II

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O vento frio funcionava quase igual à quebra da maré no corpo nu e gélido de um ser humano.

Era um choque gelado. Uma torção da temperatura.

O vento estava causando uma sensação à altura, mas na minha mente.

De repente, ela parou de se inundar e chapinhar na lama do turbilhão de sons sujos e corpos ensebados da boate.

Não era aquela a corrente realidade.

Sem perceber, eu ingerira um outro tipo de droga além do tipo comum que você atriburia à essa palavra.

Eu anestesiei minha mente com a morfina da negação.

Do falso esquecimento.

Eu tentei tornar a morte da minha mãe um pesadelo ruim numa noite ruim.

— Você perdeu a língua, criatura esdrúxula? – A voz masculina grave e melodiosa como eu lembrava do fundo da mente em colapso falou de novo. – Você me faz ter o trabalho de vir aqui, concentrar uma parte considerável da minha essência nessa carne gordurosa para ficar nesse estado?

Ele era ríspido.

E essa era outra confirmação forte de que ele não era o garoto que eu tanto amei ressuscitado por um milagre de Deus, e nem uma alucinação.

Meu cérebro não seria capaz de imaginá-lo de outra forma a não ser alguém com o coração estufado de amor e...

— Caralho, me responda. Nossa, é muito bom falar palavrões. Essa é a coisa que eu mais me orgulho na espécie humana. Na verdade, é a única coisa. – Se perdeu no seu monólogo e continuou de novo, definitivamente impaciente.

Eu não conseguia falar. Não conseguia me mexer. Não conseguia nem respirar direito. Apenas olhar para a poça de água que meus pés estavam pisando.

Ela refletia o brilho das minhas lágrimas e o suor da minha pele. Vi o minha condenável e digna de pena situação. Meu cabelo caía sem vida sobre os olhos, e os cachos estavam deformados. Eles pareciam ter morrido junto comigo.

— DIGA ALGUMA COISA! VOCÊ TEM CORDAS VOCAIS E EU ESTOU ME COMUNICANDO NA SUA LÍNGUA! – Ele insistiu, suponho.

Não me mexi.

Então, ele segurou meus ombros.

O primeiro toque que ele me deu foi um tiro que sacudiu meu corpo de dentro pra fora. Ecoou nas minhas costelas, comprimiu meus pulmões e fez meu coração acelerar de uma forma não saudável.

Eu fiquei surda por um nanossegundo. Cega por uma fração minúscula do tempo. Fiquei sem sentidos.

E, acima de tudo, a pressão daquele toque agiu sobre mim de tal forma que eu me senti esmagada contra o asfalto.

E a sensação sobrenatural, grandiosa e que eu jamais iria compreender que ele me causava me atingiu com tudo.

Tudo isso não durou mais de um segundo, mas pra mim, pareceu meia era.

Ele ainda segurava meus ombros e me chacoalhou de forma até impertinente.

— FALA. COMIGO. EU ESTOU PERDENDO A PACIÊNCIA. VOU TE LEVAR PRA ALGUM PONTO INÓSPITO DO ESPAÇO E TE DEIXAR CONGELAR ATÉ A MORTE. OU POSSO DESREGULAR A PRESSÃO DO SEU CORPO E TE EXPLODIR COMO... COMO AQUELES... Puts, eu esqueci o nome daquele peixe. São tantas coisas pra minha cabeça. Como é o nome dele? Um desses reclamou comigo mês passado sobre o pH da água. – E voltou ao seu monólogo de novo.

Quem quer que ele fosse, ele parecia ser extremamente paranóico para conversar consigo mesmo.

Não. O que quer que ele fosse.

Um Truque do UniversoWhere stories live. Discover now