Furtrajante Mundo Novo - As Coiotes

1 - Confortably Numb

Quadrante Global Noroeste.

Centro de treinamento acadêmico das forças armadas da ilha central.

Da janela do terceiro andar o coronel Cutter observa o campo de treinamento vazio com um ar amargo. O velho carcaju de aparência intimidadora se vira ao ouvir passos entrando na sala.

- Tenente Swifty se apresentando, senhor. O senhor Blackberry está aqui para vê-lo. - O raposo subalterno abria caminho para o magnata da indústria bélica noroeste: Um cangambá só um pouco mais novo que o coronel, de abdômen proeminente, costas arqueadas, sorriso enviesado e olhar vazio, com os dedos cobertos de anéis e entre eles um charutito aceso.

- Blackberry... - Ele encara a fumaça do charutito sem olhar nos olhos do outro. - Já aviso que não estou de bom humor hoje. Do que tiver a me dizer, espero que tenha alguma boa ideia dos seus homens no meio.

- Meu caro Cutter, eu o considero como...

- Vá logo ao assunto!

- Ehrm. Claro. Os modelos estão nos esperando no saguão de protótipos.

Os 3 atravessaram até o setor de ciência e tecnologia. Pesquisadores em seus jalecos brancos atravessavam apressados entre as portas dos laboratórios. Eram leopardos, panteras, dingos, arminhos e cães akita conversando discretamente entre si em seus dialetos nativos de outras partes do mundo. Coronel Cutter os olhava silenciosamente num misto de desgosto com fúria. Ao perceberem, os cientistas paravam amedrontados e batiam a típica continência militar noroeste, como jura de fidelidade ao seu novo lar. Cutter os desprezava.

- Aqui estão, meu bom amigo. Essas belezinhas são as laser blasters mais leves, fáceis de usar e carismáticas que já existiram. E dotadas de uma inteligência artificial que dispensa que o portador tenha sequer noções básicas de aulas de tiro! Agora mais do que nunca qualquer um poderá desfrutar do prazer e da sensação de poder e segurança de ter uma blaster de verdade!

- Opa, opa, opa! Peraí! Como assim "carismáticas", Blackberry?! Inteligência artificial que dispensa saber atirar??? Quê?!

- Ahr-ham. Ehrm... Bem, Cutter... Você deve ter acompanhado a movimentação do mercado ultimamente, né? O crescimento da venda direta de armas para civis tem sido exorbitante, enquanto que a demanda dessas armas manuais, de uso pessoal, para vocês das forças armadas só tem reduzido. Olha, eu sei, boa parte dos ativos da Metal Spread Co. foi construído em cima da venda de grandes máquinas e blindados para vocês. Mas não podemos viver só de um peixe grande na vida e outro na morte. Precisamos dos pequenos sempre e em abundância, concorda?

- Está querendo me dizer que você veio até aqui, tomar meu tempo, só para anunciar que vai deixar de focar seu trabalho na instituição para fazer em lote brinquedos letais para civis estúpidos?!?!?

Blackberry solta um suspiro e vira os olhos.

- Por favor, coronel, deixe-me acabar de explicar. Todos nós aqui nos beneficiaremos se soubermos nos adaptar a esse novo quadro. É fato que as forças armadas, com a tecnologia, precisa de cada vez menos homens por trás das armas...

- Nós sempre precisaremos de homens valiosos! - O carcaju rosnava.

- Por favor, Cutter! Me escute até o fim! Enquanto isso o fetiche fantasioso dos civis por um meio militar utópico é gritante. A classe média pagará qualquer preço parcelado em 24 vezes para ter armas inéditas, personalizáveis, barulhentas, com cores e luzes brilhantes como móbiles de bebês! E o melhor de tudo: Enquanto brincam de militares ou justiceiros míticos, estarão fazendo o favor de testar novas tecnologias para nós, sem que precisemos dispor de tempo e pessoal especializado para isso. Isso vai lucrar que é uma maravilha, e agora o mais importante: Se essas armas tiverem o autógrafo de alguns dos nossos maiores heróis da nação... Ah, nos tornaríamos trilhonários, Cutter! Em outras palavras: Sejam nossos garotos propaganda. Você e outros comandantes são vistos como super-heróis por nossa querida população de jovens adultos, amigo.