— Julia, olha pra mim.

Como a mulher teimosa que é, ela só esconde o rosto mais.

— Ei. Foi o passeio que fizemos? Se foi, posso soltar uma nota dizendo que foi, sei lá, um encontro profissional e tudo ficará bem.

— Não ficará. Por que você precisaria de uma criminalista se nunca cometeu um crime? Isso só atiçaria a curiosidade e me levaria ao mesmo mar de merda onde estou me afogando. Deus do céu, onde eu estava com a cabeça quando achei ser uma boa ideia encher a cara em Vegas? E perto de uma capela? Teria sido melhor apostar o meu irmão na roleta!

Meu rosto se retrai.

— Eu e a sua formação discordamos disso. Foi o passeio?

— Eu vou saber, Dustin? Tentaram me hackear, não apontaram uma arma pra minha cara. Eu nem sei quem fez isso ou se foi culpa do casamento. Não posso apontar culpados sem provas.

E pensar que eu planejava dizer que queria entrar em mais uma faculdade aqui em Atlanta para passar o tempo enquanto o divórcio não se resolve. Seria minha terceira, e provavelmente faria a Nara ter um infarto agudo do miocárdio, mas não posso fazer nada enquanto eu não der um jeito nessa bagunça que fiz na vida da Julia. Pedagogia terá que esperar; não é como se eu já não fosse formado em relações internacionais e moda, e tivesse cursos de cinema e linguagem de sinais no currículo também. Estudo por gostar, mas a obrigação sobressai ao gosto neste momento.

— Eu estou aqui com você. Você não terá que passar por isso sozinha. Só não chute as minhas bolas novamente.

Ela dá uma risada cansada e limpa os olhos.

— Não posso prometer. Agora, tenho um cliente em dez minutos, você não pode ficar.

Pego lencinhos umedecidos onde ela os dispõe, e limpo a maquiagem borrada dela com cuidado. Ela murmura alguma coisa.

— Eu não vou deixar a minha querida esposa aparecer como um punk aos amados clientes dela, o que eles vão pensar?

Ajeito o terno dela e dou um beijo na testa.

— Pronto, agora você pode ensaiar suas mentiras.

Saio correndo antes que ela consiga acertar minhas bolas novamente.

Julia

Tá, preciso admitir: o Dustin não é tão mau assim. Apesar de trazer um monte de problemas com ele, ele em si é até legal. E sim, estou dizendo isso só por que ele fez um jantar nada romântico para nós dois, em uma não-comemoração do aniversário de um mês e meio do nosso casamento, que também é um acalento depois do dia horrível que tive.

— O que é este molho? — aponto um muito gostoso.

— Segredo de família. Meu avô puxaria meu pé de noite se eu contasse.

— Esposa é família. — jogo mais uma torradinha com o tal molho na boca.

— Você me considera sua família?

Dou de ombros.

— Qualquer pessoa que mija na borda do vaso do meu banheiro e não é expulsa daqui, é família.

— Foi uma vez, era madrugada e eu limpei. — ele rebate.

— Mas fez. Claro que não é família, família, mas pelo menos não é expulso daqui. E se eu permito que você fique mesmo infectando meu vaso, é justo que me diga a receita do molho.

— Você cozinha por acaso?

— Quando é questão de sobrevivência, sim.

— E como questão de sobrevivência, você faria o molho e só. Não vou contar se você vai se matar de tanto comê-lo.

Bufo, mas é o que eu faria. Não a parte da morte, mas uma mulher consegue sobreviver se comer só molho... não consegue?

— Não. — ele responde os meus pensamentos.

Olho para ele, deixando claro com isso que não sei como ele sabe o que eu estava pensando.

— Você pode ser exímia ao não demonstrar nada no rosto, mas mulher, o seu corpo todo te denuncia. Quando tem uma ideia ruim, faz essa coisa de esfregar o indicador no polegar e um biquinho com os lábios. Toda vez.

Fico chocada quando paro pra pensar e vejo que é verdade. Olho para ele com desconfiança.

— Por quanto tempo você me observou para saber disso? E devo me preocupar?

— Dá pra sentir seus neurônios morrendo de longe, quando está planejando algo terrível. Basta existir para conseguir sentir.

A minha desconfiança só aumenta, porque eu sei que o Pierre e o Oliver, que realmente me conhecem há muitos anos, nunca perceberam nada assim. Eles com certeza diriam se houvessem percebido...

— Você não respondeu a segunda pergunta. — aponto.

— Não sou eu quem deve decidir isso, oras. Eu sei que não estou fazendo nada demais, mas vai que você descobre que eu queimei o cabelo da minha mãe uma hora antes do baile de formatura dela. Eu não confiaria seu cabelo a mim, se fosse você.

Olho para o cabelo dele, espetado em muitas direções diferentes.

— Eu já não confiaria.

— Mas confiaria se estivéssemos presos em um labirinto cuja saída você desconhece, não é?

Não respondo, não preciso. Não gosto do desconhecido e isso não é novidade para ninguém, e este é o problema dele apontar alago do tipo sobre mim.

Ele já não é mais só um desconhecido que entrou comigo em uma capela em Vegas. Já sabe mais sobre mim que a minha família, e já sabe como me provocar até o limite da minha paciência, tudo em apenas um mês. Isso é perigoso, e é...

Droga, é bom. E acho que tô ficando acostumada a isso, o que é muito, muito pior.

Quando em VegasWhere stories live. Discover now