Arabella

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Você já viu aqueles filmes em preto em branco em que o mocinho encontra a mocinha e o tempo todo para só para eles se observarem atentamente? A câmera se aproxima do rosto de ambos, fazendo um belo close nas feições de descoberta do casal, os dois podem não trocar palavras mas o público sabe exatamente o que está acontecendo. Foi exatamente isso que aconteceu comigo, só que eu não sou o mocinho, e ela definitivamente não é a mocinha.

Do outro lado do recinto estava ela, olhos meio distraídos, blusa preta, brincos de argola cor prata, calça jeans e botas meio pretas, ela estava longe, relativamente longe mas nada interrompia meus olhos de observa-la, e ela de alguma forma também retribuía o olhar de vez em quando, talvez esse fosse um dos poucos momentos na vida das pessoas em que você se encontra nos olhos de outra pessoa na rua, na chuva ou em qualquer outro lugar, as pessoas ao redor não paravam de conversar, gritar e dançar mas tudo era irrelevante pois eu só podia escutar os timbres atraentes das guitarras da música "Arabella" que tocava no lugar, eu amava essa música e para minha surpresa eu podia ver a moça cantarolar pedaços da canção.

"And her lips are like the galaxy's edge..."

Na minha cabeça ela era a garota da canção, e eu queria desvendar o ser misterioso que ela era, eu queria atravessar todas aquelas pessoas, empurrar pessoas, tirar tudo do meu caminho, queria ir até ela e perguntar qualquer coisa, quantos anos ela tinha, qual era seu nome, se eu podia lhe pagar uma bebida, se ela gostava de Arctic Monkeys, eu dei um passo para a frente mas meu corpo paralisou, a música continuava no pré-solo, talvez eu estivesse prestes a entrar em uma aventura, talvez eu só estivesse indo falar com uma garota, mas ela não era uma garota normal, ela não era uma mocinha de filme de romance, definitivamente. Eu dei mais um passou e o solo eletrizante da canção se iniciou, naquele instante tudo pareceu avançar em uma pressa infinita, e ela quebrou sua pose de deusa marginal e saiu do lugar, meus olhos quase pularam para fora do rosto mas meu corpo não foi capaz de fazer nada, eu permaneci parado e ela se foi.

Minutos se passaram, uma nova música se iniciou mas eu estava me sentindo bobo e estressado demais para prestar atenção, como eu pude deixar isso passar? Podia ser o amor da minha vida... Ok, provavelmente não, mas pelo menos eu podia ter tentado falar com ela, eu precisava ter feito isso, mas não fiz, eu suspirei e decidi sair, precisava fugir daquele lugar abafado e cheio de gente, fui a caminho da porta e cheguei ao estacionamento, haviam diversos carros mas logo encontrei o meu de vista, me encostei em um poste próximo a um Opala, pus a mão no bolso da jaqueta e achei meu maço de Marlboro, coloquei um cigarro entre os lábios e o acendi, traguei de olhos fechados como se fosse a última coisa que podia fazer naquela noite, deixei a fumaça escapar de minha boca e abri as pálpebras devagar, olhei reto para o horizonte e pude avistar uma figura, não havia mais ninguém no estacionamento além de mim e essa outra pessoa, ela veio se aproximando e parou ainda mantendo uma certa distância, minhas retinas pareciam mentir para mim, mas era ela, a garota de cabelos escuros que cantava "Arabella" ela ergueu a mão até os lábios e percebi que também carregava um cigarro entre seus dedos "Assim como na música" pensei, sorri ao vê-la tragar seu cigarro, ela me olhou e abriu de leve um pequeno e quase imperceptível sorriso, talvez o universo tenha me dado uma nova chance de falar com ela, dei alguns passos em direção à ela e olhei em seus olhos, abri minha boca e minha voz disse:

- Ei, tudo bem? Como você se chama?

Ela tragou seu cigarro e soprou, umidificou seus lábios como alguém antes de beijar outros lábios, sua boca se abriu e...

Como eu disse, esse não era o encontro de um casal, e muito menos um filme de romance. Os créditos sobem como em um filme sem final.

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⏰ Last updated: Nov 23, 2018 ⏰

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Como conhecer o amor da sua vida num bar (Ou qualquer outro lugar)Where stories live. Discover now