Aquilo foi como ganhar um tapa na cara, e o alfa se perguntou se era normal Alana agir daquele jeito.

– Eu não quero que sua irmã mais nova esteja na consulta – Sussurrou baixinho, com medo de que ela escutasse.

– Desculpe por Alana. Eu não sabia que ela estava ouvindo – Resmungou, mas ainda agradecida por aquilo. Porque, de certa forma, as palavras fizeram efeito sob Gael que ficou reflexivo durante um tempo.

– Por que Alba quer que eu faça uma consulta?

– Ela disse que tem certeza de que você não faz acompanhamento a anos. E as luvas mostram isso.

Gael apertou sem dedos com firmeza, fechando os olhos.

– A senhorita... hã... promete que não vai contar para ninguém sobre nossa conversa?

A voz de hesitante de Gael revelava tudo: ele não queria que Alan soubesse. Se ele conhecesse uma pequena fração do interior rebuscado do alfa, ele iria deixa-lo para sempre. Gael tinha absoluta certeza.

– Minha profissão exige isso. Você poderia me denunciar se eu fizesse o contrário. 

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Gael: 8 anos. 

– Você tem que escolher um grupo – Alba afirmou, assim que Gael entrou dentro de sua sala particular.

– Eu já tenho um grupo.

– E quem está no seu grupo?

– Eu.

– E quem mais?

– Eu sou meu próprio grupo.

Alba entreabriu os lábios, olhando assustada para Gael que parecia alheio a seu próprio raciocínio distorcido.

Poderia ser cômico se ele não fosse um autista.

– Gael, esta é uma oportunidade para fazer amigos – Tentou amaciar a situação, mas Gael não parecia nem um pouco interessado.

– Eu já tenho amigos.

– E quem são eles? – Perguntou admirada, mas ainda cética; afinal de contar ela tinha razão em achar que isso era impossível.

– Meus livros, meu dicionário, minha luneta e minhas apostilas.

– Amigos de verdade, eu quero dizer – Suspirou, sabendo que suas esperanças eram inúteis.

– Mas eu deixo as crianças em paz.

– O quê?

– Elas sempre me dizem: "me deixa em paz, esquisitão. Fique longe de mim" – Sua voz adquiriu um tom parecido com o de Pietro, o garoto mais problemático das crianças que ela tinha que lidar. – E eu faço isso, então eu estou sendo um bom garoto.

A última parte foi como uma facada no peito de Alba que tentou espiar as bochechas coradas de Gael que escondia o rosto nas mãos. Ela sabia que isso significava que essas palavras o machucavam. Gael não sabia como agir, então ele corava e se acuava. E isso foi o suficiente para que Alba massageasse as têmporas. Às vezes ela sentia vontade de estapear os pais e perguntar o que diabos eles estavam fazendo quando seus próprios filhos eram tão maldosos.

– As crianças te chateiam?

– Chatear é amolar... zangar... aporrinhar e...

– Gael, o que você sente quando elas dizem coisas maldosas sobre você?

– Sentir? Você está se referindo a emoções? Eu li na biblioteca que emoções dependem de estímulos ambientais que produzem experiências subjetivas; que é nossa interpretação sobre isso. Nossos pensamentos podem desencadear respostas orgânicas que liberam neurotransmissores e...

– Gael, o que você está sentindo? – Repetiu, um pouco cansada. Era difícil ter progresso, mesmo que seu autismo fosse brando. – Eu sei que você está me entendendo

– São emoções que geram nossos sentimentos. As emoções são respostas inconscientes e os sentimentos são a consciência e o juízo sobre essas emoções

– Você entende com perfeição todos os conteúdos escolares – Tentou desviar do assunto. Afinal, ela poderia chegar com esse ainda mais longe: – Poderia ajudar seus colegas nos estudos. Te faria um garoto ainda melhor.

– Meus colegas estão desinteressados a tudo que se refere a esta instituição educacional.

– Você é muito observador, não é? Conhece todos muito bem – Arrastou sua cadeira para mais próxima do garoto que piscou confuso. – E que tal se você olhasse nos olhos? Você entenderia as emoções dos outros só pelos olhos.

Ela tocou sutilmente no queixo de Gael que resmungou, tentando se afastar, mas então ela fez carinho em sua bochecha e ele se acalmou.

Às vezes Gael sentia muita falta de carinho, ao passo que tinha dias que não suportava ouvir voz humana.

– Olhando para os seus eu vejo que você está desconfortável. E olhando para os meus?

– São bonitos – Comentou, logo desviando o olhar com desinteresse.

– Não mais do que os seus.

– Os olhos de Alan são lindos – Disse de repente, fazendo Alba sorrir gentil.

Tinha dias que Gael se lembrava do seu filho e fazia comentários sobre Alan. Mesmo que eles não se vissem a dois anos, aparentemente o alfa ainda gostava de pensar nele.

Muito diferente das outras crianças, cuja presença Gael detestava.

– Você gostou dos olhos dele? Eu já disse que poderia convidá-lo para brincar com você. Meu filho ficou irritado com seu empurrão, mas ele pode esquecer isso muito rápido se você der atenção e carinho para ele.

– Carinho? Seu filho é cinestésico? – Perguntou. Mais uma das inúmeras perguntas que ele fazia sobre seu ômega.

– Sim, ele entende atos de afeto vindo de toques e beijos. Ele se sente amado desta forma.

– Então, não consigo vislumbrar uma potencial amizade entre nós. Eu odeio experiências táteis.

Torceu o nariz, e ela entendeu que Gael já tinha pensado em se aproximar de Alan. E ficou surpresa com isso.

– Você não precisa se unir com pessoas que são muito parecidas com você. Você nunca vai achar alguém igual, e isso é ótimo, porque pessoas diferentes fazem nascer em ti ideias novas sobre a vida e sobre o mundo – Arrastou-se de novo a sua mesa, abrindo uma das gavetas e mostrando uma fotografia de Alan. E Gael foi até lá, pegando a foto entre os dedos e olhando concentrado para o pequeno ômega; como se aquela criança fosse uma coisa incrível e rara. – Meu filho é muito diferente de você, e eu acho que por isso que vocês poderiam dar certo.

– Talvez um dia, Alba. Mas agora não. 

StrangerWhere stories live. Discover now