Sentamo-nos nos poiais da janela. Assegurei-lhe que não a repreenderia, fosse qual fosse o segredo, embora já suspeitasse de qual era. E então, ela começou:

--Tenho ido ao Alto dos Vendavais, todos os dias, desde que adoeceste, excepto três: uma antes, e duas depois, de teres saído do teu quarto. Dei ao Michael livros e estampas para me aparelhar a Minny todas as noites e para que, depois de eu voltar, a levasse de novo para a cavalariça. Não te esqueças de que também não o deves repreender. Chegava ao Alto por volta das seis e meia e geralmente ficava lá até às oito e meia e depois voltava para casa. Não era para me divertir que lá ia: a maior parte das vezes sentia-me mal comigo mesma. Só de vez em quando me sentia feliz, talvez uma vez por semana. De início, ainda pensei dar-me ao trabalho de te persuadir a deixares-me cumprir a promessa que fizera ao Linton, uma vez que me tinha comprometido a visitá-lo no dia seguinte, mas como adoeceste logo a seguir, não tive a mínima dificuldade e, enquanto o Michael reparava a fechadura do parque, apoderei-me da chave e contei-lhe como o meu primo queria que eu o visitasse, porque era doente e não podia vir à Granja e as objeções que o meu pai levantava à minha ida até lá. Foi então que negociei com ele para me arranjar o cavalo. Ele gosta de ler e está a pensar ir-se embora para casar e, por isso, ofereceu-se para fazer o que eu quisesse se eu lhe emprestasse alguns livros da nossa biblioteca. Mas eu preferi dar-lhe alguns dos meus, o que lhe agradou ainda mais.

--Na minha segunda visita, o Linton parecia muito mais animado e a Zillah, a governanta, limpou a sala, acendeu a lareira e disse-nos para estarmos à vontade, já que o Joseph tinha ido a uma reunião religiosa e o Hareton Earnshaw saíra com os cães para ir roubar faisões nas nossas moitas, como soube mais tarde.

--Ela trouxe-me ainda um pouco de vinho quente e alguns pães de gengibre e pareceu-me uma pessoa extremamente afável. O Linton sentou-se na cadeirão e eu sentei-me na cadeira de baloiço perto da pedra da lareira. O que nós rimos e conversamos! Tínhamos tanto para contar. Fizemos planos para o Verão. Não vou repetir o que planejamos, pois acharias ridículo.

--Certa vez, porém, quase nos zanga: nos. Ele teimou que a melhor maneira de passar um dia quente de Verão era numa encosta coberta de urze, no meio do brejo, a ouvir o zumbido das abelhas nas flores e o canto das cotovias lá no alto, deitado sob o céu azul :, e o sol resplandecente. Esta era a sua ideia de felicidade paradisíaca. A minha, pelo contrario, consistia em baloiçar-me nas ramadas sussurrantes de uma árvore, embalada pela brisa, com as nuvens brancas lá no alto correndo velozmente. E eu gosto não só de cotovias, mas também de tordos, melros, milheiros e cucos, chilreando à nossa volta, com os brejos em pano de fundo, recortados por vales frios e sombreados, mas orlados de grandes tufos de erva alta, ondulando ao sabor da brisa, e bosques, e cursos de água a cantarolar e o mundo inteiro acordado e rejubilante. Ele queria que tudo permanecesse num êxtase passivo, enquanto eu queria que tudo brilhasse e bailasse em jubilosa glória.

--Disse-lhe que o paraíso dele seria para mim uma semi-morte, e ele retorquiu que o meu seria um desbragamento; afirmei que o dele me poria a dormir e ele garantiu que não conseguiria respirar no meu e, a partir daí, começou a ficar muito rezingão. Por fim, concordamos em experimentar os dois paraísos assim que o tempo o permitisse e, então, beijamo-nos e ficamos amigos novamente. Depois, ficamos em silêncio durante uma hora, até que eu reparei naquela sala esplêndida, no chão polido e sem carpetes, e pensei como seria bom brincar ali se retirássemos a mesa; pedi então ao Linton que chamasse a Zillah para nos ajudar e para brincar connosco à cabra-cega. Ela teria de nos apanhar como tu costumavas fazer, lembras-te Ellen? Ele não queria, disse que não tinha graça nenhuma, mas acabou por concordar em jogar comigo à bola. Encontramos duas no armário, no meio de um monte de brinquedos velhos, peões, arcos, raquetes e penas. Uma tinha um C. e a outra um H. Eu quis ficar com a que tinha um C. porque poderia ser um C. de Catherine e o H. poderia ser de Heathcliff, o nome dele. Mas a dele estava rasgada, deitava farelo pelo H., pelo que não quis ficar com ela.

O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora