-Dispensado do seu turno, soldado. Pode cuidar do seu irmão pelo resto da noite. Amanhã retorne ao seu posto. –Fala o príncipe em tom autoritário.

Luke volta seus olhos novamente para mim e o que vejo neles me surpreende: apreensão. Confusa com sua expressão, faço um gesto afirmativo com a cabeça quase imperceptível.

-Obrigado, Alteza. –Luke diz e faz uma breve reverência.

Ele pega Davi em seu colo e me deixa sozinha com o príncipe, o qual me lança um olhar questionador. Levanto apenas uma sobrancelha tentando imitar a expressão desafiadora que o capitão Carter fazia quando alguém contradizia uma ordem sua. O príncipe quebra nosso contato visual passando uma das mãos pelo cabelo. Ele vai até a grade do convés e se apoia nela.

-Você tem algo com esse soldado, Scarlet? –Ele pergunta com derrota marcando seu tom de voz.

A pergunta me pega desprevenida e não respondo imediatamente. Meu silêncio o faz se virar em minha direção outra vez. Sua expressão inquisidora me deixa com raiva, a mesma raiva que senti quando ele gritou comigo em seu quarto.

Tantas perguntas para fazer e é isso que você quer saber, caro príncipe?

-Por que isso importa para você? –Pergunto em um tom baixo e raivoso.

A raiva em minha voz surpreende ao príncipe. Rapidamente, ele vem até mim e segura em meus ombros aproximando nossas faces.

-Por mais que você não tenha demonstrado um resquício de simpatia em relação a mim Scarlett, eu me importo com você e quero mantê-la segura. Você também vai querer uma explicação para isso, não é mesmo? Pois bem, eu não tenho uma. Só sei que estar perto de você me desestabiliza e me faz ter desejos inalcançáveis. –Diz o príncipe.

Quando termina de falar, sua respiração está ofegante e seu aperto se torna mais intenso em meus ombros. Não consigo formular uma resposta coerente para lhe dar, por isso apenas o encaro. Depois de intermináveis segundos ele me solta, expirando forte em frustação.

-Sempre falo o que não devo perto de você. –Ele fita meus olhos antes de continuar. –Desculpe-me pelo episódio em meu quarto. Eu não queria brigar com você. Acabei perdendo a cabeça outra vez. Você tem esse efeito um tanto inusitado sobre mim. –Ele diz com ar suplicante.

Apenas aceno em concordância, já que minha capacidade de formar palavras corretamente parece ter me abandonado. Estranhamente, a raiva em relação ao príncipe me abandonou. Ao invés disso, sinto-me condescendente aos sentimentos estampados em seu semblante.

Um silêncio desconfortável se instala entre nós. Desvio meus olhos para as flores de Amarante e as algumas questões sem respostas pipocam em minha mente.

-O que é esse lugar? Por que todos agem como essa enorme cidade pudesse ser um segredo? Como você a mantém escondida do rei? E por que apenas alguns podem viver nela? Você não acha que existem muito mais pessoas que merecem um abrigo? –Digo sem dar intervalos entre as perguntas para respirar.

O príncipe se espanta com a quantidade de perguntas que disparo nele. Ele mexe novamente no cabelo e reparo que esse é um trejeito nervoso característico seu. Seus olhos se voltam para cidade e ele parece apreensivo.

-Quem lhe falou que Amarante não é apenas uma cidade? –Ele pergunta.

-Anita. –Respondo simplesmente.

-Imaginei. –Ele diz, suspirando antes de continuar. –Essa cidade é um refúgio para aqueles que meu pai condenou à morte, Scarlett. Foi uma ideia da minha mãe quando ele condenou a irmã dela por deslealdade. A rainha não aguentaria ver sua irmã decapitada em praça pública, por isso implorou pelo exílio. O rei concedeu e, desde de então, minha tia está nessa ilha. Ela não gosta de contato com outras pessoas, fica sempre em seu quarto. Quando amadureci e tomei conhecimento das injustiças que meu pai faz, começamos a trazer todos as pessoas que ele queria assassinar para esse lugar, ou pelo menos a todos que conseguimos. Forjamos suas mortes e as trazemos para cá. Ele jamais se interessou por esse lugar e a produção das flores é o disfarce perfeito. Tenho apenas que manter os soldados que não são da minha confiança longe daqui. –Ele olha para mim antes de continuar. –Você tem que concordar comigo que se eu trouxesse todos que precisam para cá o rei notaria, não é mesmo? –Questiona-me levantando apenas uma das sobrancelhas.

Coroa De Fogo - Livro 1 - Trilogia MestiçosWhere stories live. Discover now