1. Antes da Terra

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Mirramel corria na floresta com suas pernas de dragão. Caçava com Belasís, uma Homem de Peles. Era uma brincadeira, que escondia uma corrida para ver quem era melhor. Homens de Peles eram bem parecidos com Homens Dragão, assim como Homens de Pêlo. Suas diferenças eram que, Homens de Peles usavam peles de animais para se aquecer, mesmo nos dias quentes, e se armavam com lanças de madeira e pedra afiada. Já Homens de Pêlo tinham o corpo quase todo coberto de penugem grossa, eram menores que Homens de Peles e comiam as pulgas uns dos outros. Já os Homens Dragão não se escondiam com peles de animais, pois se rasgavam ao mudar de forma, quando deixavam de ser homens e viravam dragões. Entretanto, quando as gotas geladas caem do céu, era impossível não usar peles.

Correu o mais rápido que pode, logo à frente o chão descia, sabia disso muito bem, pulou nos troncos, subindo os galhos procurando espaço para abrir suas asas. Sentiu o cheiro da presa, ela estava descendo o monte.

Pulou sobre as árvores, abriu suas longas asas. O chão já se curvava para baixo, debaixo de tuas asas, abaixou a cabeça quadrada e começou a descer. Foi aí que sentiu o impacto sobre si, quase perdeu o equilíbrio, mas manteve-se. Belasís estava agarrada em suas costas, pesada. Os Homens de Peles tinham o costume de nomear seus descendentes com os valores que esperavam para eles. O criador dela queria nomeá-la de Ramarão, uma flor dura que persiste em todos os tempos. Mas sua criadora queria nomeá-la de Belasís, lembrando-se de outra flor chamada sís, linda e frágil, o oposto da ramarão, sís se esconde ao pique que as folhas das árvores ficam amarelas e todos os animais escondem alimentos para o tempo que se sucede, aquele em que tudo fica branco e frio. Obviamente, seus criadores lutaram para ver quem tinha razão, apesar de a criadora de Belasís ainda carrega-la no ventre, e ganhou, pois era uma mulher forte e poderosa. E assim foi, porém Ramarão seria um nome mais apropriado.

Não se importou com o peso, nem com as peles coçando em suas costas, nem com os braços de pele clara cobertos com alguns pêlos envolto em seu pescoço. Gostou. Belasís era uma companhia agradável, para uma Homem de Peles.

– Eu já teria pego se estivesse a pé – disse, em sua língua rude – A presa vai longe se você seguir assim.

Mirramel estava distraído, sim. O criador da terra erguia-se alto no céu, amarelo, lindo, e brilhoso. E a curvatura do planeta deixava-o com vontade de seguir reto. Seu irmão era um viajante, em alguns dias seguiria a curva do mundo para caça de peixes gigantes, e continuaria reto, dando a volta. Mirramel quis poder ter ido com ele.

Lembrando-se da caça de quatro patas, abaixou a cabeça para a terra e encolheu as asas, caindo com rapidez. Mergulhou na mata onde o cheiro indicava que a presa estava, abocanhou, mas quando saiu do mar de folhas estava de boca vazia, e Belasís não estava montada em si.

Voltou à mata pousando e batendo as asas com barulho, assustando a presa e atrapalhando a oponente. Nem se os Antepassados permitissem deixaria Belasís vencer. Ela encarou nervosa, com o rosto abaixo dos pelos que nascem do topo da cabeça pintado de vermelho. Ela tinha os ombros largos, os cabelos cresciam emaranhados e castanhos. A boca estava espremida em sua ira, e através dela, Mirramel imaginou o sorriso largo dela, e riu. As mãos não eram delicadas como as de uma mulher-dragão, e os pés com uma crosta dura e rachada, pois ela não gostava de usar peles nos pés. Belasís era muito bonita. Bonita até demais, para uma Homem de Peles. Isso, pelo menos, tinha de semelhança com a flor.

A oponente aproximou-se, erguendo a lança diante de seu rosto quadrado.

– A presa fugiu, fugiu! Agora não vou ter carne quando escurecer. Vou matar você, e assar na fogueira, e comer essa sua pele burra de dragão!

Mirramel entrou na floresta, e bem rápido achou uma Muita Pernas. Criatura comprida, larga e achatada, com muitas e muitas pernas. Tinha um casco que se dobrava em ondas que alguns Homens de Peles usavam como escudos pequenos para, pelo menos, dez de suas crias em treinamento. Depois voltou e levou o Muita Pernas, que se debatia, para ela.

Realidades CruzadasWhere stories live. Discover now