— Ela ama você, você sabe disso, certo?

— Ela nunca foi tão clara sobre isso, mas eu acredito que sim. Ela só se acalma dos episódios de dor quando estou perto.

E não são poucos. Perdi as contas de quantas vezes ela esteve febril de tanta dor, mas felizmente não foi preciso aumentar a dose de morfina para fazer passar. Só que ela só relaxa mesmo quando chego para ficar com ela.

— Entendo. — ele diz com mágoa — Já fui este cara para ela, quando era bem pequena. Não a decepcione novamente, certo? Ela já teve o suficiente de homens machucando-a comigo. E tem aquela mãe horrível também. Minha menina parece muito forte, mas ela é humana, e sei que chora com filmes de cachorrinhos.

Faço um carinho nela, me perguntando quando poderemos chorar juntos com este tipo de filme. O Terry olha para nós dois com curiosidade.

— Olha garoto, eu sei que você tem medo de mim, e eu prometo que não vou te machucar. Só que se você fizer a minha filha sofrer de novo, eu juro por Deus que você irá se arrepender. O tanto que você ama ela é assustador, eu sei, mas sabe o que é mais assustador? Precisar consolar a sua filha de vinte e poucos anos porque ela acha que nunca será amada. Não posso te obrigar a amá-la, mas posso dizer que, se você não ama, vá embora agora. E ligue para um dos engravatados antes, porque não quero ela sozinha.

— Eu não vou deixar a minha mulher sozinha nem se a minha vida depender disso. — afirmo, ultrajado.

— Para sempre?

— Em todas as vidas que eu encontrar ela. Não sei o que você viu da vida dela, Terry, mas eu sei o bastante para não querer ficar longe mais. E isso não foi uma indireta. Eu amo ela, e sim, precisei ficar longe pra perceber o quão grande isso é. Quase perder ela foi de longe o pior momento da minha vida, e eu não estou disposto a repetir a dose.

Ele ergue o queixo para mim, em um desafio.

— Levarei isso como uma promessa. Não quero que fique com ela sem vontade, mas pelo menos avise como o adulto que é. Não foi legal o que você fez, e se ela esquecer disso, saiba que lembrarei sempre.

Dou risada e ele ergue uma sobrancelha para mim.

— Não é nada, é só que você é tudo que a mãe dela não é. Eu achei que seria o contrário.

A risada dele é uma coisa medonha. O policial bate na porta e ele levanta.

— Nunca foi o contrário. Você percebe isso conhecendo meus outros filhos. Se você continuar casado com ela, sei que conhecerá os outros em breve.

Não tenho tempo de dizer que já conheci a Lily, ele precisa ir e sai depois de beijar o rosto da Julia uma última vez. Recosto na cadeira, brincando com os dedos dela.

— Você deveria ter me avisado da sua família, amor. Está faltando só um palhaço e um churrasqueiro para completar o círculo da divergência familiar.

Sinto falta da resposta esperta que ela daria se estivesse acordada, mas só seguro a mão dela e espero.

Duas horas depois que o Terry saiu, eu vou comer alguma coisa na lanchonete do hospital. Acabei me acostumando aos salgados frios, porque o gosto não é a pior coisa da minha vida no momento.

Mordo o terceiro pedaço do salgado e vejo enfermeiros e médicos correndo. Demoro um pouco a ver que é para o quarto da Julia. Largo o suco pela metade e o resto do salgado, e tento entrar lá.

— É a minha mulher. — eu digo pro enfermeiro que me barra.

— Sim, Dustin, nós todos já sabemos disso, mas você não pode entrar.

— O que está acontecendo? Ela está bem? Ela está viva? O que está acontecendo?

Ao ver que estou perdendo o controle, ele me faz sentar lá fora e respirar. Não consigo respirar sem saber o que está acontecendo.

— Ela está hiperventilando por causa do oxigênio. Os pulmões dela voltaram a funcionar. Os médicos irão avaliar a necessidade da sonda nasogástrica também, e estão retirando a vesical, e isso vai demorar um pouco. Ela está melhorando, Dustin. Logo estará com você novamente.

— E se ela não acordar? E se ela melhorar e não acordar? O que eu vou fazer?

Ele olha para os dois lados do corredor e se inclina para falar próximo ao meu ouvido.

— Não diga a ninguém que estou te dizendo isso, mas os médicos estavam avaliando a tomografia dela ontem. O neurologista falou, e eu cito "é um milagre, não tem outra explicação para uma recuperação tão rápida de um cérebro". Ela é jovem, saudável e tem uma força de vontade incrível, lembra? Tenha um pouco mais de confiança nela.

— Eu vou perder tudo que tenho se ela não aguentar, não consigo ter confiança em nada. A confiança foi tirada de mim quando um imbecil puxou o gatilho de mais uma arma.

Ele dá um sorriso triste.

— Você não é o único, mas ei, ela está se recuperando. E precisará de você são quando o fizer, porque não será fácil. Se acalme por ela, certo? Ela não está morrendo. Vai ficar tudo bem. Ela vai acordar. Tenha paciência.

Puxo meu cabelo, balançando a cabeça.

— Paciência? Eu fui jogado para uma queda que nunca acaba. Não existe paciência quando adrenalina é tudo que há no seu corpo. Só quero poder pisar no chão novamente, poder respirar novamente. Não aguento mais vê-la daquele jeito.

— Eu sei. Acredite em mim, eu sei. Por isso você precisa respirar, ok? Ela já está fazendo isso sozinha. Você não vai inventar de trocar de lugar com ela no balão quando ela está voltando para você, vai?

— Não vou, estou bem. Você jura que ela vai ficar bem?

— Vai. Eu juro que vai. Agora senta e conta até dez algumas vezes. Vou trazer uma água para você. Precisa de um balde?

É quase cômico como ele já conhece minhas crises de ansiedade. Balanço a cabeça.

— Está tudo bem. Estou melhor. Só me assustei.

— Certo. Vou lá buscar a água, não entre antes dos médicos deixarem, porque não acho que você gostará de ver todos os fluidos. É uma coisa nojenta. Fique aí ou eu vou te dar o remédio em gotas da próxima vez.

Ele me deu remédio em gotas uma vez que eu enchi a paciência dele, e não sou doido de querer repetir. Então fico sentado esperando ele voltar.

E pouco depois, com a autorização dos médicos, fico sentado esperando a minha mulher acordar. Para tentar fazê-la acordar mais rápido, canto as músicas da Tears Of Siren em todos os tons e alcances errados, até o sono vir me buscar. Mas nem a cadeira desconfortável tira minha esperança mais. Passei pelo inferno, achei que não ia sobreviver, mas agora que sei que vou reencontrar o anjo mais rabugento da minha vida aqui na Terra, eu não vou ceder.

Ao piscar pela última vez, sinto a respiração dela mudar. Sou reclamado pelo sono antes de poder fazer qualquer outra coisa, porém. Por isso, não sei se quando acordo e vejo os olhos dela abertos é um sonho ou realidade.

Quando em VegasWhere stories live. Discover now