CAPÍTULO 2

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          Daniel parou em frente o prédio e conferiu o número. Era esse mesmo. Quinto andar. Entrou, olhou em volta, gostou. Apesar de não ser novo, estava muito limpo e arrumado. Ao sair do elevador, caminhou pelo corredor e logo viu uma placa na parede: Dr. Rubens de Oliveira e Castro. Advogado. Parou e tocou a campainha.
          A porta abriu e uma moça apareceu.
          - O senhor deseja... - perguntou ela educadamente.
          - Falar com o Dr. Rubens. Ele está?
          - Sim. Faça o favor de entrar. Marcou entrevista?
          - Não.
          - Vou ver se ele pode atender. Como é seu nome?
          Daniel tirou um cartão do bolso e deu-o a ela dizendo:
          - Ele me convidou a vir aqui.
          - Queira sentar-se e esperar.
          Ela saiu e Daniel examinou a sala com satisfação. Havia flores no vaso, quadros nas paredes. A decoração moderna, elegante, de  muito bom gosto.
          A porta abriu-se e Rubens apareceu com um sorriso nos lábios.
          - Que bom vê-lo? Como vai?
          Depois dos cumprimentos, conduziu-o à sua sala.
          - Você toma alguma coisa? Um refresco, uma água, um café?
          - Um café.
          Rubens apanhou o telefone discando, depois disse:
          - Dona Elza, providencie um café para nós. Desligou o telefone e voltando-se para Daniel e continuou.
          - E então, gostou do lugar?
          - É muito agradável. Não se parece nada com os escritórios que conheço. Móveis pesados, escuros, sóbrios.
          - Meu estilo é outro. Passo aqui muitas horas e gosto de me sentir bem. Ambiente leve, bonito, acolhedor e principalmente confortável. Adoro conforto, mas não dispenso a beleza, juntei os dois.
          - Faltam também os papéis espalhados sobre a mesa e as incontáveis pastas empilhadas.
          Rubens riu gostosamente.
          - Sou perfeccionista. Gosto de ordem. Não consigo trabalhar em um lugar desarrumado.
          A copeira trouxe a bandeja com o café e serviu-os. Depois de tomarem o café conversando amigavelmente,  Rubens convidou:
          - Venha conhecer as outras salas.
          A sala contígua tinha poucos móveis. Apenas alguns arquivos, uma mesa com máquina de escrever.
          - Estou organizando aqui os arquivos dos casos. Tenho também as informações importantes, algumas pesquisas.
          - Boa idéia! Facilitará o trabalho.
          - Tem pouca coisa. Estou no começo.
          - Há quanto tempo está aqui?
          - Seis meses. Trabalhei um ano e meio com o Dr. Del Vecchio. Apesar do pouco tempo, aprendi muito com ele. Meu pai queria que eu ficasse mais lá para depois ir trabalhar na empresa dele. Quando soube que eu saí, achou ruim, mas terá que se conformar. Passaram para outra sala. Estava vazia.
          - Não tive dinheiro nem tempo para mobiliá-la. Sabe como é... Também tenho meu orgulho. Se quero ser independente, não posso ficar pedindo dinheiro à minha família. Aliás, meu pai já disse que não vai dar nada, que eu vou botar tudo fora. Não acredita que eu consigo.
          - Não acredita ou não deseja que dê certo?
          Rubens parou um pouco, depois disse:
          - É. Acho que ele não quer.
          - Só para depois poder dizer: "Eu não falei?" Os dois riram gostosamente.
          - Quando falei com você, não estava brincando. Pode ocupar esta sala. Dividiremos as despesas, os empregados, nos ajudaremos com os casos. Será perfeito.
          - Não sei se estou preparado para assumir isso. Acabo de me formar. Não sou conhecido no meio. Além disso, meu pai também não me ajudará. Tem outros projetos para mim.
          - Isso incomoda?
          - Não. Gostaria que fosse diferente, mas cada um é o que é.
          - Vai precisar mobiliar sua sala e ter algum dinheiro para os primeiros tempos. Eu também ainda não tenho muitos clientes. Algumas pequenas causas, como m muito trabalho e pouco dinheiro. Mas estou disposto a vencer e sei que posso conseguir.
          - Tenho dinheiro guardado. Minha mãe sempre foi muito generoso nas mesadas. Meu pai também. Gostam que eu .e apresentasse bem e tenha dinheiro no bolso. Posso mobiliar a sala e agüentar os primeiros tempos, se eles resolverem suspender a mesada.
          - Nesse caso, nada o impede de aceitar. Para mim seria conveniente não só porque ficará mais barato manter isto aqui, mas também porque gosto de você, de sua forma de pensar. Creio que é o companheiro ideal. Tenho intuição de que juntos faremos grandes coisas!
          Daniel sorriu:
          - Seu otimismo é contagiante!
          - Nesse caso, aceite . Um dia terá que começar, e está oportunidade é boa mesmo.
          - Está bem. Acho que podemos tentar.
          - Assim é que se fala! Amanhã mesmo poderemos comprar seus móveis. Teremos também que fazer uma placa com seu nome para colocar ao lado da minha. Seus documentos estão em ordem? Já pode começar a trabalhar?
          - Estão. Gostei muito da decoração que você fez. Acho melhor seguir o mesmo estilo.
          - Ótimo.
          Entusiasmados, os dois continuaram conversando, combinando detalhes e programando a instalação de Daniel. Quando este deixou Rubens, no fim da tarde, estava entusiasmado e alegre. Imaginava como decorar a sala, o que comprar, tentando visualizar como ficaria desta ou daquela forma.
          Na hora do jantar, Maria Alice comentou:
          - Daniel está bem-disposto! Alguma namorada nova?
          Ele desviou o assunto. Achava melhor não entrar em detalhes do que pretendia fazer.
          - Nada disso. Você acha que só ficamos bem quando há mulheres por perto?
          - Acho. Basta observar quando passa uma moça bonita. Você ficam babando!
          Antônio olhou para ambos e resolveu:
          Daniel tem razão. Mulher é bom, mas o que ele precisa é decidir o rumo que sua carreira. Agora é o momento exato para iniciá-lo. Tudo nos favorece.
          - Vou pensar no assunto, papai - prometeu ele querendo escapar à pressão.
          - Já pensou demais. Está pensando há muito tempo. É hora de decidir. Está perdendo um tempo precioso. O que espera mais? Formou-se, é advogado. Tem  o título e um nome ilustre. O caminho está aberto.
          Daniel franziu o cenho. Seu pai obrigava-o a uma atitude que não queria tomar. Não gostava de ser pressionado. Enquanto ele apenas sugeria, não tinha importância, mas agora estava querendo intervir em suas decisões. Isso feria seu senso de justiça. Tinha o direito de escolher o próprio caminho. Olhou-o sério e respondeu:
          - Obrigado por seu interesse, mas eu posso resolver qual carreira que devo seguir. Estudei não para um título, mas para exercer a profissão. Gosto do Direito. Pretendo advogar.
          Antônio olhou-o surpreendido. Não esperava uma atitude tão firme. Habituado a contemporizar, disse em tom conciliador:
          - Claro que você se formou para advogar. Eu mesmo tenho tido minhas causas.
          - Onde você dá o nome e os outros advogados fazem tudo. Não é isso que eu quero para mim.  
          Antônio irritou-se:
          - O que quer? Ir ao fórum de pasta na mão, correr atrás dos juízes, ir nos cartórios e nas juntas para tirar algum malandro da cadeia? É isso que quer?
          María Alice interveio, preocupada:
          - Vamos deixar esse assunto para depois. Não é bom discutir durante as refeições. - Baixou o tom de voz ao dizer: - E na frente dos criados.
          - Desculpe, Maria Alice, mas a indecisão de Daniel me irrita. Concordo. Deixemos esse assunto para depois. Mas pode ter certeza de que não esquecerei.
          Lanira olhou-o entediada. Eles eram teimosos e com certeza iriam discutir no escritório, tomar decisões para depois sair como se nada houvesse acontecido, fingindo diante dos criados.
          Estava cansada dessa hipocrisia. Onde quer que fosse, as pessoas eram falsas e sem graça. Diziam frases convencionais, sorriam educadamente, nunca mostrava o que estavam sentindo. Anos atrás pensara em fugir de casa, mas nunca tivera coragem. Detestava a poderia, a falta de conforto. Por vezes sentia-se culpada por essa fraqueza. Ela também dizia frases convencionais, fingia, sorria sem vontade. Por isso a vida parecia-lhe sem graça. As pessoas eram autômatos, vivendo um vida vazia, sem objetivos, sepultando sentimentos, cuidando das aparências. Ela, também, tornara-se uma pessoa como as demais, obedecendo às regras da sociedade. Um dia se casaria com um nome ilustre, teria filhos, ensiná-lo-ia a entrar nas regras. As gerações se sucediam, sempre iguais, e essa rotina a deprimia. Embora desejasse quebrá-la, sabia que não teria coragem. Continuaria fazendo tudo igual, como sua avó, sua mãe e as outras famílias que conhecia. Acreditava que fora das convenções sociais não havia nada. Era só perdição, sofrimento, dor.
          Maria Alice procurou conduzir a conversação de forma mais amena, falando dos filmes do momento e dos novos cinemas da cidade. Apesar do tom, Lanira podia sentir que ela estava tensa. Antônio trocou idéias com ela, fingindo que não percebia o silêncio de Daniel. Lanira olhou-o com certa curiosidade. Ele teria coragem para escapar à rotina familiar? Desde pequena ouvia o pai programar a carreira política do irmão. Para ela era fato consumado. Ele acabaria por ceder.
          Depois do café, Daniel ia retiar-se quando Antônio convidou:
          - Vamos conversar no escritório. Precisamos esclarecer algumas coisas. Não dá mais para adiar.
          Daniel suspirou mas resolveu:
          - Está bem, papai. Vamos.
          Maria Alice olhou com certa preocupação, porém não disse nada. Nunca se intrometida nas conversas do marido do marido com os filhos.
          Foram para o escritório. Lanira apanhou um livro e acomodou-se em uma poltrona. Maria Alice foi dar ordens na cozinha.
          Antônio sentou-se atrás da pesada escrivaninha de carvalho e Daniel acomodou-se em uma poltrona à sua frente. Olharam-se.
          - Se estou tocando nesse assunto, é porque você já tem idade para assumir uma carreira. Eu ingressei no partido muito antes.
          - Já lhe disse, pai. Não pretendo ingressar no partido. Não gosto de política.
          - Não sabe o que está dizendo. Muitos jovens adorariam de uma oportunidade como a sua. Quer jogar tudo fora?
          - Agradeço seu interesse. Mas quero seguir outro caminho.
         - Quer advogar. Logo ser político é ideal para isso. Vai dar-lhe fama, nome. Credibilidade. Se é isso que quer, vou arranjar-lhe um lugar em um escritório de um grande advogado que me deve muitos favores. Ao lado dele, logo estará conhecido. Agora ele é do partido e você precisa inscrever-se também. Amanhã mesmo providenciaremos tudo.
          - Eu não quero, pai. Não vou.
          - Não quer?
          - Não quero. Deixe-me escolher o que fazer. Já decidi. Amanhã começo trabalhar com Rubinho. Estive com ele hoje e acertamos tudo.
           - O quê? C Rubinho? Você enlouqueceu? Sua mãe me disse que Angelina e Ernesto estão desesperados porque Rubinho montou um escritório por conta própria, de quinta categoria, sem nenhuma chance de ir para frente. E lá que você quer ir enterrar seu talento?
           O rosto de Antônio cobriu-se de rubor e ele se levantou indignado. Sem dar tempo para que Daniel dissesse alguma coisa, prosseguiu:
          - Não posso consentir em uma coisa dessas! Meu filho me envergonhando dessa forma. Você não vai fazer isso.
           Daniel olhou-o sério e respondeu:
           - Vou, pai. Já decidi. O escritório é em um lugar bom no centro da cidade, bem montado, e tenho certeza de que obteremos êxito.
           - Você não sabe o que está dizendo. É jovem demais. Vai perder um tempo enorme, gastar dinheiro, envergonhar a família e depois voltar para tentar recomeçar. Não. Não posso permitir que faça isso.
          - Não vou envergonhar ninguém. Vou começar do princípio, aprender, crescer. Rubinho é inteligente, sabe o que diz, juntos vamos conseguir subir na vida.
            Antônio sacudiu a cabeça incrédulo. Foi até a porta e chamou Maria Alice.
          Quando a viu entrar, não conteve:
           - Veja se consegue convencer seu filho a desistir dessa loucura. Recusou todas as oportunidades que lhe ofereci. Sabe por quê? Para ir juntar-se àquele visionário do Rubinho, no escritoriozinho que você falou. É lá, com ele, que Daniel deseja fazer carreira!
          Maria Alice levou a mão aos lábios para abafar a exclamação de susto que emitiu a contragosto.
           - Não pode ser! Diga, meu filho, que não ouvi bem.
           Daniel levantou-se, respirou fundo tentando controlar-se e respondeu:
           - Vocês estão fazendo um drama de uma coisa tão simples! Vou fazer uma experiência trabalhando com ele e dividindo as despesas. Combinamos tudo. Não é uma calamidade. Não façam disso uma tragédia familiar.
          Maria Alice abriu a boca, tornou a fechá-la e não encontrou palavras para responder. Estava assustada
O tom da voz de Daniel fazia-a sentir que ele falava sério. Quando conseguiu falar, considerou:
          - Isso não vai ar certo, meu filho!
          - Se não der, farei outra coisa. Afinal sou jovem e tenho uma vida inteira pela frente. Agora, se me dão licença, vou dormir. Amanhã terei que levantar cedo.
          Daniel deixou a sala, e Maria Alice e o marido continuaram conversando, inconformados.
           - Esse menino está me enlouquecendo! - desabafou Antônio. - Não sei a quem ele puxou. Talvez àquele seu tio maluco que foi morar na Europa e jogou tudo fora.
          - Ele não tem nada a ver com tio Eurides. Pare de fazer comparações. Daniel impressionou-se com Rubinho. Sabe como é, os jovens gostam de fazer coisas heróicas, diferentes.
          - Vai quebrar a cara! Como nunca trabalhou, pensa que é fácil ganhar a vida.
       - Ele é muito moço. Acho que  devemos ser pacientes com ele. Deixe-o experimentar, logo vai descobrir seu engano. Não há nada como a verdade. Vai trabalhar muito, ganhar pouco, e quando perceber seu engano, aceitará fazer tudo como você deseja.
          - E o que vai acontecer. Mas para isso vou cortar a mesada. Se ele deseja ser independente, fazer as coisas por conta própria, que se sustente.
          Maria Alice sacudiu a cabeça:
          - Não concordo. Seria humilhante ver Daniel passando necessidades. O que nossos amigos vão dizer? Não isso não.
          - Se eu continuar a dar-lhe dinheiro, ele não vai voltar atrás. E meu dever ensiná-lo.
          - Não dessa forma. Ele não vai ganhar o suficiente para manter nosso padrão de vida. Vai ser uma desmoralização. Nosso filho mendigando, sem dinheiro para ir ao clube, sustentar o automóvel. Você não fará isso! Vai ficar mal para nós!
          - Isso é.
          - Lembra quando o filho do Dr. Emílio brigou com o pai e saiu de casa?
          - Para casar-se com aquela balconistazinha!
           - Foi. Ele cortou a mesada e foi um vexame. O rapaz deu para beber, pedia dinheiro emprestado aos amigos do pai, uma vergonha. Você mesmo ficava constrangido quando ele o abordava. Não, nosso Daniel não pode nos fazer passar essa vergonha!
           - Você acha que ele poderia ficar como o Netinho?
        - E um risco. Daniel é um bom moço. Mas sempre teve tudo. Se ficar sem dinheiro, pode descambar e será difícil trazê-lo de volta ao bom caminho.
           Antônio suspirou e passou a mão pelos cabelos num gesto nervoso.
          - Esse menino merecia uma boa surra.
          - Ele já é homem.
          - Mas tem cabeça de criança.
          - Precisamos ter paciência. Tenho certeza de que essa postura vai durar pouco. Se você fizer pressão, ele vai teimar. Sei como ele é.
          - Um cabeça-dura.
          - Isso. Agora, se você não pressionar, ele vai, perceber a bobagem que está fazendo e desiste.
          - Talvez você tenha razão. A pressão de Ernesto me irritou. Deu-me vontade de fazer justamente o contrário.
          - Está vendo? É isso. Não vamos pressioná-lo. Por si só ele voltará ao bom senso.
          - Espero que tenha razão.
          Na manhã seguinte Daniel levantou-se disposto a enfrentar qualquer oposição familiar.
Pensara em vários argumentos para convencer os pais que sua resolução era irrevogável, na mesa do café ninguém tocou no assunto. Parecia que nada havia acontecido.
          Lanira olhou-o curiosa. Se seus pais estavam calmos, Daniel já teria desistido?
          Depois do café, quando saía para a escola, cruzou com Daniel e perguntou:
          - Você mudou de idéia?
          - Não. Ao contrário. Estou indo encontrar-me com Rubinho para comprarmos os móveis.
          - Está tudo tão calmo... pensei que houvesse desistido.
          - Não. Estou estranhando. Ontem só faltaram me bater, hoje estão como se nada houvesse acontecido.
          - Hum... Se eu fosse você, tomava cuidado. Eles devem estar planejando algo. Papai estava particularmente amável. Quando ele fica assim, sempre há alguma coisa por trás.
          - Eu sei. É assim que ele fica quando quer alguma coisa de seus eleitores, ou dos homens do partido.
         Lanira riu bem-humorada.
          - Eles pensam que nos enganam!
          - Seja como for, estou determinado. Tenho o direito de cuidar de minha vida e fazer as coisas do jeito que eu gosto. Se eu errar, será por minha cabeça.
          - Gostaria de fazer o mesmo.
          - Você?
          - Nossa vida é sempre igual. Gostaria de fazer alguma coisa diferente, antes que acabe me casando com algum almofadinha e vire uma dona de casa.
          Daniel sorriu.
          - Você, uma dona de casa?
          - Do que se admira? O que pode fazer uma moça de sociedade neste Rio de Janeiro?
          - Nunca pensei nisso. Sempre achei que você gostava de freqüentar a sociedade.
          - Antigamente gostava mais. Agora, estou ficando cansada. Isso não pode, aquilo não fica bem, desse jeito não, só desse! Acho que estamos virando marionetes. Outro dia na festa aqui em casa pensei que todos nós éramos bonecos manipulados.
          - E quem puxaria os cordões para movimentar-nos?
          - As regras. Já reparou que todos lhes obedecem? Que é um crime sair fora delas?
          Daniel olhou a irmã como se a estivesse vendo pela primeira vez. Seus olhos brilharam quando respondeu:
          - Não sabia que pensava assim. Entendeu por que quero cuidar de minha vida e fazer alguma coisa do meu jeito? Não quero ser uma marionete nas mãos de papai e mamãe, nem da tirania social. Pretendo achar outro caminho. Acredito que exista. Nunca pudemos procurá-lo. Agora estou decidido. Quer saber? A hora que resolver fazer o mesmo, tomar uma decisão diferentes de ser a esposa de um almofadinha, conte comigo. Temos o direito de escolher o que fazer de nossas vidas.
          Lanira olhou-o sério ao responder:
          - Sua atitude sacudiu-me de alguma forma. Vou pensar no assunto. Às vezes penso que a vida não é só essa rotina que conhecemos. Deve existir algo mais.
          - Não sabia que estava tão amarga! Em sua idade!
          - O que quer? Olho as pessoas e só encontro jogo de interesses, papéis, aparências, nada mais.
          Daniel coçou a cabeça pensativo:
          - Isso é o diabo. Sei como se sente. Não pensei que estivesse tão entendida. Embora queria mudar, assumir minha vida, não estou deprimido como você. Acredito na vida. Sei que existem outras coisas, outras formas de viver. Existe amor, alegria, bondade.
          - Onde?
          - Em um lugar. O importante é não se conformar com o que estão nos impondo. É sair em busca do que queremos, é tentar ser feliz seja como for.
          - Você acredita que vai encontrar o que precisa?
          - acredito. Somos jovens, cheios de vontade de viver.
          - O que faremos sem entusiasmo? Ele é o grande motivador na busca da felicidade.
          - O pior é que eu perdi o entusiasmo. Nada me motiva. Tudo me parece sem importância.
          - Isso passa. Logo mais vai aparecer um moço inteligente, bem apanhado, e pronto. Seu entusiasmo volta rapidinho!
          - É... pode ser. Não digo não. Mas onde encontrá-lo? Por enquanto, nenhum dos que conheço conseguiu interessar-me. Aliás, acho melhor assim. Sabe de uma coisa? Às vezes penso sou diferente, que não tenho nenhuma vocação para o casamento.
          Ele riu bem-humorado:
          - Duvido. E só no que as mulheres pensam!
          - Não nego que eu penso, mas quanto mais penso, menos eu gosto de me casar. Já olhou em volta e viu como é a vida dos casais? Eu não teria paciência para obedecer ao marido, pôr panos quentes aqui e ali, engolir a raiva, dissimular.
          - Como mamãe faz?
          - E. Como ela. Reparou como ela se controla para não sair das regras? Nunca perde o controle, em nenhuma situação.
          - Talvez seja uma qualidade.
          - Até certo ponto sim, mas ela não é calma, cortada, equilibrada como quer parecer. Com seu jeito educado, controla papai, nós, os criados. Todo mundo só faz do jeito que ela quer.
          - Ela não gosta de discutir.
          - Experimente contrariá-la. Seus olhos soltam chispas. Embora não discuta, sempre arranja um jeito de torcer as coisas do jeitinho que ela quer. Quer apostar como vai fazer você mudar de idéia?
          - Quanto a isso, está enganada. Ela pode pode fazer o que quiser. Não vai conseguir.
          - Veremos.
          - Você tem aula agora?
          - Tenho. Por quê?
          - Ia convidá-la para ir comigo ver o escritório. Poderia me ajudar a arrumá-lo.
          - Não tenho nenhuma aula importante. Posso cabular.
          - Se mamãe souber, me mata!
          - Nós não vamos contar. Estou curiosa para ver como é. Outro dia assisti a um filme em que havia um escritório moderno, muito chique.
          - Combinei com Rubinho que faria a decoração no mesmo estilo das salas dele. É moderno e eu gostei. Depois, acho que não ficará muito caro. Sabe como é, ainda não sei se poderei contar com a mesada. Eles bem que podem fazer pressão e cortá-la.
          - Não a mamãe. Isso eles não farão. Já pensou se alguém comentar que o filhinho dela está sem dinheiro para as despesas? Ela vai morrer de vergonha!
          - E, acho que tem razão. Então vamos embora.
          Lanira entrou no carro com satisfação. Até que enfim iria sair da rotina. Havia uma coisa diferente para fazer. Conversaram animadamente durante o trajeto. Rubinho já os esperava. Levaram Lanira para ver tudo e ajudá-los a escolher o que comprar. Um leve toque feminino seria agradável, uma vez que eles desejavam quebrar a sobriedade comum a todos os escritórios de advocacia.
          Os três foram às compras alegremente e Lanira não continha o entusiasmo, principalmente porque eles estavam saindo do tradicional, criando alguma coisa nova, mais ousada. Às duas da tarde eles já haviam comprado o mais importante e foram almoçar em um pequeno restaurante.
          - Quando sairmos daqui, o que vamos comprar? - indagou Lanira com entusiasmo.
          - Bom, eu preciso ir para o escritório. Fiquei fora a manhã inteira. Tenho um cliente que ficou de ir às três horas- respondeu Rubinho.
          - Eu acho que por hoje não podemos comprar mais nada. Amanhã eles vão entregar os móveis, vamos arrumar tudo e ver como ficar. Não quero me precipitar e comprar coisas que não combinam
          - Tem razão - concordou Lanira. - Só vendo os móveis no lugar é que vamos saber o que fazer mais. Não compramos ainda os objetos de uso, cinzeiros, quadros. Acho elegante ter uma caixa de cigarros sobre a mesa. Vi uma na rua de Ouvidor linda, ficará muito bem com os móveis.
          - Estou começando a ficar com inveja - disse Rubinho. - Eu tive que fazer tudo sozinho. Não notei esses detalhes.
          - Se você quiser, podemos escolher algumas coisas para sua sala também - sugeriu Lanira com satisfação.
          Ela nunca tivera chance de escolher nada. Seu quarto, seus móveis, seus objetos de uso e até suas roupas haviam sido escolhidas pela mãe. Quando ela era criança, várias vezes tentará comprar o que achava bonito. Mas a mãe dizia que não ficava bem, que estava fora de moda, sugeria outra coisa. Ela obedecia. Ultimamente, quando gostava de algo, só comprava se sua mãe aprovasse, se dissesse que ficava bom.
          Ela sempre gostará de decoração. Apreciava objetos de arte, tinha certo jeito para arrumá-los de maneira agradável. Percebendo que os dois rapazes tinham acatado sua opinião na compra dos móveis, sentiu-se animada.
          - Só que amanhã você não vai "matar" a aula - resolveu Daniel.
          - Está certo. Mas eu saio às onze e meia e vou direto para o escritório. Estou louca para arrumar tudo e ver como fica!
          - Está certo. Irei buscá-la na escola.
          Quando voltaram para casa, passava das quatro, e Maria Alice olhou-os admirada. Nunca os vira sair juntos. Foi logo dizendo:
          - Estava preocupada. Você não voltou da escola no horário de costume e não veio para o almoço. O que aconteceu?
         - Nada. É que Daniel passou pelo colégio e aproveitei para voltar com ele. Estávamos com fome e fomos almoçar juntos.
          Ela o olhou desconfiada. A história não estava bem contada. Havia alguma coisa errada por detrás disso. Iria descobrir.
          - Poderia pelo menos ter telefonado. Já estava quase ligando para o escritório de seu pai e mandado José à sua procura na escola.
          - A culpa é minha, mãe - justificou-se Daniel. - Deveria ter avisado que ela estava comigo. Desculpe.
          - Só foram almoçar? Já passa das quatro. Lanira saiu às o que e meia!    
          - Verdade? - disse Lanira. - Nem pcebemos o tempo passar! Vou subir para tomar um banho e descansar um pouco.
          - É uma boa idéia
Vou fazer o mesmo - resolveu Daniel.
          Eles subiram e Maria Alice permaneceu em pé observando-os até eles sumissem no final da escada. Lá em cima, no corredor, Lanira trocou um sorriso alegre com o irmão, dizendo baixinho:
          - Ela desconfiou, mas desta vez não descobrirá nada.
          - É. Espero que não, senão vai sobrar para mim.
          - Qual nada! Estou adorando está história. Não perderia isso por nada! Não se esqueça: amanhã estarei esperando para continuarmos.
          - Acho melhor arranjar uma desculpa para a mamãe. Ela vai estranhar você não vir para casa outra vez.
          - Deixe comigo. Eu telefono da escola.
          - O que vai dizer?
          - Não sei ainda. Mas, pode ter certeza de que ela vai acreditar. Com os olhos brilhantes, Lanira entrou no quarto enquanto Daniel abanando a cabeça e rindo, foi para seus aposentos.
         
        
         
        
       
        

         
        

        

    

         
    
     
      
      
       
      
   
       
           
    
           

          
  
        

         

   
      
        
         
      

       
         
        
      
         
      
        

O ADVOGADO DE DEUSWhere stories live. Discover now