Um sonho. Duas cidades. Um amor.

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No dia da prova, já tinha tudo preparado para viajar, fiz a matrícula na Universidade de Barcelona, tranquei o semestre na UFRJ, consegui o visto de estudante e comprei as passagens de avião, que comprometeram quase todas as minhas economias. Porém, nada disso significaria minha viagem, caso não alcançasse a melhor nota de todos os alunos que pretendiam viajar também. Estava nervosa, minhas mãos suavam em bicas e passei a noite em claro, mas me concentrei e pedi benção a todos os santos que conhecia de todas as religiões existentes, até os da Igreja dos Surfistas de Deus.

Será que essa igreja existe mesmo ou surgiu de uma daquelas piadas sem graça do professor de cálculo estrutural?!

Enfim, dois dias depois, corri até o quadro de avisos que ficava ao lado da porta da sala do departamento de assuntos internacionais da faculdade e vi meu nome no topo da lista dos aprovados. Essa foi uma das maiores alegrias que havia sentido em minha vida, somente superada por pisar em solo espanhol.

Capítulo 2

Enquanto me lembro de tudo o que havia passado para estar ali, as brigas constantes em casa, o apoio da minha avó, as horas infindáveis de estudo, me aproximo do guichê da imigração do aeroporto de Madri e o nervosismo me controla novamente.

Será que eles irão com a minha cara?! Com essa pele quase translúcida, talvez nem acreditem que sou brasileira. Podem até pensar que sou do ETA, movimento separatista que existe na Espanha. Há alguns meses, vi que suspeitavam que a explosão de um carro numa praça em Granada tenha sido de sua autoria. Ai! Deus me livre. Todo mundo sabe que o Brasil é uma mistura de genes de todas as cores, sabores e nações. Não tenho culpa de ter herdado as pernas finas do meu pai e não o corpão cheio de curvas da mamãe, brasileira nata, nascida e criada na praia do Flamengo e cuja pele é igualzinha a de um jambo. Falando em praia, como será que tá o tempo no Rio, sai de lá com uma chuva torrencial. O trânsito terrível, quase...

- Buenos Dias! - Disse, tentando parecer simpática.

O homem por trás do vidro balbucia:

- Buenos Dias. Pasaporte.

Entrego o documento, juntamente ao comprovante de matrícula da Universidade Politécnica de Catalunia e aguardo por segundos intermináveis.

- Estudiante?

- Si! Soy de Brasil y mi sonho é estudiar arquitetura aqui. Soy fã de Gaudí y me apaixonei por su trabajo. Conoces la Sagrada Familia? Quando chegar a Barcelona, voy até lá para...

- Madre mía! - Ele movimenta a cabeça para os lados. Não sei se é porque não entende meu portunhol ou se não aguenta meu papo, mesmo.

Ai meu Deus! Irritei o homem.

Ouço um ruído que ecoa por alguns segundos na minha cabeça. É o carimbo que me dá acesso de vez a este país lindo e maravilhoso, cheio de gente linda e maravilhosa, como este simpático homem maravilhoso. Lindo seria exagero.

Feliz! Feliz! Feliz!

Capítulo 3

O aeroporto de Barajas é muito grande, maior que imaginava, tem um teto cheio de enormes ondas. É no mínimo diferente, ousado. Posso identificar as características das obras de Santiago Calatrava, outro arquiteto espanhol que conheci nas aulas de arquitetura contemporânea da professora Helô. Aulas intermináveis e difíceis de acompanhar, já que ela era portuguesa. Uma daquelas com sotaque pesado e indecifrável. Provavelmente ela mistura o português a um dialeto originado em...sei lá...na Alemanha, no mínimo.

Foco, Sofia!

Preciso prestar mais atenção no que devo fazer e deixar as formas arquitetônicas um pouco de lado. Descobrir onde encontro um táxi para me levar à rodoviária, é meu primeiro objetivo em terras espanholas. Segundo, na verdade, já que o primeiro foi passar pela segurança.

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