Sentei-me no ato, trêmula e ofegante, o estrondo sequente de objetos caindo se destacando ao fundo. Minhas unhas afundavam-se no vermelho de um cobertor xadrez e somente então entendi que não era eu quem tremia, era a cama. Gemi, tocando a cabeça que doía e pesava feito uma bigorna. Devia estar usando a telecinese enquanto dormia outra vez.

Olhei entorno, naquele lugar de pouca luminosidade, procurando lembrar de onde me encontrava. Não reconhecia aquele quarto, mas estava claro que não me pertencia. Era prático demais. Comportava apenas uma estreita mesa de cabeceira com o abajur branco, uma robusta cômoda com porta-retratos coloridos e livros – os títulos eram variados, de Tolstoi à J.K.Rowling —, a cama e uma escrivaninha com computador – aparentemente, mais velho do que eu –, tudo muito simples e de madeira escura, inclusive o piso e as paredes. Fiquei de pé e caminhei até a janela, afastando a cortina – também em xadrez vermelho – para vistoriar lá fora. Aparentava ser de manhã, embora o céu se escondesse entre nuvens abrumadas e espessas. Não chovia, porém; havia até mesmo um varal com roupas no quintal. Logo atrás, a floresta se desdobrava — árvores finas e alongadas espremiam-se umas nas outras.

Que lugar é esse?, pensei, ao que baixava os olhos para minhas roupas e me dava conta de que elas também não eram minhas. Camiseta verde-escura comprida demais e um short preto curtíssimo, tudo muito desproporcional. E para ser sincera, fediam um pouco. Era como se tivessem usado os tecidos para lavar animais em algum zoológico.

Santo Deus, o quanto eu bebi noite passada? Eu não conseguia lembrar de nada, algo realmente inédito, pois eu já havia digerido o estoque inteiro de um bar e ainda fiz malabarismos com as garrafas vazias. Meus olhos lampejaram para os porta-retratos e tentei enxergar neles pistas de minha localização. Desperdício total de esforço, porque as pessoas nas fotos não me remetiam a nada. Eram apenas a coletânea de registros de um garoto até muito bonito, na verdade; pele acobreada, olhos da cor do carvão e cabelos lisos, acetinados e espetados em volta do rosto de linhas delineadas. Era difícil supor a idade; dado o tamanho podia ter vinte e dois ou vinte e três anos, mas o sorriso largo e o olhar limpo sugeriam muita inocência para tal.

Eu nunca o vi na vida... ou será que vi? Por que se aquele quarto pertencia àquele garoto...

Recuei, horrorizada com a hipótese que se formou na minha cabeça. Agarrei a camiseta, de repente enojada. Ah, não. Não, não. Por favor, Deus, por favor. Diga-me que não dormi com ele...

Antes que eu pudesse alimentar mais essa ideia medonha, ouvi um mínimo silvo no ar, que indicava que alguém muito silencioso estava se aproximando. Fiquei imediatamente na defensiva; humanos são barulhentos, batem os pés, fazem tábuas rangerem, coisas do tipo. Mas não era um vampiro. Tinha um coração pulsante. Resolvi esperar, paciente, enquanto o alguém abria a porta devagar e adentrava no quarto.

Diferentemente do que eu esperava, não era o garoto dono do quarto, mas sim uma moça. Ela era alta e magra, possuía músculos fortes e uma beleza exuberante; pele castanho-avermelhada sedosa, cabelos negros perfeitamente lisos e curtos junto ao rosto, olhos amendoados de longos cílios. A beleza, contudo, contrastava com o cheiro, que era o mesmo odor animalesco das roupas que eu vestia. Usava camisa xadrez e um jeans rasgado, o que me fez pensar qual era a da moda de lenhador. Relaxei um pouco quando vi que era a moça de uma das fotos, a abraçada ao garoto. Ela parou junto à porta, um tanto cautelosa ao me encontrar desperta.

— Oi – murmurou ela, rígida. – Está tudo bem?

Ergui a sobrancelha. Inglês? Não era todo mundo na Noruega que falava inglês.

Ou talvez eu não estivesse mais na Noruega.

Esforcei-me para não entrar em pânico:

— Oi – respondi, estando ciente do sotaque. – Espero não ofender, mas... Quem é você?

Estrela da TardeΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα