Até o Fim

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"O amor começa como um sentimento, mas continuar é uma escolha. E eu me vejo escolhendo você, mais e mais a cada dia". - Justin Wetch

- Você está aqui ainda?

- Prá onde eu iria?

- Qualquer lugar... Você ainda é jovem. E eu estou aqui, moribundo. De fato, você estar aqui sem proteger seu rosto é uma insanidade sem tamanho.

- Insanidade é pensar na minha vida sem você...

As lágrimas já não podem ser contidas. Ver seu amado quase que se desfacelando literalmente nos seus braços foi a gota que faltava para romper a forte barreira que segurava as lágrimas da certeza que amanhã estaria sozinha. De fato, tinha esperança de, infectada com a mesma doença não diagnosticada do seu amadado, morresse antes de encontrarem ambos caídos ao lado das ruínas do que um dia tinha sido um lar alegre e cheio de vida.

Um tempo depois, sem condições físicas de expelir uma lágrima, tendo chorado por todos os seus filhos, vítimas do desastre que destruiu tudo o que eles haviam construído por toda vida, ela fala para o seu amado, que alterna entre momentos de lucidez, dor extrema, inconsciência e loucura:

- Você se lembra?

- Eu me lembro de muitas coisas. Agora eu me lembro de quando viemos pra cá. Não tínhamos praticamente nada: menos de uma dezena de cabeças de gado e um sonho maior do que o terreno que compramos.

- Eu me lembro também... Me lembro que tinha muito medo. Me lembro de escondê-lo atrás da sua fé.

- Posso te contar um segredo?

- Claro, querido...

- Eu também tinha medo. Muito medo. Eu enfrentava esse medo todo dia, sob o sol, repetindo: "Eu não posso errar, ela depende de mim."

Mais um ciclo de dor faz com que ela o abraçasse fortemente e, com ele ainda em seus braços, respirando com dificuldade, olhou pra cima e gritou a plenos pulmões:

- SOCORRO!

Ela chorava. Sem lágrimas. Ali, no meio de tudo o que sobrara só tinha um recipiente com água que ela administrava aos poucos para aquele velho homem lançado aos seus braços.

Ele desfalecera mais uma vez. Seu corpo colapsava de dor. Hora lhe tirando a sanidade, hora lhe tirando a consciência. Por trás de toda aquela sujeira e escaras que lhe cobriam o corpo ela ainda conseguia ver seu jovem amado cujo encanto ia além da beleza física. Ela via nele uma vivacidade e uma capacidade inigualável de transformar momentos tristes em oportunidades para seguir em frente.

Os ciclos de inconsciência estavam ficando cada vez mais longos. Sua respiração cada vez mais difícil. A cada reação de vida, ela o abraçava, dando graças a Deus por ter mais uma oportunidade para dizer-lhe que o amava.

- Eu morri?

- Sai prá lá! Você ainda não morreu... E nem vai! - Ela fala sem nenhuma convicção.

- Eu acho que morri sim, estou vendo um anjo cuidar de mim. O rosto desse anjo, de longe, é o remédio que mais alivia as minhas dores.

- Ah, querido... Não sei como você consegue continuar sendo brincalhão diante de tanta desgraça.

- Desgraça? Não. Se eu morrer agora, toda essa desgraça representará a menor porção do que vivi. Para onde quer que eu vá, sei que minhas memórias serão tão somente ver você, graciosa, andando ao meu lado, cuidando dos nossos filhos e transformando paredes, móveis e objetos num lar cheio de vida.

Até o fimWhere stories live. Discover now