02.

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Perséfone aspirou o ar profundamente, sentada entre os pedregulhos, brincando os pés na água corrente do riacho. Aquele era um dia de temperaturas amenas e havia no ar uma tranquilidade quase palpável.

O sol começava a sumir no horizonte, em todo seu esplendor, deixando o céu com tons variando entre o laranja, azul e vermelho. Naquele fim de tarde os músculos de seu corpo reclamavam do trabalho árduo feito mais cedo. Por algum motivo, Demetra fez questão de intimar a filha para acudi-la na estação das colheitas e é claro que a deusa da primavera aceitou sem pestanejar. Aquele seria seu terceiro dia no mundo dos mortais e ela não poderia estar mais feliz por passar um tempo longe da rotina.

O dia começou agitado. Mal amanheceu e já estava de pé, vestida em seu habitual traje – uma toga esbranquiçada que descia até os calcanhares, presa por fios de ouro que marcavam seus seios mais do que Deméter consideraria como apropriado. Começou ajudando uma vinícola, depois um campo de trigo e as plantações de abóboras da região. Por fim, após o almoço, se encarregou das oliveiras de uma fazenda situada nas proximidades da cabana que estavam hospedadas – uma coisinha de nada que sua mãe construiu para quando fossem passar um tempo prolongado no mundo dos mortais.

O dia foi árduo, mas cada segundo valeu a pena.  Demetra acabou se compadecendo do cansaço da filha e avisou que ela estava livre para aproveitar as horas restantes na floresta, desde que fosse acompanhada por ninfas de sua confiança. Jamais permitiria que a moça saísse sozinha por aí, com tantos perigos.

Perséfone não recordava a última vez que desfrutou de um momento como esse, tão longe do Monte Olimpo. Meses, anos. Embora estivesse no mundo dos mortais, dentro de si uma saudade queimava ardentemente. Saudade de estar em meio a natureza, em seu verdadeiro lar.

Não que estivesse reclamando. Não. Perséfone possuía tudo. Riquezas, amigos, família e não gostava de pensar em nada além disso; caso o fizesse, perceberia que levava uma vida mais vazia do que qualquer um dos olimpianos.

Afinal, por mais que vivesse cercada pelos luxos que a vida no Olimpo proporcionava, não passava de uma escrava das vontades da mãe. Nunca foi realmente independente.

Perséfone era um espírito livre ao mesmo tempo em que não passava de um pássaro preso ao chão, incapacitado de obedecer aos próprios instintos.

Incapacitada de, genuinamente, viver.

Ela tinha tudo ao mesmo tempo em que não tinha nada.

O que poderia fazer? Desobedecer a família? Jamais. Só desejava uma vida tranquila sem causar dor ou problemas para a mãe, que tanto se esforçava para mantê-la a salvo.

— Aconteceu algo, minha senhora? — Nayra, resignada a lhe proteger com unhas e dentes, questionou com a expressão preocupada, segurando uma tiara de flores. As outras ninfas se banhavam no riacho de água corrente adiante, as risadas ecoavam como som de liras e alguns pequenos animais observavam a cena, atraídos pelos espíritos da natureza, parados na margem. — Não parece muito bem.

— Não é nada. — forçou seu melhor sorriso. — Só estou pensando.

Como o esperado, a ninfa não pareceu convencida, mas acabou emudecendo e retornou a tecer a coroa de magnólias, cantarolando uma cantiga, também com os pés submergidos na água corrente. Ela mantinha uma distância segura da deusa. 

Perséfone sentiu pena das garotas. Por serem belíssimas, ninfas constantemente eram alvos da luxúria dos deuses e sátiros, sempre tratadas como meros objetos. Não compreendia como ousavam maltratar criaturas tão dóceis e amáveis.

— O que você acha dos deuses, Nayra?

A pergunta fez com que a náiade estancasse no lugar, não por estar assustada, mas pela pergunta ser feita tão diretamente, pegando-a de surpresa. Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e abaixou o olhar, perdida, sem saber ao certo como responder.  

FlorescerWhere stories live. Discover now