--Então deixe-me ir para a cama --respondeu o rapaz, furtando-se ao beijo de Catherine e levando as mãos aos olhos para limpar duas lágrimas inconsequentes.

--Então, então! Um menino tão bonito! --disse eu brandamente, levando-o para dentro. --Assim, vai fazer chorar também a sua prima. Veja como ela está triste por sua causa.

Não sei se era por pena, mas Cathy mostrava-se tão acabrunhada como o primo e voltou para junto do pai. Entraram os três e subiram para a biblioteca, onde o chá já estava à espera deles.

Tirei o boné e a capa de Linton e sentei-o no seu lugar à mesa. Porém, mal se sentou, começou de novo a chorar. O meu patrão perguntou-lhe o que tinha.

--Não consigo estar sentado na cadeira --respondeu entre soluços.

--Nesse caso, vai deitar-te no banco e a Ellen leva-te lá o chá --disse o tio, cheio de paciência. (_Bem devia ter precisado dela durante a viagem para aturar aquele choramingas!)

Linton arrastou-se vagarosamente até ao banco e estendeu-se ao comprido. Cathy pegou num banquinho para os pés e na sua chávena e foi sentar-se junto dele.

A princípio, manteve-se em silêncio, mas claro que isso não podia durar muito: depressa resolveu transformar o primo em bichinho de estimação e como tal o começou a tratar. Afagava-lhe os caracóis, beijava-lhe as faces e dava-lhe chá pelo pires, como se ele fosse um bebé. E ele, que pouco mais era do que isso, estava a gostar: enxugou as lágrimas e um breve sorriso iluminou-lhe o rosto.

--Ele vai dar-se bem por cá --disse o patrão, depois de os observar durante alguns minutos. --Vai dar-se até muito bem... se pudermos ficar com ele, Ellen. A companhia de uma criança da mesma idade dar-lhe-á uma alma nova e, à força de querer ser forte, acabará mesmo por sê-lo.

_Tudo isso está muito bem, se pudermos ficar com ele, pensei comigo mesma; mas tinha um pressentimento de que havia motivo para não ter muitas esperanças. E, depois, perguntei-me como poderia aquela criatura tão frágil ir viver para o Alto dos Vendavais, com o pai e o Hareton... Belos companheiros e belos professores, não havia dúvida! 

Mas as nossas incertezas cedo desapareceram, bem mais cedo do que eu esperava. Depois de terminado o chá, levei as crianças para os quartos, esperei que Linton adormecesse, pois não me deixara sair antes, e voltei para baixo. Estava eu junto à mesa do vestíbulo a acender uma vela para Mr. Edgar levar para o quarto, quando da cozinha saiu uma criada a correr, para me avisar de que Joseph estava à porta e desejava falar com o patrão.

Em primeiro lugar, vou ver se ele está pelos ajustes --disse eu, manifestamente perturbada. --Isto são lá horas de se vir incomodar uma pessoa, ainda por cima quando ela acaba de regressar de uma viagem tão estafante. Não me parece que o patrão o possa receber. Mas, enquanto eu dizia estas palavras, já Joseph tinha entrado para a cozinha e vindo até ao vestíbulo. Envergava o seu fato domingueiro, exibia a expressão mais beata e carrancuda que eu já vira, de chapéu numa mão e bengala na outra, e estava ocupado a limpar os pés ao tapete.

--Boa-noite, Joseph --disse eu com frieza. --Que o traz por cá a estas horas?

--É com Mr. Linton qu.eu venho falar retorquiu, arredando-me para o lado com um gesto de enfado.

--Mr. Linton está a preparar-se para ir para cama e tenho a certeza de que não o vai atender, a menos que tenha alguma coisa muito importante para lhe dizer. O melhor é sentar-se e dizer-me o que o traz por cá.

--Onde fica o quarto dele? --continuou o velho, percorrendo com o olhar a correnteza de portas fechadas.

Percebendo que ele não estava disposto a aceitar a minha mediação, foi com relutância que entrei na biblioteca e anunciei o inoportuno visitante, mas não sem aconselhar Mr. Linton a mandá-lo voltar no dia seguinte. Ele, porém, nem tempo teve para me dar essa ordem, pois Joseph viera atrás de mim e, entrando na sala, foi especar-se no extremo oposto da mesa, com as mãos cravadas no castão da bengala, e disse, elevando a voz como se já esperasse oposição:

--Mr. Heathcliff mandou-me vir buscar o miúdo, e eu não me posso ir daqui sem o levar.

Edgar Linton manteve-se em silêncio por um momento: uma profunda tristeza toldou-lhe o semblante; o garoto, só por si, já seria razão suficiente; mas, ao recordar as esperanças e os receios de Isabella, a sua inquietação quanto à sorte do filho e as recomendações que lhe fizera ao confiá-lo à sua guarda, era com grande amargura que encarava a sua partida, procurando com afinco um meio de a evitar. Mas não encontrava solução: a simples manifestação do desejo de manter o sobrinho junto de si mais força daria às pretensões do pai do rapaz, e não lhe restava outra solução senão resignar-se a deixá-lo partir. Opôs-se contudo a ir acordar o garoto.

--Diz a Mr. Heathcliff --respondeu, falando calmamente --que o filho dele estará amanhã no Alto dos Vendavais. Neste momento, está a dormir e demasiado cansado para empreender nova viagem. Podes dizer-lhe também que a mãe do Linton desejava que ele ficasse à minha guarda, e que a sua saúde é atualmente muito precária.

--Não senhor! --exclamou Joseph, afivelando um ar autoritário e batendo com a bengala no chão. Não senhor! Isso não interessa. Mr. Heathcliff quer lá saber do que a mãe disse ou do que o senhor disse. O que ele quer é o miúdo e eu tenho d.o levar, está a perceber?

--Mas não esta noite --replicou Edgar Linton, peremptório. --Põe-te daqui para fora imediatamente e repete ao teu patrão o que acabei de dizer. Leva -o daqui, Ellen. Vá!

E, agarrando o velho tratante pelo braço, expulsou-o da sala e fechou a porta à chave.

--Pois muito bem! --berrou Joseph, enquanto se afastava

--Amanhã há-de vir ele em pessoa e o depois veremos se o senhor se atreve a correr com ele!

O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora