Capítulo 1

77 7 2
                                    


Que meus olhos consigam esconder

a profundidade da minha solidão.

Isabelle

Em frente ao espelho começo a trançar meus longos cabelos. Faço uma trança lateral, e olho fixamente meu reflexo. Cabelos cor de chocolate, olhos azuis brilhantes. Um rosto marcante.

A beleza que é sempre motivo de alegria de qualquer mulher, mas para mim é meu maior pesadelo. As pessoas julgam pela aparência. Rotulam e colocam você em uma prateleira de conceitos pré-estabelecidos, de acordo com sua aparência. É frustrante.

Termino de arrumar o cabelo, coloco um pouco de rímel que salienta ainda mais o azul dos meus olhos, e na boca, um pouco de gloss.

Nua, me dirijo para o guarda-roupa. O que vestir em uma situação assim? Penso insegura.

Escolho um jeans escuro, uma blusa preta transparente, mas formal, e opto por não colocar saltos. Já chamo muita atenção sem eles. Então, calço um par de sapatilhas confortáveis.

Dirijo-me para a sala onde Lua, esparramada no sofá, lambe tranquilamente suas patas. Ela para quando percebe minha presença e me observa atentamente. Seus olhos amarelos e inteligentes, quase gritam para mim. Ignoro.

Meu minúsculo apartamento, com apenas uma cozinha, um quarto e uma sala está totalmente bagunçado, definitivamente organização não é meu forte.

Revistas e livros estão espalhados por toda parte. Meu sofá gasto está coberto com uma manta colorida, presente que ganhei do meu pai da sua viagem ao México. Uma mesa de centro baixa, abarrotada de blocos de desenho e algumas revistas completam a bagunça do cômodo. Gosto de rabiscar enquanto assisto TV. A bagunça aqui é –bem-vinda. Pego o capacete, a mochila de couro preta com franjinhas, o celular e as chaves. Dou mais uma olhada para trás e saio para o sol da manhã.

Minha moto, uma Harley Davidson preta, único presente que aceitei na vida do meu pai, está estacionada na garagem do prédio.

Coloco o capacete prendendo a trança dentro, assim que dou partida na moto, relaxo. Nada, absolutamente nada, me traz mais prazer do que sentir o vento no meu rosto enquanto dirijo.

Moro em um bairro afastado, na zona leste, e o caminho que faço agora, uma via que serpenteia toda a orla, é algo que realmente faz a distância valer a pena. Pego a via que dá acesso à praia. O escritório da Editora Línea fica localizado em um dos bairros mais nobres da cidade. Empresas conceituadas disputam lugar com hotéis luxuosos e uma grande diversidade de empreendimentos pode ser encontrada lá.

A longa faixa litorânea, margeada de um lado por um mar azul e do outro por edifícios baixos, de no máximo quatro andares, deixa o bairro charmoso e bem diferente das demais cidades que já estive, onde os espigões tomam conta de toda a praia. Sentindo a brisa marinha batendo no rosto, inspiro o ar puro e procuro limpar minha mente dos pensamentos que têm assombrado meus dias e noites.

Vou fazer vinte e três anos em breve, quero deixar para trás tudo aquilo que até hoje governou minha vida: o medo de me tornar igual minha mãe... Chacoalho a cabeça afastando esse pensamento.

Aumento um pouco a velocidade. Conseguir este emprego significa minha permanência nesta cidade. Não quero ter que pedir ajuda a meu pai, mas minha grana está no fim, e preciso de algo fixo. Viver de trabalhos temporários está cada vez mais difícil.

Vou me aproximando do meu destino e o nervosismo começa a tomar conta. Tem que dar certo dessa vez.

Paro a moto no luxuoso prédio. O edifício com sua fachada de vidro tem um layout totalmente diferente dos demais. Vidros de diferentes tons de cores encaixam-se perfeitamente em um perfeito desenho geométrico. É lindo.

Sereia UrbanaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora