Julgo que Mr. Linton não respondeu a esse bilhete. Passados quinze dias, recebi uma longa carta que achei estranho ter sido escrita pela pena de uma recém-casada, e logo após a lua-de-mel. Vou ler-lha, pois ainda a tenho em meu poder. As relíquias dos mortos são para nós preciosas, se os estimamos em vida.

Querida Ellen:

Cheguei ontem ao Alto dos Vendavais e ouvi dizer pela primeira vez que a Catherine tem estado, e ainda está, muito doente. Julgo que não lhe devo escrever, e o meu irmão ou está muito zangado ou muito desgostoso para me responder. Mas eu tinha de escrever a alguém, e tu foste o meu último recurso. Diz a Edgar que eu dava tudo para voltar a vê-lo, e que o meu coração regressou à Granja dos Tordos passadas vinte e quatro horas da minha partida, e que aí continua, cheio de amor por ele e por Catherine!

No entanto, não posso fazer o que o meu coração manda.Escusam, portanto, de esperar por mim e podem tirar as conclusões que quiserem, mas não julguem que é por falta de vontade ou de afeto. O resto da carta é dirigida apenas a ti. Quero fazer-te duas perguntas. A primeira é a seguinte:

Como conseguiste preservar os sentimentos próprios da natureza humana enquanto aqui viveste? Eu não partilho qualquer sentimento com os que aqui me rodeiam. A segunda pergunta interessa-me muito: diz-me, Heathcliff é mesmo um ser humano? Se é, deve ser um louco. Se não é, deve ser um demônio. Não te vou dizer por que faço estas perguntas, mas gostaria que me explicasses, se puderes, como é o homem com quem casei. Farás isso quando vieres visitar-me. Por favor, vem visitar-me o mais depressa possível, Ellen. Não escrevas, vem visitar-me e traz notícias do Edgar!

E, agora, contar-te-ei como fui recebida no meu novo lar, isto é, no Alto dos Vendavais. Quando me referir à falta de comodidades, não quer dizer que isso seja o que mais me preocupa. Só me lembro delas quando sinto a sua falta. Pularia de contente se fosse essa a causa de toda a minha infelicidade, e tudo o mais não passasse de um sonho bizarro!

O sol punha-se por detrás da Granja quando viramos em direção ao brejo. Deviam ser umas seis horas. O meu companheiro fez uma paragem de cerca de meia-hora para inspecionar  o parque, os jardins e, provavelmente, a própria casa. Era, portanto, já de noite quando nos apeamos no pátio. O teu velho colega, o Joseph, veio ao nosso encontro com uma vela de luz ténue. A cortesia com que me recebeu confirmou a sua reputação O seu primeiro gesto foi colocar a vela ao nível do meu rosto, olhar-me com ar hostil, espetar o lábio inferior em sinal de desdém e virar-me as costas. Depois, levou os dois cavalos para os estábulos. Em seguida reapareceu a fim de fechar o portão, como que se estivesse num castelo medieval.

O Heathcliff ficou a falar com ele e eu entrei para a cozinha, um buraco imundo e desarrumado. Aposto que não a reconhecerias. Mudou imenso desde que deixou de ser cuidada por ti.

À lareira estava um garoto de ar rufião, robusto e mal vestido. A boca e os olhos pareciam-se imenso com os da Catherine.

Pensei que deveria ser o sobrinho de Edgar e, de certa forma, meu também. Tive de o cumprimentar e, claro, dar-lhe um beijo. É aconselhável causar boa impressão logo de início. Aproximei-me dele, tentei pegar-lhe na mão e perguntei:

--Como estás, meu querido?

Devolveu-me a saudação com um palavrão que não compreendi.

--Vamos ser amigos, Hareton? --disse eu, tentando manter conversa.

Praguejou e ameaçou açular o cão contra mim se eu não me pusesse a andar.

--Hey, Throttler! --chamou o patifório. E vindo de um canto qualquer, surgiu um canzarrão de aspecto feroz. --E, agora, giras ou não giras daqui pra fora? --disse ele, num tom de voz autoritário.

O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora