Dias da Semana

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           Eu poderia começar por quando decidi escrever este livro, ou um pouco antes se viesse a calhar. O problema é que eu não sei. A realidade, eu diria, é outra: preciso me entreter, independente do leitor destes textos.Quem sabe nem existirá um, posso dar descarga no manuscrito inteiro quando o terminar. Dane-se. Começarei de onde eu realmente entrei nesta história. Naquela fatídica noite de terça-feira, enquanto chovia. Sabe, é curioso o quão as pessoas se sentem seguras nas suas rotinas, achando que a força de repetição de suas tarefas as torna mais dignas ou então imutáveis. Ninguém comum espera uma tragédia numa terça-feira. Já li em algum lugar que as terças são os dias mais usados para a traição; já que nem isso as pessoas esperam. Existe muita tensão e expectativa em relação ao final da semana e nenhum no começo dela. Segunda, o dia mais odiado e a terça o dia mais ignorado. Quarta é o marco central: metade já foi, daqui pra frente é só alegria. Quinta é como se fosse uma sexta, e a sexta é um meio sábado. Dia de semana até ás seis, final de semana em diante. Acredito que seja por isso que tanta merda  acontece nas sextas feiras. Ou talvez eu não acredite em nada, mas aquela porcaria ocorreu numa terça, e ainda mais no inverno, onde o que todo mundo quer é que pare de chover e isso não ocorre. Um dia pacato, uma noite chuvosa e nem eu nem nenhum humano seguidor do calendário juliano esperava por nada além do tédio costumeiro. A propósito, bem lembrado Senhor Cérebro, eu adoro teorizar as coisas. Interrompi e continuarei fazendo isso para explicar minhas teorias, pois elas são especiais em algum lugar, afinal, o universo é grande. E tirando o fato também delas serem fortemente baseada sem nada. Prosseguindo, estava eu, no auge da minha idade, andando pensativo pelas ruas lindas e aguadas da cidade do Recife. É paulista e carioca, ninguém falará aqui das suas cidades já tão exploradas que eu sinto que conheço mais do que certos bairros daqui. Não desta vez, nada de Cristo redentor ou de manias de paulista, nem de calçadão, muito menos de neblina e de rio tietê.Aqui é a zona do totem feito por Francisco Brennand no Recife antigo, que é mal compreendida por quase 90% dos habitantes. Aqui é a zona de Chico Science, das lindas e devoradoras praias, literalmente. Se falarei da poluição, mencionarei o rio Beberibe,que você pode andar por cima sem problema dependendo da região. Enfim, estava num dia chuvoso. Daqueles dias que os adeptos do bermuda life style sofrem ao ter de trocar a bermuda pela calça, e a sandália pelo sapato. Lembrei.... preciso de um capítulo apenas sobre sapatos e pés. E números de roupa também, sendo menos importante, claro. Falarei do meu bairro também, pois dele tenho uma relação pombo-centro histórico, ou ainda gringo-barraca de tapioca, se você não pegou, uma relação de amor e sujeira, carinho e presença predatória. Okay, eu acabei de rir muito alto. Acho que estou lacrimejando.

Pausa dramática.

Eu tinha saído para olhar uma casa que eu pretendia morar. Ficava longe do meu bairro de origem. Longe eu digo: ficava a 3 ônibus de distância, e sem passar por integrações, pois nos últimos anos a cidade sofreu uma reação alérgica e está numa epifania de terminais integrados, as populares Integrações (na minha cabeça, Entregação sempre foi uma palavra muito mais divertida de se pronunciar, e até faria sentido, tipo, um ônibus entregando pessoas para o outro). Os direcionamentos eram: vá até a Conde da Boa vista, entre na Sete de Setembro (a "nossa"25 de março) e vire a direita para a próxima parada de ônibus.

Eu interpretei totalmente errado. Tenho péssimo senso de direção, e minha auto-estima sempre tem que meter o dedo nesse quesito também. Sou levado a acreditar que sigo na direção certa usando o mantra"matuto não se perde" já que parte da minha infância foi no interior.

Hoje eu sei que virei na direção errada. Eu vi a bendita sete de setembro, do outro lado da avenida e simplesmente dobrei na rua a minha direita. Era pra eu ter ido até o fim da maldita rua. Como azar está sempre de mãos dados com a chuva, começou a chover quase que na hora que eu errei,como se São Thor estivesse observado.

Só faltaram os raios.

Após estar molhado até os ossos, com a mochila lembrando vagamente um coador de café usado e após perguntar a todos os vendedores de todas as ruas em que passei, lembrei que a parada era perto de uma loja de bolos famosa. Era só perguntar por ela, pois seria mais fácil de alguém saber,não é?

Sim e não.

Como eu saberia que havia mais de uma? Apanhando da vida. Fui parar numa suposta segunda loja, naquela altura me sentindo um imbecil de carteirinha,perguntando a todos onde ficava a maldita parada. E lá vai a minha segunda teoria do dia no capítulo seguinte.





Crônicas de um bairrista recifenseOù les histoires vivent. Découvrez maintenant