesse cheia de escravos. Eles se juntaram ao meu redor, fazendo muitas perguntas sobre a desavença com Tibeats naquela manhã — e sobre os detalhes de todas as ocorrências do dia. Então Rachel entrou e, com seu linguajar simples, repetiu tudo — demorando-se, enfaticamente, nos chutes que fizeram Tibeats rolar pelo chão, momento no qual se ouviram risinhos gerais no grupo. Então ela descreveu como Chapin saiu com sua pistola e me resgatou, e como o Senhor Ford cortou a corda com sua faca, parecendo um desvairado.

A essa altura Lawson já havia voltado. Ele precisou regalá-los com um relato de sua viagem até Pine Woods — de como a mula marrom o levara "mais rápido que um relâmpago" — de como ele deixara todos surpresos ao passar voando — de como o Senhor Ford se apressou — de como ele dissera que Platt era um negro bom e que não poderiam matá-lo, finalizando com algumas afirmações bem fortes de que não havia outro ser humano em todo o mundo que pudesse ter criado um furor como aquele na estrada, ou realizado um feito à la John Gilpin(4) como ele fizera aquele dia na mula marrom.

Aquelas criaturas gentis me inundaram com expressões de simpatia — dizendo que Tibeats era um homem duro, cruel, e exprimindo seus desejos de que "Sinhô Ford" me pegasse de volta. Desse jeito eles passaram o tempo, discutindo, conversando, repassando do início ao fim o excitante episódio, até que de repente Chapin surgiu junto à porta da cabana e me chamou.

"Platt", ele disse, "você vai dormir no chão da casa-grande esta noite; traga seu cobertor."

Levantei tão rápido quanto pude, peguei meu cobertor e o segui. No caminho ele me informou que não ficaria surpreso se Tibeats voltasse antes do raiar do dia — que ele tinha intenção de me matar — e que ele, Chapin, não queria que isso acontecesse sem testemunhas. Se ele me apunhalasse no coração na presença de cem escravos, nem um deles, de acordo com as leis da Louisiana, poderia depor contra Tibeats. Deitei no chão da casa-grande — a primeira e última vez que um local de descanso tão suntuoso me foi permitido durante meus doze anos de servidão — e tentei dormir. Perto da meia-noite, o cachorro começou a latir. Chapin levantou, olhou pela janela, mas não viu nada. O cachorro acabou ficando quieto. Ao voltar para seu quarto, ele disse:

"Acho, Platt, que aquele cretino está de tocaia em algum lugar das redondezas. Se o cachorro latir de novo e eu estiver dormindo, me acorde."

Prometi que assim faria. Depois de passada uma hora ou pouco mais, o cachorro recomeçou a latir, correndo na direção do portão, então de volta para perto da casa, o tempo todo latindo furiosamente.

Doze anos de Escravidão (1853)Onde histórias criam vida. Descubra agora