– Peter! Olha bem o que você tá pedindo...

Mas Peter demonstrava querer mesmo o remédio.

– Tem certeza?

Peter tinha.

– Bem, lembra que foi você que pediu. Vou dar porque não sou desses sujeitos mesquinhos. Mas, se não gostar, não me culpa! A responsabilidade é toda sua.

Tom abriu a boca do gato e derramou em sua goela o Mata-Dor. Peter deu um enorme pulo no ar, soltando um miado agudo, e começou a rodopiar pela sala, esbarrando na mobília, derrubando os vasos de flores e provocando diversos outros estragos. Depois, pôs-se sobre as patas traseiras saltitando num frenesi de alegria. Deixou a cabeça cair sobre os ombros, ronronando com indescritível felicidade. A seguir, saiu pela casa adentro distribuindo caos e destruição à sua passagem. Tia Polly entrou a tempo de vê-lo dar alguns pinotes duplos e arremessar-se pela janela, arrastando com ele o restante dos vasos de flores. A velha senhora ficou petrificada de espanto, contemplando cacos espalhados pelo chão. Tom rolava no chão de tanto rir.

– Tom, que foi que deu nesse gato?

– Sei não, tia! – engasgou-se o garoto.

– Nunca vi coisa igual. Que diabo aconteceu com ele?

– Juro que não sei, Tia Polly. Acho que brincadeira de gato é assim mesmo.

– Quem disse?

Havia alguma coisa no seu tom de voz que deixou Tom apreensivo. A velha senhora estava se abaixando, e Tom prestava uma atenção ansiosa a ela. Tarde demais descobriu o que sua tia havia enxergado. O cabo da colher de chá delatora estava visível debaixo da cama. Tia Polly apanhou-a e manteve-a suspensa à sua frente. Tom desviou o olhar. Tia Polly pegou-o pela orelha e sapecou-lhe um forte cascudo na cabeça com o dedal.

– Agora, por que fez isso com o pobre animal?

– Fiz por piedade! Porque o coitado não teve uma tia para cuidar dele.

– Porque não teve uma tia! Seu grande imbecil! O que tem uma coisa a ver com a outra?

– Muito. Se ele tivesse tido uma, ia saber como é o carinho de uma tia que queima o sobrinho todo por dentro! Que assa as tripas dele, pra ele sofrer mais do que qualquer outro ser humano, como fazem as tias, muito boazinhas, quando seus sobrinhos adoecem.

Tia Polly sentiu súbito remorso. Isso colocava as coisas sob nova luz; o que era crueldade contra um gato podia ser crueldade contra um garoto também. Começou a amolecer, sentiu pena. Seus olhos encheram-se de lágrimas, e ela pôs as mãos na cabeça de Tom e falou gentilmente:

– Tive a melhor das intenções, Tom. E o remédio lhe fez bem.

Tom olhou para seu rosto, com nada mais do que uma piscadela traindo seu ar grave.

– Eu sei, titia. Minha intenção também foi boa, e também fiz bem ao Peter. Nunca o vi tão feliz!

– Ora, suma-se daqui, Tom, antes que me zangue outra vez. E trate de ver se pode pelo menos tentar ser um bom menino. Não precisa tomar mais o remédio.

Tom chegou à escola antes da hora. Já haviam notado que aquele estranho comportamento vinha se repetindo todos os dias ultimamente. Ao contrário de antes, ficava no portão da escola, em vez de brincar com os colegas. Estava doente, dizia; e parecia estar. Tentava parecer olhar para todo lugar, menos para onde realmente olhava – estrada abaixo. Lá longe apontou Jeff Thatcher, e o rosto de Tom iluminou-se. Quando ele se aproximou, procurou conduzi-lo de modo a falar de Becky – mas o menino não colaborou.

Tom olhava e olhava, ansioso, cada vez que via uma saia, mas odiando quando percebia que sua dona não era quem esperava. Por fim, as saias deixaram de aparecer e ele caiu em profunda tristeza. Entrou na escola vazia e sentou-se para sofrer. Então, uma saia atravessou o portão e seu coração deu um pinote. Num instante, estava fora, saltitando feito um selvagem, gritando, rindo, mexendo com os outros garotos, pulando a cerca, ficando de pés para o ar, e todas essas coisas heroicas que costumava fazer para exibir-se, sempre lançando um olhar furtivo na direção de Becky Thatcher, para verificar se ela o observava. Mas a menina parecia alheia a tudo. Seria possível que ela não o enxergasse? Resolveu aproximar dela suas acrobacias; fez a volta em torno de Becky emitindo seus gritos de guerra, arrancou o gorro de um garoto, jogou-o para cima do telhado, irrompeu num grupo, dispersando-o em várias direções e atirou-se de bruços debaixo do nariz de Becky, quase fazendo-a tropeçar. Ela se voltou, empinando o rosto, e ele escutou quando a garota disse:

– Tem gente que se julga muito esperta, sempre se exibindo.

As faces de Tom arderam, e ele se esgueirou dali, achatado, com a crista caída.

As aventuras de Tom Swayer (1876)Where stories live. Discover now