elvis, toca aquela lá!

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apertei os dedos na manga da jaqueta, mais uma noite com neblina. estava muito frio.

a Lonely St. merece o seu nome. Nunca vi nada tão vazio. nenhuma casa habitada. as vezes passam alguns vândalos, criminosos ou pessoas em situação de pobreza carregando suas tintas em spray, pistolas, sacolas com maconha ou não levando nada.

entretanto, bem no finalzinho dela, você pode ver o letreiro vermelho do tão inegavelmente pior, mas ainda assim melhor, lugar que se poderia estar.

bem vindo ao Heartbreak Hotel.

garçons e garçonetes tristes zanzavam entre mesas. eles não tiveram o amor de suas vidas os pisoteando, mas a aura das luzes vermelhas e os amantes de corações partidos chorando no seus cômodos fariam qualquer um entrar em um oceano profundo de depressão.

aqui dentro você acha todos os tipos de pessoas ignotas e mundanas. aqui se tem os sentimentos mas tristes e os mais podres também. você quase pode ouvir os pensamentos suicidas. a todo momento há pelo menos um choramingo.

pessoas ricas vão para o Four Seasons Hotel. pessoas normais vão para qualquer hospedagem beira-de-estrada. todo o resto – que ficam na borda da sociedade, quase despencando dela – vão ao Heartbreak Hotel.

as coisas mais escabrosas ficam aqui dentro.

o motivo? não tem dono, não tem preço e não tem controle.

parece que os deuses jogaram ele no meio da rua para que acomodasse todos. por mais lotado que esteja, você pode sempre achar um quarto, de forma gratuita.

para a aflição da consciência dos clientes, a bebida é infinita, dada e acessível. você pode beber o quanto quiser, até que caia no chão.

não há animação. não há mulheres nuas em cima da mesa de sinuca, homens apostando tudo o que podem na partida na TV ou pessoas dançando. só há o desespero.

quando as pessoas chegam aqui, elas tem uma esperança de saírem acompanhadas de alguém e os mais engabelados acreditam que suas paixões irão se arrepender e vir buscá-los. depois ficam meio desconfiados, desacreditados e perdem todas as esperanças.

primeiro você perde a esperança, depois o controle, logo perde a sanidade.

tudo funciona assim no Heartbreak Hotel.

então você questiona: "O que um cara tão interessante faz em um lugar tão tenebroso?"

e eu digo: há duas semanas eu ficava aqui por que aquela que já chamei de minha estraçalhou meu coração. você não poderia imaginar minha angústia. mas pelos últimos três dias, eu vim por um par de orelhas salientes.

é espetacular que nós tenhamos criado um vínculo tão rapidamente.

a dor tem mais poder de unir-nos aos outros do que a alegria sonha em ter...

— você quer ir ao telhado? — ele me perguntou antes de balançar as chaves nos dedos. afirmei com a cabeça e me puxou pelas mãos.

deitando-nos sob a lua de fumaça, senti cair sobre mim o véu leve que era o amor. tomou meu rosto e tapou meus olhos, tanto que nem pude ver as nuvens escuras. a chuva caiu, mas tudo o que pude fazer foi dedicar cartas de amor a ele. cartas que escrevi com meus dedos em sua pele. cartas que vão acompanhar-lhe além daquele lugar, seja lá para onde ele fosse.

e essa foi a última vez que o vi, na noite seguinte fui ao lugar e perguntei por ele aos deploráveis hóspedes.

me disseram que ele criou o local para os apaixonados, já que era incapaz de amar. sentia-se mal pelos pobres coitados desprovidos de consciência e tolos o suficiente para se afeiçoarem.

mas havia fugido na madrugada.

fugiu porque havia cedido à paixão e caído pelo ardor por um homem. fascinou-se por ele. coisas ao qual não poderia controlar nem com mil sóis de força.

sinto muito por ter sido sua ruína, te esperarei para sempre aqui na nossa mesa...

heartbreak hotel.Waar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu