Capítulo 2 - Waverly

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Sempre procurei ver o lado bom das coisas, acreditar que tudo que passamos vem com um propósito na nossa vida, um aprendizado. Nosso tempo na terra é tão curto para perdermos tempo nos lamentando e reclamando de tudo, por que então não usarmos toda a nossa angústia e descarregamos em algo positivo? Ajudar alguém que precisa, admirar o nascer do sol quando as árvores se enchem de vida e aprender algo novo.

É isso que eu tento mostrar para minha irmã, mas só o que recebo em troca é sua linda frase carregada de sarcasmo: "experimenta passar um tempo na detenção juvenil que, com certeza, aí que você vai ver a vida desse lado super positivo."

Quando eu tinha dez anos, Wynonna doze e Willa catorze, ficamos órfãs da pior forma possível. Nosso pai era o xerife da cidade, logo as armas dentro de casa era algo comum de se encontrar. Nossa mãe sumiu muito antes disso, nos deixando sermos criadas por um homem não muito responsável apesar da profissão que tinha.

Em um belo dia estava brincando no celeiro, quando achei uma pistola escondida na caixa de ferramentas do nosso pai. Eu era uma criança sem muita noção do perigo, pensei que seria uma boa ideia brincar de tiro ao alvo com algo que não fosse de plástico, o que poderia dar errado?

Wynonna me encontrou na hora e correu desesperada para me tomar a bendita arma. Eu fiz birra, não entendia porque ela estava tão zangada, eu só queria brincar…

"Você quer morrer pestinha?" Me dizia ela correndo atrás de mim que fugia dela pelo celeiro "Eu só quero brincar Nonna." Eu respondia desviando dela rindo com a arma na mão.

Wynonna Finalmente conseguiu me segurar e pegar na arma. Com uma mão ela tentava a tirar de mim e com a outra, ela empurrava meu corpo para trás. No entanto, eu estava sendo persistente, não queria perder para Wynonna. "Solta essa droga antes que eu te faça beber a água do poço abandonado até sair pelo seu nariz!" Ela me ameaçou e eu agarrei a arma com as duas mãos ainda mais forte "Nao!" Gritei de volta. Até que papai entrou no celeiro e gritou com a gente, "O QUE SIGNIFICA ISSO?"

Wynonna se assustou e soltou a arma de uma vez no mesmo momento em que eu tinha colocado toda a minha força para puxa-la. Por causa disso eu perdi o equilíbrio tropeçando para trás e sem querer apertei o gatilho. A arma estava carregada. A trava de segurança não estava acionada. Quando eu cambaleei para trás, minha mão que segurava a arma chicoteou para o lado, o lado onde nosso pai havia entrado. Foi tudo tão rápido. Não deu nem tempo para papai reagir, ele só caiu de joelhos sem ar enquanto uma poça de sangue se formava no lado esquerdo do seu tórax.

Gritei assustada, Wynonna correu até ele. Eu não sabia o que fazer, o pânico havia me tomado, eu estava hiperventilando. Minha irmã deitou nosso pai no chão e pressionou o buraco da bala, ela tremia, estava tão apavorada quanto eu, mas se mantinha firme ao contrário de mim. "CORRE PARA DENTRO E MANDE A WILLA CHAMAR A AMBULÂNCIA!" Ela gritou com urgência enquanto nosso pai tentava dizer algo sem sucesso.

Demorei um tempo para assimilar o que ela estava me mandando fazer, minha irmã me deu outro grito para me desperta e fiz o que ela ordenou. Quando encontrei Willa não consegui se quer falar direito por causa do choro, mas ela havia entendido o recado e minutos depois nossa casa estava repleta de carros da polícia, ambulância e alguns curiosos.

Lembro de ver os paramédicos correndo as pressas com o papai na maca, tio Curts aparecendo e entrando na ambulância indo com ele, lembro do quão forte Willa me segurava quando gritei e tentei impedir uma policial de levar Wynonna e me lembro de ver tia Gus e Willa chorarem horas depois ao receber a notícia da morte do papai.

Descobri depois, que Wynonna havia contado de outra forma como tudo aconteceu. Foi registrado que ela estava me mostrando a arma que papai escondia e por brincadeira atirou nele quando ele entrou, mas ela não sabia que a arma estava carregada. Minha irmã ficou  longe por quase duas semanas, quando ela voltou eu perguntei porque ela tinha mentido. Wynonna só me abraçou forte e disse "você é minha irmãzinha, eu prometi que iria cuidar de você".

Moramos com tio Curts e tia Gus desde então, dois religiosos de carteirinha, mas que sempre cuidou muito bem de nós, a não ser Wynonna. A vida nunca mais foi a mesma para ela...

Já tentei desmentir, contar o que realmente aconteceu, no entanto, ela nunca deixou e hoje, mesmo se eu falasse algo, ninguém acreditaria. Minha vida nunca foi um mar de rosas, convivo com a culpa de arruinar a vida da pessoa mais importante para mim, mas eu procurei não me abalar, alguém precisava mostrar para ela que a vida ainda valia a pena e por isso, somente por isso, me tornei essa pessoa que sempre procurou ver o lado bom das coisas. Porque eu precisava disso.

— Wynonna, não somos bobos, você fugiu da missa outra vez! —  Repetia tia Gus furiosa no banco da frente da camionete.

Estamos voltando para casa e como de costume minha irmã está recebendo sua bronca semanal por escapar da igreja para beber nos fundos.

— Eu juro que não, tia. — Falo em defesa dela. — Wynonna esteve comigo o tempo todo.

— Waverly, o que já falamos sobre juramento? — Diz tio Curts sem tirar os olhos da estrada — Eu, porém, vos digo: Não jureis de modo algum, nem pelo céu, porque é o trono de Deus…

— Nem pela terra, porque é o suporte onde apóia os seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do Grande Rei... — Repito com ele revirando os olhos. — Sim eu sei, desculpa, mas é verdade, ela não saiu de perto de mim.

Tia Gus vira para trás e se aproxima de Wynonna, já sei o que ela vai fazer.

— Deixa eu sentir seu hálito. — Ela diz.

— Oi? — Wynonna arregala os olhos.

— Vamos menina, assopre aqui. — Nossa tia insiste impaciente.

Meio a contra gosto e por pressão minha, ela aproxima a boca do nariz da tia Gus e assopra. O clima fica tenso por uns segundos enquanto a tia nos encarava desconfiada.

— Okay, dessa vez eu vou dar o voto de confiança. — Ela diz por fim virando-se para frente. Wynonna e eu soltamos o ar aliviadas. — Espero que um dia você aprenda que a confiança se conquista, Wynonna.

Minha irmã vira pra mim e fala um "obrigada" sem som e eu apenas sorrio dando de ombros. Eu tinha sido esperta, sabia que Tia Gus poderia fazer o que fez, por isso antes que ela aparecesse, dei uma barra de chocolate com menta para Wynonna comer, na verdade quase enfiei nela goela a baixo.

Chegamos em casa muito tempo depois, ja que era um pouco longe da igrejinha, pois é uma pequena fazenda na entrada da cidade. Tia Gus ajuda tio Curts no celeiro enquanto Wynonna e eu iriamos dar início ao almoço.

Mas uma coisa não saia da minha cabeça, uma pessoa na verdade. Enquanto descasco as batatas fico pensando na garota fumante que estava com minha irmã, quem era ela? Afinal eu conhecia todos de Purgatory, a cidade é um ovo, no entanto, nunca havia a visto por aqui. Ela me chamou atenção, de uma forma que eu não conseguia explicar, seu cabelo ruivo que parecia fogo na luz do sol, sua postura na defensiva, porem com um olhar rígido, mas a forma como o olhar dela mudou, como sua expressão inteira, na verdade, mudou ao me ver… Ninguém nunca havia me olhando daquele jeito e eu ainda não sabia dizer se aquilo era bom ou ruim.

Claro que assim que minha irmã veio ao meu encontro quando a chamei, perguntei para ela quem era a ruiva desconhecida. "Nicole Haught, uma pobre alma condenada ao exílio nesta cidade infernal", me respondeu e eu não consegui evitar de olhar para ela por cima do ombro de Wynonna. A garota ainda estava me olhando daquele jeito o que me fez sorrir involuntáriamente e acenando para a mesma, não querendo parecer estranha por estar a encarando. E eu não entendi o porquê do calor no peito que senti quando ela sorriu e acenou de volta. Nicole Haught…  Quem é você?

Just The Way You AreWhere stories live. Discover now