Saiu tonta da casa de loucos. O negrinho Tuísca calçando botinas - ele também! - deroupa nova, andava de graça por ter ajudado a colar os cartazes nas ruas da cidade.
Foram à noite às quermesses em frente à igreja de São Sebastião. Por ali passeavaTonico com dona Olga, Nacib a deixou com eles, deu um pulo no bar para ver comomarchava o movimento. Vendiam presentes nas barracas, moças estudantes tomavamconta. Rapazes compravam. Havia leilões de prendas em benefício da igreja.
Ari Santos, suando a valer, era o leiloeiro. Anunciava:
- Um prato de doces, oferta da gentil senhorita Iracema. Doces feitos com suaspróprias mãos. Quanto me dão?
- Cinco mil-réis - oferecia um acadêmico de medicina.
- Oito - aumentava um empregado no comércio.
- Dez - lançava um estudante de direito.
Iracema tinha muitos apaixonados, disputado era o seu portão de namoros e, por issomesmo, o seu prato de doces. Na hora do leilão veio gente do bar para assistir eparticipar. As famílias enchiam a praça, namorados trocavam sinais, noivos sorriam debraço dado.
- Um jogo de chá, prenda da jovem Jerusa Bastos. Seis xícaras, seis pires, seis pratospara doces, e outras peças. Quanto me dão?
Ari Santos exibia uma xícara pequena.
As moças entreolhavam-se numa rivalidade de preços. Cada qual desejava que seupresente a São Sebastião fosse vendido mais caro. Os namorados e noivos gastavamdinheiro, levantando as ofertas para vê-las sorrir. Por vezes, dois coronéis candidatavam-se à mesma lembrança. Crescia a animação, subiam os lances, chegando a cem e aduzentos mil-réis. Naquela noite, numa disputa com Ribeirinho, Amâncio Leal deraquinhentos mil-réis por seis guardanapos. Isso já era desperdiçar, jogar dinheiro fora. Tãofarto ele andava nas ruas de Ilhéus. As moças casadoiras animavam, com os olhos,namorados e pretendentes: a ver que figura fariam quando o leiloeiro anunciasse a suaprenda. A de Iracema batera um recorde: o prato de doces fora levado por oitenta mil réis. Lance de Epaminondas, sócio mais jovem de uma loja de fazendas, Soares & Irmãos.Pobre Jerusa, sem namorado! Metida a emproada, não se passava para os moços de Ihéus.Murmurava-se de um amor na Bahia, um quintanista de medicina. Se sua família nãoentrasse nos lances - seu tio Tonico e dona Olga, ou algum amigo de seu avô -, seu jogode xícaras não ia dar nada. Iracema sorria, vitoriosa.
- Quanto me dão pelo jogo de chá?
- Dez mil-réis - deu Tonico.
Deu quinze Gabriela, com Nacib novamente a seu lado. O coronel Amâncio, capaz deaumentar o lance, já não estava, fora-se embora para o cabaré. Ari Santos suava, nopalanque a gritar:
- Quinze mil-réis... Quem dá mais?
- Um conto de réis.
- Quanto me disse? Quem foi que falou? É favor não brincar.
- Um conto de réis - repetiu Mundinho Falcão.
- Ah! seu Mundinho... Pois não. Senhorita Jerusa, quer ter a bondade de entregar aprenda ao cavalheiro? Um conto de réis, meus senhores, um conto de réis! São Sebastiãoserá eternamente grato a seu Mundinho. Como sabem, esse dinheiro é para a construçãoda futura igreja, nesse mesmo local, uma igreja enorme que substituirá a atual. SeuMundinho, o dinheiro é mesmo comigo... Muito obrigado.
Jerusa ia buscar a caixa com as xícaras, entregava ao exportador. As moças vencidascomentavam aquela loucura. Que significava? Esse Mundinho, podre de rico, rapaz elegantedo Rio, combatia num combate mortal a família dos Bastos. Uma luta com jornaisqueimados, homens surrados, atentados de morte. Fazia frente ao velho Ramiro,disputava-lhe os cargos, levava-o a ataques de coração. E, ao mesmo tempo, dava umconto de réis, duas reluzentes notas de quinhentos, por meia-dúzia de xícaras de louçabarata, prenda da neta do seu inimigo. Era mesmo maluco, como iriam entender? Todaselas, de Iracema a Diva, suspiravam por ele, rico e solteiro, elegante e viajado, indoconstantemente à Bahia, tendo casa no Rio... As moças sabiam de suas histórias comraparigas. Com Anabela, com outras mandadas buscar na Bahia, no Sul. Por vezes as viampassar, elegantes e livres, na avenida da praia. Mas namoro com moça solteira ele nuncativera. Com nenhuma delas, mal as olhava. Tampouco Jerusa. Esse seu Mundinho Falcão,tão rico e elegante!
YOU ARE READING
Gabriela Cravo e Canela
RomanceA presente obra do autor Jorge Amado é disponibilizada por mim, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, leitura pessoal, para o conhecimento e divulgação da cultura brasileira através de seus mais con...
A PASTORA GABRIELA OU DA SENHORA SAAD NO RÉVEILLON
Start from the beginning