--Quem é? --perguntei, baixando a voz.

--Ai, Ellen, quem me dera que pudesses abrir o portão --respondeu ela, aflita, falando também baixinho.

--Olá, Miss Linton! --bradou uma voz, a do cavaleiro. --Bons olhos a vejam! Não tenha pressa de entrar, pois quero pedir-lhe uma explicação que decerto não se furtará a dar-me.

--Eu não falo consigo, Mr. Heathcliff --retorquiu Catherine. O papá diz que o senhor é diabólico e que nos detesta a todos, e a Ellen diz o mesmo. 

--Isso agora não vem ao caso --vociferou Heathcliff (pois era dele que se tratava). --Eu não detesto o meu filho, que eu saiba, e é por ele que lhe peço um pouco de atenção. Sim, sim, bem pode corar! Não é verdade que há dois ou três meses costumava mandar cartinhas de amor ao Linton? Era só para se divertir, não era? Deviam apanhar os dois uma boa sova, especialmente a menina, por ser a mais velha e a menos ajuizada, ao que parece. Tenho todas as suas cartas em meu poder e, se começar com impertinências, mando entregá-las ao seu pai. Presumo que se tenha fartado e atirado o devaneio para trás das costas, não é assim? Pois fique sabendo que atirou também o Linton para as ruas da amargura. Ele está seriamente apaixonado por si e, tão certo como eu estar vivo, não tarda a morrer por sua causa; está com o coração despedaçado, não em sentido figurado, mas de uma forma bem real. E embora o Hareton tenha feito dele o bombo da festa nestas últimas seis semanas, e eu tenha tomado medidas mais drásticas para ver se o faço sair do torpor em que se encontra, o certo é que piora de dia para dia e estará debaixo dos torrões antes do próximo Verão. A menos que a menina o cure!

--Como pode o senhor mentir tão descaradamente à pobre criança? --gritei eu do lado de dentro. --Siga o seu caminho! Não sei como pode inventar tantas aldrabices! Olhe, Miss Cathy, eu vou é arrombar a fechadura com uma pedra. Não acredite nesse chorrilho de disparates. Julgue a menina por si mesma se é possível alguém morrer de amor por uma estranha.

--Não sabia que havia ouvidos à escuta! --resmungou o velhaco, vendo-se desmascarado. --Minha cara Mrs. Dean, gosto muito de ti, mas desagrada-me esse teu jogo duplo. --acrescentou em voz alta. --Como pudeste afirmar que eu detestava a _pobre criança? E inventar histórias mirabolantes para a afastares da minha casa? Catherine Linton... só o nome já me enternece... Minha querida... estarei ausente durante toda esta semana. Vá lá e verá se falei ou não verdade. Faça isso por mim, minha querida!

Imagine o seu pai no meu lugar e o Linton no seu, e pense que ideia faria do seu namorado, se ele se negasse a dar um passo para a consolar, mesmo depois de o seu próprio pai lho ter pedido. E por favor não faça a asneira de cair no logro dela. Juro pela minha salvação que o Linton acabará por morrer e que ninguém a não ser a menina lhe poderá valer!

A fechadura cedeu finalmente e eu sai para a estrada.

--Juro que o Linton está a morrer --repetiu Heathcliff, fitando-me duramente. --O desgosto e a desilusão estão a levá-lo à morte. Se não queres que ela vá, vai lá tu, Nelly. Só volto daqui a uma semana, e creio que nem mesmo o teu patrão se oporá a que ela vá visitar o primo.

--Entre, menina! --disse eu a Cathy, puxando-a pelo braço, e tendo quase de a obrigar a entrar, pois estava especada, a olhar perplexa para o seu interlocutor, que dissimulava toda a sua perfídia num semblante austero e imperturbável.

Aproximando-se com o cavalo, inclinou-se e disse:

--Devo admitir, Catherine, que tenho muito pouca paciência para o Linton, e que o Hareton e o Joseph ainda têm menos. Tenho de reconhecer que ele não ficará nas melhores mãos. E o Linton precisa tanto de bondade como de amor. Uma palavra de conforto da sua parte seria o melhor dos remédios. Não dê ouvidos aos conselhos perversos de Mrs. Dean, seja generosa e vá visitá-lo. Ele sonha consigo dia e noite e não há nada que o convença de que a menina não o odeia, pois deixou de escrever e de aparecer.

Fechei o portão e encostei-lhe um pedregulho, para substituir a fechadura partida. Abri o guarda-chuva e puxei Cathy para debaixo dele, que a chuva já caía em grossas pingas por entre os ramos adejantes, mandando-nos para casa sem demora.

A pressa impediu-nos de comentar o encontro com Heathcliff durante o percurso, mas eu sentia que o coraçãozinho de Catherine estava agora carregado com redobrada tristeza. Era tanta a amargura do seu rosto que nem parecia a mesma --era evidente que tinha acreditado piamente em tudo o que ouvira. Antes de nós chegarmos, o meu patrão tinha-se recolhido no quarto a descansar. Cathy foi logo ter com o pai para saber como ele se sentia, mas encontrou-o a dormir. Voltou então para baixo e pediu-me para me vir sentar ao pé dela na biblioteca. Tomamos o chá juntas e, em seguida, ela estendeu-se no tapete e pediu-me que ficasse calada, pois estava muito cansada.

Peguei num livro e fingi ler; ela, assim que me julgou absorvida na leitura, recomeçou a chorar baixinho, que era pelos vistos o seu passatempo favorito nos últimos tempos. Deixei-a chorar à vontade, mas daí a um bocado não me contive e comecei a fazer troça do que Mr. Heathcliff dissera a respeito do filho, convencida de que ela concordaria comigo. Isso sim! Não tive artes de contrariar o efeito produzido pelas palavras dele. E era isso mesmo que ele queria.

--Pode ser que tenhas razão, Ellen --respondeu Cathy.

--Mas, não fico sossegada enquanto não souber a verdade. Tenho de dizer ao Linton que não é por minha culpa que não lhe escrevo e que os meus sentimentos não mudaram. Que podiam ralhos e protestos perante tão inocente credulidade? Nessa noite despedimos-nos amuadas. Mas no dia seguinte dei por mim a caminho do Alto dos Vendavais, à ilharga do cavalo da minha voluntariosa menina. Não suportando contemplar o seu desgosto, aquela palidez e aquela tristeza no olhar, acabara por ceder, na vaga esperança de que o próprio Linton provasse, pelo modo como nos recebesse, como era falha de fundamento a história que o pai dele contara.

O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora