— Os dois resolveram fugir um pouco da festa, e bem, quando entraram em casa viram uma caixa em cima da mesa da sala de jantar e Ana abriu, pensando ser um presente. Quero dizer, era um, só o conteúdo que a assustou, além da nota que o acompanhava. — Não hesito em perguntar o que era, mas me arrependi um pouco logo depois. — Patas sujas de sangue humano. De um lobo de pelúcia. Na nota dizia ser um presente especial e uma promessa de que logo voltaria. E a assinatura da sua irmã.

Paro, olhando fixamente para a caixa, antes de ir até atingir mesa e pegá-la pra ver por mim mesma. Não era possível. Ali estavam, as patinhas que trouxeram a ânsia de vômito no mesmo instante que as vi. Coloco de volta e pego o tal bilhete. Leio o recado e vejo a assinatura de Joana. Mas como poderia ser possível? Olho novamente para Ana e me aproximo dela, ajoelhando em sua frente.

— Ana, Jo é proibida de enviar qualquer encomenda do lugar que ela está e os aliados dela foram pegos, não foi ela que fez isso. — Anastácia acena, concordando comigo. — Então, me diga porque eu e meus pais fomos chamados aqui, se você sabe disso? — Levanto-me, voltando para perto dos meus pais. — Por que estamos aqui, ouvindo acusações sobre Joana?

Ela suspira, as lágrimas ainda em seu rosto. Enrico aparece em minha frente, colocando seu dedo em meu ombro.

— Não ouse acusá-la. De todas as pessoas, Ana foi a que mais sofreu.

Tiro sua mão de perto de mim, a empurrando para baixo. Não podia acreditar no que ele havia dito.

— Ela pode ter sido perseguida, mas eu perdi minha irmã, meus pais perderam sua filha mais velha. — Dou um passo para trás, ainda o encarando. Não permitiria que eles fizessem algo mais para machucar meus pais. — Nós confiamos em vocês para mandá-la para um lugar seguro e na primeira oportunidade que tem, acusam-na. Acha que sofreram com tudo? Meus pais não podem ver a própria filha sem ter medo de que algo aconteça ou que alguém os culpe. Entramos em um acordo de paz, para que as coisas começassem a se acertar. Só que isso não é uma via de um lado só, não é mesmo?

A esse momento, sei que Enrico pode ver raiva e tristeza em meus olhos.

— Agora, se nos der licença, vamos embora. — Digo e sigo meus pais para fora da casa. — E obrigada pelo convite. Se quiserem conversar sobre o pacote, serão bem-vindos, contanto que lembrem que as raposas não são as únicas inimigas de sua alcateia.

Não paramos de andar até que chegamos no carro e meu pai dirige de volta para casa, em um silêncio total. Ao chegar em casa, é clara a irritação da minha mãe. Meu pai a puxa para perto quando entramos e a abraça, tentando acalmá-la. Nós a entendíamos. Por mais que as coisas com Joana nunca foram muito boas, ela ainda fazia parte dessa família, mesmo que a principal conexão fosse a de sangue. Eu sabia o que minha mãe sentia agora, a raiva pela minha irmã estar sendo acusada outra vez. Suspiro, me sentando no sofá e subindo meus olhos com as mãos. Odiava essa sensação de derrota, principalmente quando se tratava de algo na minha família.

— Acho que devemos descansar. — Papai começa. — Foi uma noite desgastante e, sinceramente, eu poderia muito bem usar do resto dela para dormir.

Aceno, concordando, mas espero ele e mamãe irem primeiro, observando os dois até chegarem em seu quarto. Fico no mesmo lugar, lembrando dos acontecimentos dessa noite e de como, mais uma vez, eu consegui fugir dos olhos – e do faro – de Luca. Mas não de sua filha. Penso sobre a pequena Gio. Alguma coisa estava acontecendo com ela e por mais que eu estivesse longe, ainda ajudaria. Assim que descobrisse o que exatamente estava incomodando a menina. Ou quem. Levanto, pronta para me deitar, só que agora em minha própria cama.

No dia seguinte, qualquer assunto que possa a levar a falarmos sobre a outra noite é evitado. E assim continuamos pelo resto da semana, convivendo sem nos esforçarmos a tocar no nome da família de lobos. Até que finalmente meu primeiro dia de trabalho chega.

Como professora substituta, a qualquer momento eu poderia ser chamada para trabalhar na escola local. Mesma escola onde nossas crianças e as crianças humanas estudavam. No começo, era preocupante a mistura das espécies. Nunca sabíamos quando um dos nossos podia se descontrolar. Mas com o passar do tempo, foi possível ver que as crianças sabiam lidar melhor com os humanos do que os adultos. Por essas e outras que eu amava trabalhar com cada uma delas. Sempre soube que queria ser uma professora. Meu instinto de raposa sempre me fez pensar na minha própria proteção e a dos meus, mas meu instinto como humano sempre me fez pensar em cuidar dos pequenos e bagunceiros filhotes. Meus pais não ficaram surpresos quando me formei e logo comecei a trabalhar com as crianças do bando. Talvez ninguém o tenha. Por isso mesmo que eu não podia conter minha animação sobre hoje. Uma das professoras teve que sair antes do previsto, já que sua bebê resolveu nascer mais cedo do que deveria e agora eu ficaria por tempo indeterminado no seu lugar.

Saio de casa praticamente saltitando, apenas para esbarrar com um pequeno aborrecimento. Certo, talvez não tão pequeno assim. Patrick se encontra encostado no meu carro, sorrindo um sorriso idiota para mim. Logo minha felicidade se transforma em tédio. Uma parte minha dizia que eu podia muito bem ignorar ele, outra dizia que se eu quebrasse o pescoço dele, nunca mais teria que me incomodar com suas pequenas intromissões. Aproximo-me do carro e espero Patrick sair da frente, contando mentalmente até dez. Nada acontece, então me obrigo a falar com ele.

— O que você quer?

— Que tal começarmos com você. — Ele ri com sua própria piada e minha mão coça para quebrar os dentes dele. — Vamos lá, jujuba. Por quanto tempo mais vai fingir que não quer tudo isso? — Patrick fala e aponta para si. Jesus, por favor, não me deixe perder o controle.

Suspiro e tento ser o mais rápido possível, já que eu não queria me atrasar logo no meu primeiro dia.

— Patrick, já conversamos sobre isso. Não sou sua companheira, não quero um relacionamento com você. Pare de insistir ou eu vou ter que chamar minha mãe para te dar uma surra. — Digo, empurrando-o de meu carro e abrindo a porta do passageiro, apenas para jogar minhas coisas lá e fechá-la. Sua cara parece confusa, como se tentasse assimilar algo que eu havia dito.

— Sua mãe? Por quê não seu pai? E como você pode ter tanta certeza de que não sou seu companheiro? Tudo pode acontecer.

Inclusive nada.

— Primeiro: meu pai é nosso alfa. Ele vai pensar em você como alguém da alcateia e só vai te dar uma advertência. Minha mãe vai pensar que há um cara incomodando a filha dela. Ela vai te dar uma surra por mexer comigo. Entendeu? — Ele bufa, como se não acreditasse em mim, o que só me deixa mais irritada. Então, decido que vou o calar de uma vez por todas. — E tenho certeza de que não somos companheiros pelo simples fato de que eu já o encontrei. E está bem longe de ser você, Patrick.

Entro no carro e saio dali, deixando um Patrick chocado e um segredo em suas mãos. Mas pela cara dele, valeu a pena.

Entre o Sangue e o Paixão (Duologia Entre Lobos e Amores, Livro II)Where stories live. Discover now